domingo, 19 de junho de 2005

40 dias procurando Luz - Dia 36

Texto Bíblico do dia:

Amós 9: 13 - 15 - "Eis que vêm os dias, diz o Senhor, em que o que lavra alcançará ao que sega, e o que pisa as uvas ao que lança a semente; os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão. Também trarei do cativeiro o meu povo Israel; e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão; plantarão vinhas, e beberão o seu vinho; e farão pomares, e lhes comerão o fruto. Assim os plantarei na sua terra, e não serão mais arrancados da sua terra que lhes dei, diz o senhor teu Deus."

O programa de Deus para a minha vida hoje:

Compreender que bênção há na minha fome e sede de justiça.

Meditando:

Na minha infância eu, como muitas outras crianças, reverenciava os heróis invencíveis, aqueles cujos super poderes eram capazes de vencer qualquer espécie de mal e salvar a Terra (ou pelo menos os EUA) todos os dias. Na infância da humanidade também foi assim. Durante muito tempo o homem forjou heróis que eram aplaudidos e reverenciados enquanto venciam. Herói era aquele que se destacava por nunca ser derrotado. Fazer o bem ou não era apenas um detalhe, herói era aquele que provocava temor e tremor, aquele que botava medo só com a presença, aquele ser acima da ira e da fraqueza dos meros mortais. Por outro lado, a vítima era um coitado, que só servia para jogar mais luz sobre a figura do herói.

Mas uma concepção como essa não tem sustentação em si mesma, porque os heróis humanos estão irrecorrivelmente fadados ao fracasso. Eles envelhecem e morrem, não obstante sua história de sucessos. Hoje, o que resta dessa concepção são os super-heróis infantis, que só existem na fantasia, num mundo ideal que não é o nosso. A humanidade cresceu, seus problemas também, e a figura do herói humano teve de se adaptar ao reconhecimento de nossas limitações. Herói, portanto, é hoje aquele que resiste, aquele que representa algo significativo, alcançado por várias vitórias, uma vitória apenas, ou também por derrotas. Assim, aplaudimos heróis mutilados que lutaram pelo país, heróis in memoriam que morreram em batalhas pela liberdade, heróis pobres e magros que jamais ergueram uma arma para lutar mas arregimentaram multidões pela paz, heróis com AIDS que enquanto definham ensinam a matar a fome dos outros, heróis de cabelos brancos, baixa estatura e encurvados pela idade que defendem a causa dos pobres, heróis perseguidos por fazer o bem, e tantos outros heróis-vítimas que reconhecemos com medalhas, memoriais, estátuas e prêmios nobeis.

Há, nessa mudança de concepção, um componente divino que nem sempre é reconhecido, e muitas vezes é até rejeitado pelos mais ardentes defensores da causa dos heróis-vítimas. Aquilo que o filósofo francês René Girard chamou de "a revolução histórica mais arrebatadora do mundo, a saber: o surgimento de uma empatia pelas vítimas." Quando Cristo, que como Deus tinha tudo para aparecer no mundo em glória e resplendor, preferiu encarnar como menino pobre, fugitivo, marginalizado por causa da sua origem, e no meio de um povo oprimido, Ele inaugurou uma nova maneira de ver a humanidade. E viveu de modo a ratificar sua preferência pelos pobres, doentes, fracos, cansados e oprimidos, pecadores. Os fortes da época - principalmente os religiosos - foram muitas vezes censurados por Ele. Segundo a antiga concepção de heroísmo, quando Cristo morreu, deveria ser esquecido, como apenas mais uma vítima do sistema poderoso que o cercava. Mas não foi isso que aconteceu. O poder que matou Cristo não foi reverenciado, mas desmascarado e rejeitado em favor da vítima, que ressurgiu como herói. O "Homem de dores", humilhado, foi exaltado. A violência que tantas vezes é usada no meio religioso como forma de impor a aceitação, não funcionou com o cristianismo, que começou a se expandir mais e mais, passando não só pelos romanos mas por vários outros oponentes até chegar aos nosso dias.

Por isso, hoje, quando ouvimos as vozes de multidões defendendo as minorias, clamando por justiça social, se mobilizando pelas nações de terceiro mundo, se movimentando pela beneficência do mais fraco, estamos apenas ouvindo o eco de Cristo na cruz, onde, segundo Philip Yancey, "Deus ficou ao lado da vítima". Ainda que Deus não seja tomado como referência por muitos que defendem os direitos humanos, foi da atitude dEle que partiu a base das suas reivindicações. Por isso acredito que é dEle que devemos partir se quisermos fazer o bem para as pessoas e trabalhar por um mundo melhor.

A Bíblia é a prova inequívoca de que Deus sempre se importou com o mais fraco. Quando analisamos a vida dos heróis da fé, percebemos que eles não foram os homens inexoráveis, perfeitos e poderosos que alguns tentam compor para saciar nossa imaginação infantil. Eles foram pessoas sujeitas a fraquezas, erros grotescos, grandes provações, tristezas profundas, e quando o apóstolo Paulo os mencionou da galeria dos heróis da fé de Hebreus 11 fez questão de expor sua condição de vítima (versos 37 e 38). A partir disso compreendo que eu mesma, com todas as minhas limitações também posso ser uma heroína. E que Deus, tanto quanto eu, também tem uma enorme sede e fome de justiça. Esse sentimento corre no sangue de todos que fazem parte da família de Deus, e escorreu na cruz como testemunho de que nosso anseio não é em vão. No texto bíblico de Amós temos mais que uma promessa, temos uma aspiração de Deus, que eu a imagino dita entre suspiros, com o olhar brilhando, com ansiedade. A causa dos sofredores, dos fracos, dos oprimidos, dos famintos, dos perseguidos, dos humilhados, dos discriminados, dos rejeitados, dos injustiçados, dos que choram é a causa dEle. E esses são, desde sempre, os heróis de Deus.

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