sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Erros

Os críticos literários - e em especial aqueles que criticam os autores cristãos - costumam buscar e apontar as contradições na obra dos escritores como um erro crasso. Pessoalmente acho que isso é uma prova de que o escritor está vivo e ativo. No caso de um escritor cristão, demosntra que ele está renovando sua experiência com Deus. Tudo aquilo que aprendemos na vida espiritual esta passível de ser reelaborado e aperfeiçoado. Isso Às vezes demanda tempo, uma vida inteira. E pode acabar por contradizer, em parte ou de todo, aquilo que julgávamos uma verdade completa tempos atrás. O texto que se segue é fruto de uma reflexão nova, e vem emendar um texto que fiz dias atrás sobre as consequências do pecado.
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O primeiro erro do cristão é achar que pode cuidar de tudo sozinho. Depois de tantos sermões, palestras, cursos, congressos, escolas dominicais ou sabatinas, leituras devocionais e estudos bíblicos, ele chega a conclusão que tem um know-how considerável, que pode deixar Deus descansar um pouquinho e tomar as próprias decisões conforme seu conceito aprendido de certo e errado, bom e mau. Creio num Deus que preza o uso da inteligência e discernimento de seus filhos, mas todo conhecimento espiritual deve nos levar a depender mais de Deus, não o contrário. Quando paramos de nos questionar sobre a opinião de Deus, fazendo-a coincidir com nossa vontade, há um erro à vista, prestes a acontecer.

O segundo erro é achar que podemos concertar o primeiro erro sozinhos. Então esquematizamos nossos próprios paliativos, que julgamos eficazes porque parecem sanar o problema sem causar grandes transtornos ao nosso modus vivendi. Sabemos que o pecado tem que ser confessado, mas às vezes preferimos carregaro fardo do silêncio pela vida inteira. Sabemos que o pedido de perdão também tem que ser dirigido a quem ofendemos, mas às vezes preferimos simplesmente nos esconder. Sabemos que temos que perdoar, mas preferimos racionalizar que Deus conhece nosso coração a ponto de nos dar algum tempo para remoer nossa mágoa. E Deus sabe tanto de nossa imperícia para resolver problemas que, por Sua graça, costuma nos mostrar o caminho quando, ao abrir os olhos, percebemos que do nosso jeito não deu certo.

O terceiro erro é achar que, ou por mérito de nossas ações e palavras bem planejadas, ou por misericórida divina, tudo está bem porque acabou bem, ou seja, porque aparentemente nosso problema foi rsolvido sem maiores consequências. Não houve dor, suspiros, gritos ou gemidos de dor, ninguém morreu, nem matou, nem tentou o suicídio. Nenhuma testemunha de nossos erros, ninguém ferido para nos cobrar promessas ou indenizações por danos morais. Então tudo certo, ok? É o terceiro erro, eu dizia. O fato de não sermos capazes de ver consequências em nossos atos não quer dizer que elas não existam e sejam terríveis. Mesmo que não tenha havido dor da sua parte, ou da parte contra quem você pecou, um Ser nos céus sentiu sua ofensa.

Para o mais "perfeito" dos pecados, há sempre uma consequência espiritual. Talvez você não possa ver, mas se uma fotografia pudesse lhe mostrar envolto no mundo sob qual influência você está, o que você veria? O mesmo que Jeazir, que viu-se cercado de exércitos celestiais quando Eliseu pediu ao Senhor que lhe abrisse os olhos (2 Reis 6: 17)? Ou a dura (e muitas vezes esquecida) realidade de que fala Efésios 6:12; "Pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, conta os príncipes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes."? Nossas palavras e ações de âmbito espiritual se conectam com anjos do bem ou do mal, e debaixo de sua influência nos colocamos mesmo quando não exergamos nenhuma consequência palpável na nossa realidade meramente carnal. Um pecado não está resolvido quando deixa de imprimir dor visível. Todo pecado só é apagado por completo por meio do sangue de Cristo, suplicado com arrependimento e desejo de não mais pecar. Só a partir da jsutificação em Cristo pode-se não temer o pecado cometido. Antes disso ele sempre será mais um dardo - muitas vezes escondido - nas mãos de Satanás.

Errar e errar sequencialmente faz parte de nossa natureza carnal, decaída. Mas errando conhecemos mais uma face da maravilhosa graça que nos alcança. É Deus quem cuida para que nossos passos não se desviem. É Deus quem nos toma pela mão e nos ajuda a reencontrar o caminho quando nos desviamos. É Deus que extermina a influência do pecado sobre nossa vida. E é Ele quem nos concede o desejo de não tornar a pecar. Não há mérito algum nas nossas ações ou palavras bem intencionadas, é nele que está o nosso querer e o relizar (Romanos 7:18). Todo bem que fazemos, queremos, recebemos vem de Suas mãos. Por isso mesmo, nada feito por nós podemos Lhe dar. Nenhuma prova de como aprendemos bem as lições bíblicas, os sermões, as palestras... quando usamos de nossa melhor capacidade de discernir, escolher e decidir, resolvemos Lhe dar não menos que toda a nossa vida. Só nessa entrega absoluta encontramos existência plena, só nessa dependência completa nossa vida cumpre seu significado aqui na Terra e afirma o melhor que há em sua humanidade.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Adveniat - Centro

O cartaz no ônibus informava objetivamente a respeito das mudanças no trânsito do centro da cidade por ocasião do carnaval. Não pedia desculpas pelos transtornos, não dava alternativas satisfatórias, não dava número de telefone para sugestões e críticas. Apenas comunicava secamente as mudanças que haveriam de alterar por uma semana a rotina e o humor de todos os recifenses que precisassem passar por ali. Fiquei pensando sobre a mensagem nas entrelinhas daquele cartaz: “Você está em Recife, uma cidade carnavalesca que por estes dias estará toda voltada para o comércio festivo. Não nos preocupamos com o que você pensa, se gosta ou não das mudanças para o carnaval ou do próprio carnaval, porque você não é o foco de nosso interesse. Portanto, se se sentir incomodado procure a BR 101 e siga seu rumo para longe daqui.”

Diante de um “Ame-o ou deixe-o” nós sempre deixamos Recife por essa época e nos escondemos nas paisagens potiguares. Lá podemos meditar com mais calma e inspiração no amor de um Deus que se preocupa em detalhes com Seus filhos. Se não fora assim, por que teria colocado na obra da Sua criação cores, sabores, texturas, odores e sons tão diversos e tão agradáveis em sua amplidão? Nas várias matizes de uma flor, pessoas de diferentes gostos visuais podem se sentir tocadas por uma mesma beleza que remete ao sublime. Aos diferentes cheiros do campo, boas memórias vão se associar em tipos humanos diversos, e em cada um vai virar um alento futuro, uma saudade afável. Entre as digitais de bilhões de seres espalhados pelo planeta, você certamente encontrará pelo menos um par de mãos que lhe será tão doce ao toque que você desejará tê-las por perto o resto da vida. Em toda a obra feita pelas mãos de Deus há uma manifestação de graça escondida, pronta a alcançar cada um de Seus filhos.

Por que é assim? Porque entre todas as criaturas da Terra estamos no centro do interesse divino. Há filósofos que criticam essa característica cristã, que de tão afirmada ao longo da História, queria até fazer da Terra o centro do sistema solar. No entanto o cristão que conhece a seu Deus não faz essa afirmação por esnobismo ou egocentrismo, mas por reconhecimento de um amor demonstrado de maneira incontestável na Revelação de Sua Palavra e Sua criação. Tenho um Deus que diz ser capaz de entregar reinos por Seu povo (Isaías 43:4). E que me oferece incontáveis provas de aceitação, desde o gosto da minha fruta preferida até um som vespertino que ninguém mais percebeu, mas que falou ao meu coração dizendo “Vinde a Mim”.

Entre os muitos caminhos que Cristo tem para chegar ao nosso coração, um há de lhe alcançar e fazer você sentir-se amado, respeitado, de forma única, tal como o ser que você é. Mesmo que a humanidade prefira entorpecer os sentidos para festejar a carne, há um prazer espiritual guardado em muitos detalhes cotidianos (ou fora dele), esperando para ser contemplado e vivido. Um prazer que não pode nos ser tirado, pois traz os ecos da Eternidade. Muitos pedacinhos do céu são plantados em nossos caminhos, mas só somos capazes de desfrutá-los quanto não passamos com pressa por cima deles: “A Terra está cheia da bondade do Senhor” (Salmo 33:5); “Quem é sábio observe estas coisas e considere atentamente as bondades do Senhor.” (Salmo 107:43)

“Acaso não tendes tido quadros luminosos em vossa vida? Não haveis experimentado preciosos momentos, em que vosso coração pulsou de alegria à influência do Espírito de Deus? Volvendo o olhar aos capítulos de vossa passada existência, não encontrais algumas páginas aprazíveis? Acaso as promessas de Deus, quais flores fragrantes, não medram a cada passo na vereda que trilhais? E não permitireis que sua beleza e suavidade vos encham de gozo o coração? (...) Graças a Deus pelos quadros luminosos que nos tem apresentado! Enfeixemos todas as benditas promessas de Seu amor, a fim de sobre elas poder deter continuamente o olhar.” (Ellen G. White, Caminho a Cristo, p. 117 e 118)

Que ao contemplar a luz que incide nesses feixes de amor Divino, possamos nós, que somos o centro de Seu amor aqui na Terra, torná-Lo o centro de nossas vidas também.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quantas coisas você não consegue fazer ao mesmo tempo?

Não escrevi neste fim-de-semana porque estava em um congresso para evangelistas que aconteceu no ENA. Foi um belo congresso, num lindo lugar, com pessoas amadas e comida maravilhsoa, heheheh. E tudo dado de presente pelo pastor. Amazing Grace!
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Ao contrário do que incentiva nosso século de velocidade, eu não consigo fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Logo que conheci a internet achei que era apenas imperícia de minha parte, mas hoje, dez anos depois, cheguei a conclusão que é total incapacidade mesmo. Acho fantástico observar como amigos meus conseguem conversar com quinze pessoas ao mesmo tempo num Messenger, e, ainda ao mesmo tempo, checar os e-mails, olhar uma home page, fazer uma pesquisa no google, baixar um arquivo, responder a uma pergunta do chefe (sem que este veja o bate-papo), atualizar o blog e ainda comer um sanduíche sem derrubar uma migalha sobre o teclado. Eu não consigo sequer esse último item enquanto estou na frente do computador!

E não é assim apenas no mundo virtual. Não sei o que seria da minha missão de mãe sem minha boa babá por perto, me ajudando a coordenar os mil afazeres que um bebê demanda. Na cozinha tenho que fazer uma coisa de cada vez, se não algo vai ficar sem sal, queimado ou cru. O resultado é que enquanto minha mãe gasta uma hora e três panelas para preparar um almoço eu gasto quatro horas e todas as panelas do armário. As vezes em que quis me meter à besta de fazer algo fora da cozinha enquanto o fogão estava ligado renderam desde miojo queimado até panelas com fundo derretido. Certa vez consegui queimar a pipoca enquanto conversava com um amigo em frente ao fogão...

Não obstante meus problemas mentais característicos, acho que o nosso século exalta demais quem consegue se virar sozinho para fazer tudo, e quem consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Embora busquemos nos especializar cada vez mais, somos cobrados para dar conta de um milhão de problemas diferentes, e somos considerados “bons” quando conseguimos realizar o máximo de tarefas num tempo mínimo e sem a ajuda de ninguém. É engraçado mas hoje tem se tornado absurdo deixar que outras pessoas ajudem. É como se isso tirasse os méritos, colocasse sombra sobre as conquistas. Por isso mesmo é cada vez mais difícil para o ser humano contemporâneo lidar com a sensação de impotência. Ele, que é cobrado para ser capaz de resolver tudo sozinho, rápida e simultaneamente, amarga com tristeza extrema quando se depara como instransponível. Mas nessa hora, até para Deus chegar junto está difícil. Apelar para Deus seria confessar-se fracassado, e o auxílio divino tiraria o brilho da vitória. O homem desafiado pelo problema cairia para o lugar de salvo ao invés de fulgurar no lugar do salvador. E há quem prefira constar como fracassado a ser flagrado, frágil e pequenino, nos braços de Deus.

Mas a onipotência ainda é um atributo que só a Deus pertence. E a impotência pode ser uma boa oportunidade para questionar o valor das coisas que queremos transpor. Eu já acho que pensar, escrever e respirar ao mesmo tempo seja algo incrível para mim. Ter o controle de todo o presente e futuro na minha vida seria um desatino. Pelo contrário; alguns dos meus planos mais benevolentes não funcionam apesar de muito bem estruturados, e algumas maldades que maquino fazer quando estou com raiva de Deus falham antes de eu me sentir uma menina má. Há sempre fatores que estão além do meu alcance e que vez ou outra impedem meus planos de se concretizarem, quer sejam bons, quer sejam maus. E eu até já ousei reclamar com Deus dessas intervenções que seriam coincidência demais para acontecerem com tanta freqüência e eficácia, tirando-me a humana capacidade de querer e realizar (Filipenses 2:12 e 13).

A sensação de impotência para manejar o próprio destino é algo que mexe com os brios do ser humano. Mas é algo com o que os filhos de Deus precisam aprender a lidar, porque se por um lado Deus lhes deu livre arbítrio, Ele os ama demais para os deixar sozinhos em sua caminhada. Mesmo quando merecemos sofrer as conseqüências de nossos atos errados e amargar decepções vindas dos mais bem intencionados - mas imprudentes - planos, Deus não permite a seus filhos sofrimento desnecessário. Este é o princípio da graça que está expresso no verso: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” (I Coríntios 10:13). O versículo no entanto não diz que Deus nos consultará sobre a conveniência de suas decisões em nosso favor. Deixar Deus nos ajudar pode ser um processo de doloroso aprendizado, em que nem se enxergue o auxílio de pronto, e em que a dependência nos ensine a nos desprendermos mais e mais das mesquinharias humanas, do egoísmo, da incapacidade de dar e receber. E nos faça começar a listar quantas coisas não conseguimos fazer ao mesmo tempo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Recebi de graça - Livros cristãos

Falamos abaixo sobre abençoar e cuidar. Então precisamos falar sobre anjos.

O site da CPTN - Cristo para todas as Nações -, que é uma iniciativa de evangelismo da Igreja Luterana, dispõe de estudos bíblicos, cartões virtuais, livraria, mensagens cristãs de áudio e vídeo e vários outros itens de interesse religioso. Só por isso já merece uma vista, mas também oferece a seus visitantes um livro gratuito. Você pode solicitar até dois títulos diferentes, que são oferecidos conforme a disponibilidade do site. O que recebi foi este abaixo:
"A verdade sobre os anjos" é um livreto interessante que em nada me pareceu contrariar a visão adventista quanto ao tema. Nem mesmo a menção a Miguel como um arcanjo tira o mérito da pesquisa bem feita e da mensagem bonita que o livro traz. A mim acrescentou bastante.

Para pedir o seu, CLIQUE AQUI.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Adveniat - Caminhos

Certa vez um amigo me magoou. E como acontece com todos os amigos que notam que magoaram a quem querem bem, ele tentou justificar sua atitude. Disse: "É que do lugar de onde venho as pessoas valorizam mais a aparência que o caráter. Às vezes acabo fazendo da mesma forma que elas." Eu o perdoei e entendi. Mesmo sem usar as mesmas palavras, diante de um erro cometido eu mesma já pensei assim algumas vezes. Não somos só nos que deixamos marcas no caminho pelo qual andamos: ele também nos modifica, imprime em nós algo da sua própria paisagem, cobre-nos com a poeira levantada em cada pegada.

Jesus contou a história de um caminho e quatro homens. Alguém lhe perguntou sobre salvação sem estar interessado de verdade em saber sobre a salvação (queria testar Jesus), e Ele respondeu com uma parábola sobre uma necessidade real do interlocutor: saber quem era seu semelhante e como tratá-lo. Está em Lucas 10: 25-37. O caminho era a estrada traiçoeira entre Jericó e Jerusalém, que apresentava uma descida de cerca de 900 metros. Lá, um homem foi assaltado e espancado com bastante violência a ponto de ficar desacordado no chão. Mesmo que nunca tenhamos passado por situação semelhante somos capazes de reconhecer a dor de estar ferido, física ou emocionalmente, e ao mesmo tempo desamparado, sem condições de se fazer algo por si mesmo.

A parábola continua dizendo que um sacerdote passou pelo mesmo caminho, viu o homem semimorto e passou de largo. Pode ter pensado: "Do lugar de onde venho os justos não se contaminam com cadáveres. Este aí se ainda não morreu deve estar perto." Depois veio um levita e passou de largo também. Pode ter pensado: "Do lugar de onde venho, o templo, há ainda muita coisa para ser feita, tenho muitas responsabilidades e não posso me arriscar a faltar com elas porque fiquei impuro ao tocar num possível cadáver." O terceiro homem, um samaritano, compadeceu-se da pobre vítima, cuidou, levou consigo, tratou e pagou os suficiente para que o homem ferido ficasse bem hospedado por vários dias até se recuperar. Pode ter pensado: "Do lugar de onde venho as pessoas são consideradas más. Tanto que, futuramente, quando se referirem a esta história me chamarão de 'bom' samaritano, como se todos os outros samaritanos fossem necessariamente maus. Do lugar de onde venho ninguém acredita que eu seja capaz de demonstrar compaixão por um homem que não conheço e que provavelmente pensa como os outros do lugar de onde venho. Mas ele ainda precisa de mim." E ajudou o moribundo logo que constatou que este não estava morto (ele, como os judeus, também sabia que corria o risco de ficar impuro).

Jesus terminou a história com um "Vai e procede tu de igual modo", sugerindo que em nossos caminhos usemos de compaixão e amor para quem precisa de nós ainda que isso seja uma tarefa incômoda e até nos custe algo. Isso pode ser socorrer um semimorto ou deixar de magoar um amigo desnecessariamente. Para tanto, Jesus fez saber também que um mesmo caminho tem duas direções: o lugar de onde se vem e o lugar para onde se vai. E muito mais importante que saber como é o lugar de onde se vem, é saber exatamente como é o lugar para o qual se quer ir. Como é lugar para onde estamos indo? Que nesta semana possamos agir com as pessoas de modo a mostrar algo da paisagem que aguarda no fim do nosso caminho.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Dentes e dádivas

Até eu engravidar nunca tinha tido cáries. Adorava ver a cara surpresa dos dentistas e mais ainda a cara invejosa de minhas irmãs que me viam sair serelepe da temida cadeira após uma rápida aplicação de flúor, e deixá-las lá ao som de um motorzinho aterrorizante, enquanto dava tchauzinho com uma barra de chocolate na mão.

Uma vez uma dentista me falou: "É um tipo de bactéria que protege seus dentes. Quando começar a beijar na boca você com certeza vai conhecer o que é cárie." Mas a profecia - ou praga, simplesmente - não se cumpriu. Minhas bactérias deviam ser mais fortes que as dos meus namorados de modo que meus dentes permaneciam pefeitos. Minha higiene bucal sempre foi apenas regular, nunca um exemplo a ser seguido ou filmado para comerciais de creme dental. Para desespero das minhas irmãs, elas se esforçavam bem mais nesse sentido que eu, mas era eu quem ria do motorzinho.

Aí veio Vinícius. Com quatro meses de gravidez fiz minha primeira restauração dentária e arranquei um siso. O bebê já era guloso desde o ventre: me roubava o cálcio com a avidez de quem anunciava que iria mamar freneticamente por mais de um ano. E não me digam que não tem nada a ver, que ele não retira o cálcio dos dentes e outras coisas do gênero que li de especialistas por aí. Só quem engravidou sabe o estrago que uma placenta ávida pode fazer no corpo de uma mãe que tem que se manter bem nutrida e com IMC normal. Comer, comer, comer: dentes a menos, pança a mais. O dentista me alertou: "Você está cheia de cáries! Volte aqui após o parto para fazermos um tratamento!"

Um ano depois eu voltei e... meus dentes estão perfeitos. Que bactéria que nada. O dentista explicou que a boa saúde de meu oganismo aliada a um forte componente genético fez com que os dentes fossem mineralizados novamente antes das cáries se desenvolverem. De modo que não será preciso fazer nenhuma intervenção. Ele elogiou minha oclusão (expliquei que nunca usei aparelho ortodôntico) e minha higiene bucal, ao que eu modestamente repliquei que era mais sorte que diligência, e despediu-me, profissionalmente feliz que meus genes não sejam dominantes.

Tenho problemas bem chatos que não são muito comuns: meu olho esquerdo tem mais de nove graus de miopia, minha rinite alégica abrange uma gama infindável de elementos respiráveis, meu nervo ciático incomoda desde os 28 anos. Mas o fato de ter dentes fortes e benevolentes supera todos eles. Muito interessante como a ausência de cáries me faz sentir uma pessoa especial, destacada dentre a multidão, divinamente agraciada. Não lembro de nenhuma outra característica física, intelectual ou emocional que me faça sentir algo parecido.

E este post, que não é mais uma reflexão biológica que teológica, não está aqui só para deixar para a posteridade o registro áureo de minha super arcada dentária. Também quer dizer que mesmos os estragos que a vida faz (na verdade, que nós fazemos na vida) e que julgamos muitas vezes irreparáveis, podem se mostrar surpreedentemente... sanáveis. Uma cárie diagnosticada pode levar a mente a divagar insone por vingativos barulhos de motorzinhos, gargalhadas de irmãs, relatos de cirurgias dentárias que remetem a torturas medievais. Um pecado também pode deixar a sensação de que teremos que amargar consequências terríveis, que machucaremos pessoas inocentes, que feriremos pessoas que amamos, que o mundo nos verá cobertos de lama a desfilar pelas ruas da cidade, que nunca mais seremos a mesma pessoa outra vez.

Bem, isso de fato pode ocorrer. O pecado pode trazer males indizíveis. Mas já vi olhares de pessoas que denunciavam sentir tudo isso mesmo sem ter passado por tudo isso. Pessoas que carregavam em seu olhar triste o cinza púmbleo de um culpa punitiva. De tão púmbleo, o cinza faz decair o olhar: "Sou miserável, pequei e vou sofrer." Sem levantar o olhar a pessoa cria em sua mente um cenário de acusação e medo para cercá-lo. Sem enxergar as faces e vozes que se aproximam dele, pinta-lhes com capuz de carrasco, muito mais interessado em purgar sua culpa que ver a realidade. Sim, somos miseráveis, sim, somos pecadores, mas não temos necessariamente que sofrer. Um pecado pode ser sanado sem dor? Como assim? Pode? Pode. "Verdadeiramente Ele tomou sobre si as nossas fraquezas, e carregou as nossas dores." (Isaias 53:4). Cristo pagou na cruz as dores de todos os pecados passados e futuros. Não aceitar isso é não entender o plano de salvação. O pecado deve causar no coração converso o arrependimento, não a auto-flagelação. Se a solução fosse impingir a si sofrimento, Judas não teria tido um fim tão triste.

Nem sempre podemos apagar o rastro de um ato pecaminoso, seja pela simples lei da ação e reação, seja pela malignidade de Satanás, que faz realmente de tudo para que o pecado tenha o maior alcance possível. Mas também não podemos apagar a força do sangue de Jesus sobre nossas vidas. É o poder de Deus, e não o poder do pecado, que deve ditar nossa atitude perante a vida, as pessoas e os nossos atos subsequentes ao erro. Cavar mais fundo o poço não vai nos redimir porque o auxílio só pode vir de cima. Revolver-se no lamaçal do pecado e o expor a todos os passantes é inútil quando o sangue do Cordeiro espera para nos limpar.

Eu não tenho a mínima idéia do mecanismo pelo qual um organismo refaz um dente onde certa vez se instalou uma cárie. Também não consigo entender a forma pela qual um Deus justo se faz amor e nos perdoa, sana e reintegra à perfeição sem que para isso tenhamos necessariamente que sofrer longamente, penar, machucar a nós mesmos ou a outras pessoas. Mas desconfio que isso não é mesmo para ser entendido. Isso, meus seis leitores, é Graça.