sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

Para um cartao de natal

Ontem à noite resolvi dar uma boa olhada no céu antes de dormir. Contemplar cenários grandiosos como o céu ou o mar, me tranqüiliza o espírito porque lhe dão uma noção mais acertada da dimensão dele, e conseqüentemente, dos problemas que o afligem, os quais vão minguando... minguando... até misturar-se num ponto do infinito. Diante da beleza grandiosa do céu, é impossível enxergar as aflições com o mesmo assombro. E era essa certeza que eu queria apreender no meu coração para aceitar que já é findo o ano.

Tentei passar de largo as lojas enfeitadas com luzes, papais noéis (cada vez mais moderninhos, dançantes e em trajes esquisitos), penduricalhos multicoloridos. Tentei não prestar atenção nas propagandas apelando para o décimo terceiro salário. Mas ontem recebi um cartão de natal, e o que era intimamente ignorado ficou patente: é findo o ano! E agora me ataca a velha frustração, repetida antes de todos os natais, de que o ano vai embora sem que eu tenha conseguido realizar tudo que queria. O tempo passou mais rapidamente que no ano passado (e nesse, mais rápido que no anterior), de modo que boa parte dos meus planos continuaram presas ao mundo das idéias... e será que eu fiz tudo que deveria ter feito? Será que dei tudo de mim mesmo? Será que não poderia, nesse breve intervalo que nos separa do ano novo, correr atrás daquilo que protelei por tantos meses? Enche-me então uma repentina coragem, mas logo desvanece: hora de ir trabalhar...

Melancolia de quem queria ter certeza de que viveu do jeito certo. E olha que foi apenas o primeiro cartão de natal. Eu mesma tomarei tempo para fazer alguns, que ainda é um dos meus prazeres preferidos, mesmo que a modernidade o tenha incluído em sua ampla lista dos costumes obsoletos (portanto faço cartões como quem ama: sem esperar resposta). E saltando a praticidade dos computadores, dos cartões pré-pagos, dos telefonemas cordiais, eu gosto de fazer – ao menos para alguns, e os outros ficarão par ao próximo ano – cartões personalizados, com tesoura, cola, fitas, papéis e mensagens escolhidos por mim. Afinal são as mensagens a parte que mais toca ou mais perturba, o que não pode é uma mensagem natalina causar indiferença. Há que se atentar bem no que ela diz e para quem diz. Portanto pense duas vezes antes de escrever a velha frase: “que neste no ano que se inicia, todos os seus sonhos se realizem”, que tal desejo pode ser o que de pior podemos desejar a alguém querido.

Nós temos uma mania feia de enxergar a vida de forma muito pontual: deu certo, não deu certo e ponto final. Mas quando parece que um sonho não deu certo, pode ser que esteja se iniciando o começo de um sonho mais perfeito, mais acertado, com maiores chances de nos conduzir a um bom lugar, e que no entanto, nós ainda não sonhamos, e só iremos reconhecê-lo (que se reconheça, ora pois!) muito adiante, quando o futuro nos colocar num patamar privilegiado para ver todas as coisas passadas com seu fim alcançado. E então compreenderemos que o ser humano precisa aprender a sonhar, não com os olhos fixos no presente e suas dádivas imediatas, mas perceber nos sonhos algo de atemporal, que por vezes escapará à nossa posse, à nossa auto-suficiência, ao nosso entendimento míope e limitado, que teima em se apegar ao agora, ao aqui e em caso contrário, ao lamentar ignorante.

É possível que eu não consiga, embora quisesse muito, fazer um cartão de natal para cada pessoa que receberá este texto. Além de anacrônica, eu tenho pouca prática com as artes manuais... mas desde já deixo com todos a minha mensagem preferida, que a todos serve em qualquer ocasião: no ano que há de se iniciar em breve, desejo que todos os sonhos de Deus para você se realizem. Até lá desejo fé para chegar ao fim do ano sem fardos de frustrações ou lamentos, sem a sensação pesarosa de que poderia ter feito ou deixado de fazer. “Porque agora vemos como em espelho, obscuramente; mas [quando vier o que é perfeito] veremos face a face. Agora, conheço em parte; mas [quando vier o que é perfeito] conhecerei como também sou conhecido” (I Cor. 13:12). Desejo, sobretudo, que aprendamos a olhar a vida como quem olha o céu ou o mar: sem assombro, sem uma visão pontual, com uma noção mais acertada das nossas perspectivas.

Um sábado iluminado,

Luciana Dantas Teixeira