segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Novembro

Não consigo pensar em novembro sem sentir calor. Aliás, neste exato momento o calor de novembro me impede de sequer pensar com eficácia. E eu não gosto muito do nosso afamado calor tropical, nem do famigerado verão nordestino. Ele me deixa mole, doentia e perturbada. De tal forma que me leva até a geladeira e me deixa alguns minutos diante de sua porta aberta até que eu descubra que não fui fazer nada ali além de sentir um pouquinho de frio. Banho não resolve porque a água do chuveiro também está quente. E agora? Enquanto muitos buscam seu lugar ao sol, eu fujo dele. Piscina? Tenho alergia a cloro. Praia? Muitos problemas. Em Boa Viagem corro o risco de ser atacada por tubarões ou micoses ferozes. Debaixo do guarda-sol tenho que interromper de três em três minutos uma possível leitura por causa de um ambulante. E não dá pra ficar torrando e suando ao sol como a multidão. Solução seria seguir trezentos quilômetros ao norte para encontrar um lugar mais adequado, mas até lá eu cozinharia. Ou seja, o calor me deixa chata mesmo.

O jeito é apelar para o ventilador, um suco de acerola geladinho, e com melhor humor pensar em Deus. A Bíblia me faz refletir: o que faria um homem realmente sábio num dia quente de novembro recifense? E este pensamento me leva ao livro de Eclesiastes, cuja autoria, atribuída a Salomão, é referência em se tratando de sabedoria. Segundo uma superficial pesquisa que fiz, o Pregador, como se intitula o autor do livro, era um homem experimentado em verões. Ele usa trinta vezes a expressão “debaixo do sol”, o que leva a crer que isto era algo bem conhecido em suas sábias andanças. Mas apesar de Salomão não ter estado em Boa Viagem, é de admirar que ele por vezes parecesse tão mau-humorado. Pessimista talvez fosse a melhor palavra. O fato é que não era só o calor que incomodava Salomão debaixo do sol. No livro de Eclesiastes ele cita várias motivos de desânimo, fatos tristes e características ruins do povo e da vida em si (1:14, 2:17,3:16, 4:1, 4:3, 5:13, 9:3).

Eu imagino o sábio sentado, olhando desolado o horizonte, coçando a barba sem vontade, olhando a poeira quente parada diante de si. Tudo que vê o desanima ainda mais: “Pelo que aborreci a vida, porque a obra que se faz debaixo do sol me era penosa; sim, tudo é vaidade e desejo vão.” (2:17). Ele insiste na volatilidade, na impermanência. Mas por um momento seu olhos brilham, um leve sorriso se esboça em sua face e ele consegue divisar, em meio a todo esse quadro de pessimismo e cansaço, algo bom e belo: “gozar cada um do bem de seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu” (5:18). E mais tarde ele volta a insistir que a alegria de desfrutar o resultado de tudo em que nos empenhamos aqui é graça de Deus (8:15). “Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do Sol” (9:9), ele enfatiza. E me faz pensar que focalizar e valorizar nossos objetivos, as pessoas que nos motivam, e a fé de que Deus tem tudo isso em Suas mãos, nada mais é que aquela tal felicidade. Fazendo isso nada mais nos perturbará debaixo do sol – ainda que seja o sol de novembro.

Pode parecer filosófico demais para um domingo à noite, mas seria bom que nos perguntássemos qual a razão de vivermos aqui, assim, da forma como vivemos. E achada a razão, seria interessante centrar-se nela para que tudo o mais continue a fazer sentido. Falo de viver mais para substantivos que para verbos. Temos vivido um tempo em que fazer, fazer e fazer ocupa toda a nossa existência, muitas vezes sem um porquê definido. É possível que Deus consiga driblar a nossa ânsia verbal só para nos conceder alguns momentos de contemplação que nos parecerão assustadores: o que fazer quando só estamos nós e a vida, bem substantiva? Nós, que somos ensinados a ocupar total e produtivamente o nosso tempo, nem sempre sabemos lidar com algum tempo livre inconveniente que venha a se chocar contra nós e exigir outra forma de pensamento que não a automatizada e bem traçada, segundo planos que nunca foram realmente nossos. Para quê tudo isso que nos cerca? O trabalho, o conhecimento, o relacionamento, a religião? Para quem? Deus espera na resposta. Há quem prefira dopar bem todos os sentidos com medo de arriscar responder. Há quem já esteja cansado demais e prefira simplesmente dormir. Há quem espere a resposta em outra vida, ignorando que a Graça nos alcança aqui. Mas há também quem reconheça a alegria de ter bons motivos – ainda que poucos – para celebrar, motivos que inspiram fidelidade, bondade, justiça, que elevam para as coisas que estão acima do sol. Há quem pare só para festejar esses motivos e abraça-los fortemente junto a um peito sem medo, sem vaidade, sem vão.

Um semana iluminada,

Luciana Teixeira

sábado, 20 de novembro de 2004

Ruminando

Se fizermos uma breve pesquisa perguntando às pessoas que animal elas gostariam de ser, vão aparecer muitas águias, leões, tigres, gaivotas, cães e peixes até. Mas não aparecerão muitos quadrúpedes. No máximo um cavalo, que denota força bruta e liberdade, mas ninguém que queira evidenciar sua inteligência o escolherá. Temos uma idéia má dos quadrúpedes, que normalmente aparecem em xingamentos e ironias. E embora eles sejam os únicos animais que aparecem na Lei de Deus (Êxodo 20:17), no nascimento de Jesus (Lucas 2:7), e sejam constantemente citados na Bíblia como sinônimo de fartura e status (Provérbios 14:4), os cristãos também não gostamos de nos parecer com eles. Por quê? Por que são burros? O burro virou sinônimo de falta de inteligência, mas que tipo de teste de QI fizeram com ele para saber disso? Acredito que ele ficou assim caracterizado porque é um animal domesticável, pacífico e submisso, como a maioria dos quadrúpedes que conhecemos. Eles são animais mansos, que se deixam conduzir. E aí está seu problema: um animal esperto – como nós – não se deixaria conduzir, mas escolheria o caminho que julgasse melhor.

Rubem Alves, em uma de suas boas crônicas¹, confessa que também não era muito afeito a vacas. Mas de repente percebeu que elas, com sua lentidão irritante teimando em existir neste século de velocidade e urgência, têm uma espécie de sabedoria que as permitiu sobreviver através dos milênios, coisa que animais mais ágeis e belos não conseguiram.

Repare em Jesus quando estava para ser aclamado como Rei por seus discípulos ao entrar em Jerusalém (Lucas 19: 28-40). Um rei conquistador teria feito sua entrada triunfal montado num cavalo, ele porém escolheu o mais manso dos quadrúpedes, um jumentinho, para dar a entender que seu reino era de paz. E quando uma multidão de gente injustiçada, cansada, magoada e ansiosa o ouvia, ele disse: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mateus 11:29). Cristo poderia ter pedido que eles aprendessem a ser espertos, corajosos, fortes, poderia ter querido ensinar suas mais admiráveis habilidades, mas pôs em evidência a mansidão. Mansos? Já ouvimos por aí que quem é manso acaba por ser montado por alguém. “Não seja burro”, é a ordem do dia, “Reaja!”, “Dê o troco!”, “Não engula desaforo”, “Procure levar a melhor”.

Recentemente participei de um curso, e uma das atividades era simular uma negociação para aplicar os princípios que havíamos aprendido. E o colega que negociou comigo utilizou de todas as táticas – lícitas e ilícitas – para conseguir o máximo de vantagem possível. De fato, de todos os grupos, eu fui a que conseguiu o pior resultado. Embora eu não esperasse algo diferente disso por causa da minha extrema imperícia para assuntos comerciais, fiquei chateada ao descobrir como eu tinha sido manipulada de forma desleal (essas coisas que descobrimos todos os dias). E acabei por comentar com a esposa do meu colega que ele havia sido um espertalhão, passou por cima de todos os princípios éticos que aprendemos só pra obter vantagem, foi astuto, enganador e dissimulado. Então recebi uma resposta mais surpreendente que o comportamento do meu colega. Sua esposa disse: “Pois é, ele aprendeu comigo!”. Ela considerou minha perplexidade um elogio.

Estamos num mundo em que o que interessa é o melhor resultado, mas a Bíblia diz que “se alguém quiser demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa” (Mateus 5:40). Estamos num mundo em que manso e pacífico são adjetivos dados a ruminantes, mas a Bíblia diz que “os mansos herdarão a Terra” (Mateus 5:5) e “terão descanso para a alma” (Mateus 11:29). Estamos num mundo em que a justiça é manipulada para servir aos mais fortes, e honestidade não é mais uma arma para ser um homem bem-sucedido e respeitado, mas a Bíblia diz “calçai os vossos pés com o evangelho da paz” (Efésios 6:15). Estamos num mundo mau, que se preocupa com o imediato, mas a Bíblia nos dá a perspectiva de um mundo melhor e nos apresenta o panorama de uma eternidade. E quem deseja viver esse mundo que a Bíblia prega, quase nunca vai ser considerado muito esperto. “Como está escrito: por amor de ti somos entregues à morte o dia todo; fomos considerados como ovelhas para o matadouro”. Mais uma vez quadrúpedes? Sim, ovelhas. E se não formos ovelhas, jamais sentiremos o carinho confortável dos braços do Bom Pastor. Mansos, que se deixam conduzir por um ideal mais alto de Justiça. Humilhados, injustiçados, perseguidos, ridicularizados, por vezes, “mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por Aquele que nos amou.” (Romanos 8: 36,37)

Uma semana iluminada,

Luciana Teixeira

¹Alves, Rubem. Concerto para Corpo e Alma. 10 ed. São Paulo: Papirus, 2003. “Sabedoria Bovina”, p. 149-153.

domingo, 7 de novembro de 2004

Interceder - porque Deus quer conceder

Essa história é do tempo em que a primeira coisa que os filhos faziam ao acordar era pedir a bênção aos pais. E não apenas isso: pediam a bênção a tios, padrinhos e qualquer pessoa mais velha em sinal de respeito, mesmo sem saber exatamente o que isso significava. Do tempo em que as pessoas sentiam prazer em “dar a bênção”. Do tempo também em que não se comprava aspirina em supermercados, e o melhor remédio era uma oração. E olha que não faz tanto tempo assim.

Eu tinha constantes crises de enxaqueca quando era criança. Elas eram tão fortes e desesperadoras que eu ficava prostrada. Então meu pai, quando chegava do trabalho, sentava ao meu lado na cama, colocava as mãos sobre minha cabeça, e enquanto a afagava fazia uma oração. Lembro que a enxaqueca sempre passava, e eu considerava isso a coisa mais normal do mundo. Tanto quanto hoje as pessoas acham normal ver a dor ir embora depois de tomar uma aspirina. Essa foi minha primeira lembrança de intercessão.

Depois disso o conhecimento de Cristo me fez aprender a interceder também. Primeiro pelos mais próximos. Depois o culto das quartas-feiras na igreja tornou a oração intercessória uma necessidade. Algum tempo depois descobri como era bom escolher alguém por quem orar no ônibus, enquanto eu ia para a faculdade, além de ser uma ótima forma de passar o tempo já que nunca consegui ler ou conversar no ônibus sem ficar enjoada. Escolhia alguém aleatoriamente e percorria todos os aspectos da sua vida em uma oração sem pressa. Há pouco tempo, resolvi fazer um caderno para anotar pedidos por minhas necessidades e a dos outros também, sendo que essas últimas ocupam o maior espaço nas páginas. Todos os dias eu lembro de alguém que deveria estar listado no nosso caderno de orações. E sabe o que aconteceu comigo depois que deixei a oração intercessória ocupar mais e mais lugar na minha vida espiritual? Bem, não aconteceu nada! Pelo menos nada que se compare a um feito mosaico ou apocalíptico. E isso é que de melhor poderia ter me acontecido.

É certo e conhecido que a sorte de Jó foi mudada enquanto ele orava por seus amigos (Jó 42:10). Mas a oração intercessória é maravilhosa exatamente porque dela não esperamos nada para nós mesmos. Tiramos tempo para pensar no próximo ao invés de nos nossos próprios problemas. Concentramos o que há de melhor em nós numa atividade para o outro. Aprendemos a buscar o poder de Deus de forma desinteressada e nossa percepção da atuação divina cresce significativamente (II Reis 6: 17). Dessa forma nos aproximamos mais firme e rapidamente do caráter de Jesus. Sim, porque a mesma Bíblia que diz “Muito pode, em sua eficácia, a súplica de um justo” (Tiago 5:16), também diz “não há um justo sequer” (Romanos 3:10). A oração, na medida em que nos aproxima de Jesus, ativa em nós o processo de justificação pela fé, e nos faz dignos de chegarmos confiantemente ao trono da Graça (Êxodo 32: 11 e 14, Hebreus 4:16). Entendemos por isso que Deus tem limites, mas somos nós quem ditamos esses limites através da nossas escolhas: a oração interecessória “dá uma segunda chance” a Deus, de modo que Ele possa colocar a vida de Seus filhos no Seu plano original para elas. Por fim, esse tipo de oração concede respostas que não poderiam vir de outra forma: “Faz parte do plano de Deus conceder-nos, em resposta à oração de fé, aquilo que Ele não outorgaria se o não pedíssemos assim.” (Ellen White, O Grande Conflito, p. 525)

Desejo que nesta semana busquemos a Deus através da oração intercessória. E que essa seja uma prioridade no nosso ideal de aprofundarmos nossa comunhão com Ele. Eu poderia contar algumas boas histórias de pessoas que ouviram a resposta de Deus quando alguém orou por elas, mas prefiro que deixemos Deus compor testemunhos sublimes em nossas próprias vidas.

Uma semana iluminada,

Luciana

Obs.: um amigo certa vez me disse que os cristãos vivem sua religião da mesma forma como os animais são adestrados: através do medo de punição e da ânsia por recompensa. A oração intercessória é o argumento mais forte contra esse pensamento, já que se baseia pura e simplesmente no amor, o qual lança fora o medo e se centra no próximo.

domingo, 31 de outubro de 2004

Outubro

Desde algum tempo eu tenho parado para refletir, em cada final de mês, sobre as coisas mais importantes que ele me trouxe. E costumo me recordar de fatos marcantes, o que sempre é motivo para louvar a Deus por seu amor grandioso. Mas desde a semana passada não encontro algo no mês de outubro que me fale particularmente à alma. Nenhuma lembrança em especial, nada digno de nota. E isso me preocupou! Resolvi então conferir os dias comemorativos. Dia das crianças? Meus pais me educaram de modo a percebe-lo como simples apelo comercial. Eleições? A política só me interessa como ciência. Aniversários? Dizem respeito aos aniversariantes apenas. Fui então a um site americano e descobri outras datas comemorativas interessantes. O dia 29, por exemplo, é o dia do Frankenstein. Dia 13 comemora-se o dia de trazer seu ursinho de pelúcia para o trabalho. Mas o que mais me chamou atenção foi o dia doze: o dia internacional do momento de gritar a sua frustração.

Com esse último eu me identifiquei logo, já que depois de tanta pesquisa não consegui achar ainda algo especial para falar sobre o mês de outubro. E descobri que esta frustração mesma pode ser a marca de outubro. É neste mês que a gente começa a se dar conta que o ano está acabando (já??!!), e que aquela lista de sonhos e resoluções de ano novo ainda está longe de ser totalmente cumprida. Se esta também é sua relação com outubro gostaria de lhe propor que criemos, nós mesmos, nossos dias comemorativos para outubro. Eles não vão necessariamente te fazer folgar no trabalho ou ganhar presentes, mas podem assumir o mesmo significado bíblico das celebrações: lembrar de Deus.

Podemos fazer isso de muitas maneiras. Pode-se, por exemplo, instituir o dia de levar flores para a amada, e lembrar como Deus dirigiu seu caminho até ela. Ou criar o dia de fazer cafuné do seu amado, e aproveitar pra contar a ele como Deus tem o usado para faze-la crescer em muitos sentidos. A sua criatividade é que fará outubro, novembro ou dezembro meses realmente especiais. Pode ser através do dia de levar os filhos para o seu trabalho (eu adorava quando meu pai fazia isso!), dia de cumprir uma promessa, dia de dizer a cinco pessoas que vocês as ama, dia de se dar um presente, dia de lavar as meias do seu cônjuge, dia de visitar um velho amigo, dia de encontrar dez características boas na sua igreja. A única regra é que em tudo você possa lembrar de uma faceta do amor de Deus por você.

Na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, encontramos o povo de Deus comemorando muitas datas especiais. Havia festas, como a da Colheita, da páscoa, dos tabernáculos, da lua nova, das trombetas, dos pães asmos. Havia o Dia da Expiação, o Purim, alguns sábados separados. E eles ainda construíam altares e memoriais por diversos lugares onde tinham sentido a atuação de Deus. O cerne de todos esses rituais era relembrar ações específicas do Senhor, e assim fortificar seu relacionamento com Ele para manter uma perspectiva correta de vida (Êxodo 12:14). Recordar quem é o Deus em quem temos crido e o que Ele tem feito em nossas vidas é uma atividade curativa, transformadora, de conversão. Qualquer dia em que paremos para agradecer ao nosso Criador e Mantenedor por sua misericórdia, e pela maneira como tem nos guiado e instruído ao longo da vida, é um dia especial, digno de nota, motivo para memória, pretexto pra festa (Filipenses 2:1 e 2). Dessa forma, todos os dias, todas as pessoas, lugares e situações acabarão por nos falar muito ao espírito, e em tudo dirão que Deus é amor.

Uma semana iluminada!
Luciana

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Uma conversa sobre árvores

Antes de falecer, minha sogra plantou um pé de jambo no jardim. E desde que compreendi que iria morar na casa que foi dela, o pé de jambo me pareceu uma das suas melhores idéias. Depois que ela se foi cobriram tudo de cimento, as plantinhas que ela tanto amava foram desaparecendo aos poucos. Mas o pé de jambo, por causa da copa frondosa que refresca a casa, foi poupado da praticidade urbana, que põe tijolo, lajota, telha e alvenaria em cada centímetro de espaço habitável (?). Plantei umas flores bem simples embaixo do pé de jambo, só para colorir mais aquele cinza todo, e me resignei esperando o momento de poder aumentar o jardim. Enquanto isso, eu e meu marido deitamos e ficamos olhando pela janela do quarto para a copa da grande árvore tendo o céu como pano de fundo azul, procurando ninhos nos galhos, vendo vôos de passarinhos e imaginando vôos da gente, fingindo estar deitados num gramado a perder de vista, sentindo a mesma brisa que balança suas folhas embalar-nos também.

Acontece que há algumas semanas as folhas do pé de jambo começaram a cair de uma forma anormal. Tomei um susto ao perceber que elas todas estavam amarelando e ao menor toque do vento vinham ao chão aos montes. Quando eu terminava de varrer, já haviam centenas caídas novamente. Os galhos entristecidos não me deixaram dúvidas: “o pé de jambo está morrendo!”. Fiquei atônita, e regava, adubava sem obter resultado. As folhas formavam um tapete denso a despeito de todos os meus esforços. Só meu marido parecia alheio, guardando um conhecimento que o fazia sorrir superior. “Mas está morrendo!!”, eu insistia. Para ao final descobrir que o pé de jambo estava apenas passando por sua “desfolhagem” anual, uma época em que todas as folhas caem para dar lugar a novas e mais verdes folhas, a suculentos e estonteantes frutos. Não, o pé de jambo não morria, ao contrário, ele estava pronto para anunciar com mais força a vida!

As árvores costumam dar esse tipo de lição em quem não as conhece bem. Quem passa uma vez pela caatinga nordestina em época de seca nem pode imaginar a paisagem verde-vivificante que brota do nada na primeira chuvinha. Olhando a grama seca de Brasília, nenhum passante pode prever que ela renascerá à volta da umidade. Até minha mãe, mais acostumada aos segredos do verde, levou lições de um pé de graviola que cresceu em seu quintal. Todos os anos uma praga de besouros cobria os galhos do pé de graviola de larvas brancas e pegajosas, que não faziam mal nenhum além de enfeiarem a planta, mas minha mãe, com medo que elas contaminassem as outras fruteiras, podava a árvore infectada até deixar-lhe o tronco nu. A gente olhava com pena, lamentando a morte do pé de graviola... mas dentro em pouco aparecia uma folhinha, e mais outra, e ele renascia vigoroso, insistente e com um risinho farfalhante.

Nem todo mundo entende a sabedoria da vida que há nas árvores. E há quem as ache até incômodas, podam, cortam, eliminam, cobrem tudo com concreto e dizem que é melhor assim. Mas as árvores resistem, desafiam à poda, renascem, renovam-se; vivem ainda. Por isso Aquele que mais entende de vida deixou para nós algo da sabedoria das árvores. O evangelho de Lucas 13: 6 – 9 registra a seguinte parábola: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha; e indo procurar fruto nela, e não o achou. Disse então ao viticultor: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; para que ocupa ela ainda a terra inutilmente? Respondeu-lhe ele: Senhor, deixa-a este ano ainda, até que eu cave em derredor, e lhe deite estrume; e se no futuro der fruto, bem; mas, se não, cortá-la-ás.”

E aí vemos explícita a primeira e afável verdade: Cristo nunca desiste de nós. Nós sim, estamos acostumados a cortar de pronto tudo que já não nos seja estritamente conveniente. Fazemos isso com árvores, com roupas, com papéis, com lembranças, com sentimentos, com amigos, até mesmo com irmãos, até com nosso bom Pai celestial. Tudo é descartável. O amor humano parece seguir a mesma seletividade da memória, que só guarda aquilo que lhe aprouve julgar útil e imediato. Felizmente Deus não é assim, e mesmo quando todos ao redor desistem de nós, mesmo quando nós mesmos achamos já não haver uma réstia de sentido para continuar, para acreditar nEle, Ele continua acreditando em nós. Foi assim desde os primórdios, é assim até hoje. Um ser humano em que não se vêem frutos aparentes, aquele que não pode em dado momento servir aos que lhe rodeiam com o que querem dele, logo faz nascer a sentença: “por que ocupa a terra inutilmente? Vamos corta-lo, tira-lo de nosso convívio, afasta-lo de nossa visão. Já nos ocupamos tanto tempo dele sem que conseguíssemos usufruir algo! Em breve morrerá mesmo. As pragas hão de cair sobre ele e se não o cortarmos há de contaminar outros...”. O paladar não lembra mais o gosto doce dos frutos colhidos na figueira há alguns verões atrás. Então poda! Corta! Destrói! Elimina! Não serve mais!

Deus se aproxima com o cuidado de quem entende todos os potenciais de vida. Chega com o cuidado necessário: “Deixe que eu limpe, alimente, fortifique, deixe que eu trabalhe nessa vida para que ela volte a produzir os frutos do Espírito”. Não se trata apenas de dar mais uma chance, é se achegar decidido a amar, sem espaços para hipocrisia ou ganas de superioridade. Deus nos respeita ainda que estejamos todos tão longe de dar-Lhe o que pede de nós: “o coração” (Provérbios 23:26). Onde o mundo inteiro vê inúteis galhos secos, desfolhados, cobertos de praga, Ele vê a possibilidade pulsante de vida em abundância. Aposta nisso. E para tanto pode esperar um ou quantos anos for preciso, sempre cuidando, sempre dando o mais desinteressado amor. “Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que não cessem os seus renovos. Ainda que envelheça a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no pó,
contudo ao cheiro das águas brotará, e lançará ramos como uma planta nova.” Jô 7: 7 –9.

Nesse ponto meu peito pesa tanto que preciso confessar-lhes algo: que hoje escrevo para não chorar. Este breve momento de parar para pensar no amor de Deus me conforta, faz minha revolta amenizar. Então escrevo e ouço Dvorák (Sinfonia do Novo Mundo) para não chorar ante a velha mas sempre surpreendente maldade humana, de paixões que exigem sangue e sacrifício, heróis de plástico para sustentar o medo, essas paixões humanas que a tudo dispensam com facilidade desde que continuem embriagando com a lascívia do poder. Para tanto sempre haverá um bode expiatório e um bode “exultório”, diria Millôr. E Brecht completaria: “Que tempos são estes, em que uma conversa sobre árvores é quase um crime, porque inclui um silêncio sobre tanta maldade"? Quem sou eu, tão má e pecadora, para me espantar com a injustiça e falar de sabedoria? Quem sou eu, no meio de tantos que gritam pelo Deus de Justiça, que lhes fale do Deus de amor, que passou por cima do nosso conceito paupérrimo de justiça para nos tornar justos? Quem sou eu para dizer que o Deus da Justiça já nos teria cortado a todos da face da Terra?

Sei apenas que sou filha de um Deus em que vale a pena confiar. E todo aquele que dEle se achegar jamais será lançado fora (João 6:37) (Romanos 8:33-39). “Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará.” (Salmo 1:3)

Uma semana iluminada,

Luciana

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

Deixa eu dizer uma coisa...

Não foi uma vez só que eu e meu marido, recém-casados, fomos interpelados por alguém que atentava para alguma demonstração de carinho de nossa parte e dizia: “Ah, mas deixa eu dizer uma coisa: isso é apenas agora! Aproveitem, que daqui a uns anos a coisa vai ser bem diferente!”. A primeira vez que ouvimos isso foi duas semanas após nosso casamento, na frente do pastor, que ficou visivelmente constrangido e tentou consertar a frase como pôde. Nós sorrimos amarelo e deixamos estar. Depois ouvimos a frase se repetir ainda outras vezes, de outras formas, por várias pessoas, mas com a mesma conotação, e em todas as vezes nós simplesmente sorrimos amarelo e deixamos estar. Mas agora resolvi me dirigir às pessoas que verdadeiramente pensam assim com mais do que um simples sorriso amarelo e dizer: deixem estar vocês também! E que Deus aponte o futuro de cada um de nós!

Alguém pode argumentar que foi apenas uma brincadeira, que esse é o tipo de frase que todo mundo gosta de dizer aos recém-casados (como a indefectível “quando virá o herdeiro?”). Mas não é brincadeira que a maior taxa de divórcios atualmente ocorre durante os primeiros dois anos e meio após o casamento. Não é brincadeira a dor de muita gente que vê seu casamento se desintegrar nesses primeiros dois a três anos, após experimentar uma terrível sensação de vazio, solidão, dúvidas e frustração. Não é brincadeira também a quantidade de casais que depois de muito tempo juntos não partilham mais nenhum tipo de carinho ou afeição, e vivem apenas como pessoas que moram juntas por motivos práticos.

Eu não levo jeito para conselheira matrimonial e não é minha intenção aqui apontar causas e remédios para esses males, mas analisar a maldade embutida em frases aparentemente sem importância que dirigimos às pessoas no dia-a-dia. Não apenas aos recém-casados, mas a todos com que nos relacionamos de forma íntima ou não. Uma “brincadeira”, um xingamento, uma palavra desencorajadora pode provocar tamanho mal que nenhuma outra palavra poderá reparar. Elas saem despercebidas e às vezes constituem um vício pernicioso, que acaba por amaldiçoar a vida de alguém. “Você não vai conseguir”, “Você vai acabar fazendo besteira”, “Você não faz nada direito!”, “Você é igual a todos (as) os (as) outros (as)!”, “Você é desastrado, dirige mal, é muito chato, ridículo, incapaz, medroso, inseguro, inútil, sem atitude, besta, burro!” e uma infinidade de outros exemplos mais ou menos inflamados. Às vezes despejam o veneno a conta-gotas, todo dia uma depreciação. Às vezes vem tudo de uma vez, em momentos de raiva. E quase sempre as palavras mais desanimadoras são atiradas contra as pessoas que mais precisam do nosso amor.

O que é pior é que algumas dessas palavras são ouvidas e guardadas, justamente porque representamos algo para quem as ouve. São filhos que acabam por cumprir as palavras dos pais e tornam-se irresponsáveis e infelizes. São amigos que acabam por aceitar que são mesmo um caso perdido. São homens e mulheres que se acostumam com uma péssima imagem de si mesmos. São casais que na primeira crise concluem que o amor mais cedo ou mais tarde vai acabar “como acontece com todos”. São filhos de Deus que são tratados da forma oposta como ensinou esse Deus: “Todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem disser a seu irmão, `raca!´, estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe disser: tolo, estará sujeito ao fogo da Gehenna.” (Mateus 5: 22).

No versículo acima, Jesus aprofundou um preceito conhecido por aqueles que o ouviam naquela época. A lei judaica, com que os escribas e fariseus estavam bastante habituados, parecia ter sanções específicas para o insulto “raca”, que em aramaico significa “cabeça vazia”, e era usado como um termo de degradação. Jesus mostrou que qualquer tipo de insulto, mesmo aqueles não punidos pela lei (tolo = moros, do grego, pode ser entendido também como rebelde), são considerados uma ofensa grave porque depreciam a mais perfeita obra da criação de Deus, que é o próprio ser humano. Perceba que no verso 21, Ele começou citando o mandamento “não matarás”, como querendo deixar subentendido que o sentimento que leva alguém a assassinar seu irmão é da mesma natureza daquele que leva alguém a amaldiçoar seu irmão com palavras depreciativas. E Deus dá a esses o mesmo tratamento: o fogo da Gehenna, símbolo do juízo de Deus e figura bastante conhecida do povo naquela época porque aludia ao vale de Hinom, que era um depósito, fora da cidade, de toda espécie de imundície, onde o fogo a tudo destruía. A mensagem era: se você diz uma palavra má contra seu irmão, deve temer mais que a justiça humana, deve temer a justiça dAquele que criou o ser humano.

Por isso embora a maioria de nós tenhamos sido (mal) educados para expressar nossa ira com facilidade através de palavras que tem o único objetivo de ferir, a proposta bíblica nos orienta a focarmos “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor” (Filipenses 4:8). E aconselha mais: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim, unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim, transmita graça aos que ouvem para que não entristeçais o Espírito de Deus, no qual foste selados para o dia da redenção.” (Efésios 4:29). “A língua é fogo, é mundo de iniqüidade ... com ela bendizemos ao Senhor e Pai, também com ela amaldiçoamos os homens feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que seja assim. Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?” (Tiago 3: 6 – 11).

Hoje Deus está colocando novamente diante de nós a bênção e a maldição (Deuteronômio 11:26). Nossa boca irá falar daquilo que o nosso coração escolheu. O que temos a oferecer às pessoas ao nosso redor, que já levam seus pesados fardo de cansaço, desânimo e desesperança? Que palavras queremos que fiquem gravadas no coração de quem precisa do nosso amor? O que desejamos para aqueles que ousam sonhar com um futuro bom, amável, feliz? Eu particularmente gostaria de deixar que eles realizem seus sonhos de amor, sucesso e vitória, sem olhar para fracassos que os cercam, ainda que esse fracasso seja o meu. Porque eu sei que, como filhos de Deus, todos nós nascemos para ser mais que vencedores, e temos do Senhor do Universo o tratamento mais especial que alguém poderia ter (I Pedro 2:9). Porque haveriam os filhos de Deus de ouvir as palavras de maldição de quem ainda não compreendeu o poder de seu Pai?

“Deus o abençoe”, seja a frase colocada na ponta da língua, mesmo quando alguém nos pise a ponta do pé. “Deus o abençoe”, seja a frase pronta e sincera para qualquer ocasião. “Deus o abençoe”, sejam minhas palavras seja qual for o meu ânimo ou o do meu irmão, “Deus o abençoe” seja a nota indelével que o mundo escute dos cristãos (Tiago 1:26, 27).

Uma semana iluminada!

Luciana

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

E recebereis poder

Quem a conhece, pequena e doce, não imagina de pronto a vitalidade e alegria de que aquela senhora é capaz. Quem passa em frente a sua casa e a vê regando seus vasinhos enquanto cantarola feliz, não imagina que todo aquele quarteirão cheio das mais belas plantas foi todo plantado e cuidado por ela. O verde-vivificador já não cabia só em seu mundinho doméstico, e ela o levou para a rua, para frente de outras casas, da escola, transbordou vida ao que lhe rodeava. É possível que a princípio as pessoas só achassem estranho. Mas com o tempo começaram a gostar dela, a lhe agradecer, a lhe prestar homenagens, e dia até chegou que uma equipe de reportagem chegou por ali para entrevista-la. Então as pessoas prestavam atenção em suas plantinhas? Logo que percebeu isso arranjou folhetos bonitos com mensagens cristãs, embalou-os cuidadosamente em plásticos e distribuiu-os por entre seus vasos de plantas. Quem passa hoje por sua rua pode descansar à sombra de uma árvore que ela plantou e ler tranqüilamente a respeito da esperança e alegria que moram no seu coração. Sem pensar muito, sairá dali levando muito dessa alegria e esperança no peito.

Como Deus é forte na simplicidade! E como a simplicidade é criativa, cheia dos mais belos discursos de Deus! Por isso quando pensei em escrever sobre bondade, foi o exemplo dessa irmãzinha que me veio à mente. Vocês devem conhecer outras mulheres e homens com histórias de feitos mais abnegados, mais extraordinários, mais sacrificais até. Eu pensei nela porque ser simples é uma das formas mais difíceis de ser bom. Por isso requer mais poder, logo, as pessoas simples são as mais poderosas.

Lógica difícil de compor neste mundo onde “poder” é uma palavra que soa altiva, entronizada, cheia de dinheiro, bens, status, autoridade para mandos e desmandos. O poder ordinário, esse mesmo que nos ensinam a busca desde cedo, faz com que muita gente sacrifique sua vida e a vida dos que o rodeiam em nome da volátil sensação de ser um pouco melhor que os outros. Família, profissão, religião e aparência são distorcidos, em nome desse poder, a meros instrumentos para conquistar mais poder ou mostrá-lo bem luminoso a todos os passantes. Restam então seres consumidos pela vontade de poder, ao invés de seres sedentos da pura e simples vontade de viver. E infelizmente não me refiro apenas a Hitlers, Bushs, ou ao seu chefe. Falo de nós também que em maior ou menor grau acabamos sacrificando os mais belos e sagrados aspectos da vida por causa de uma ânsia pouco acima do estômago que julgamos nos empurrar para cima, mas ao fim só nos aproxima mais rápido do pó.

Não erramos em pensar que o poder nos faz mais fortes. Erramos em perseguir o tipo de poder errado. Porque há o poder que faz um homem mandar em muitos outros e conseguir o que quiser. Mas há o poder de Deus, o poder da fé, o poder da oração, o poder da humildade, o poder do louvor, e entre todos os poderes que nos elevam de fato, aquele que julgo mais difícil de alcançar e, por isso mesmo, o poder que nos faz mais fortes: o poder de ser bom. Com simplicidade, o que o faz a bondade mais verdadeira, menos exibida. E é esse poder, de olhar o outro como merecedor do meu amor e atenção em detrimento das minhas próprias mazelas, dos meus míopes interesses, é esse poder que nos faz limpos de coração, que nos faz ver a Deus (Mateus 5:8) e um sentido mais nobre em nossas vidas, que nos faz enxergar enfim o nosso irmão (mesmo os que a pobreza tornou mais invisíveis) e amá-lo do jeito certo, e torna-lo meta em nossas vidas. É esse poder que desejo que busquemos todos os dias para chegarmos a ser tão grandes e fortes a ponto de sermos simples como os que vêem a Deus: os que escondem o Eu sob as asas do Altíssimo e vivem aqui para servir.

Um sábado feliz!

Luciana

sábado, 2 de outubro de 2004

Setembro

“Feliz o que venha a conhecer o que estou sentindo. É algo simplesmente maravilhoso em toda a amplitude da palavra.”

Frase que eu tirei do meu diário do ano de 1994, mais precisamente do dia 24 de setembro. E o que era esse deslumbramento que eu sentia? Embora as palavras lembrassem os arroubos típicos das adolescentes de 14 anos, não se tratava de uma paixonite. Era o sentimento mais profundo e nobre que eu experimentara até então. Que eu já experimentei até hoje. No entanto um sentimento sutil, de quem descobriu uma beleza escondida no já visto dez mil vezes antes. Sabe a beleza que nos passa rotineiramente despercebida e de repente desponta fulgurante, pululante bem na frente dos nossos olhos até pouco incrédulos? Esse tipo de beleza que é fácil apreender ao crepúsculo.

Pois foi assim. Como descreve Cecília Meireles em uma de suas crônicas¹: “Tudo palpita ao redor de nós, e é como um dever de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa infinidade de formas naturais e artificiais que encerram seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências. A rosa que se despede de si mesma (...), tudo é um mundo que não se impõe com violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso respeito; que espera que o descubramos, sem se anunciar nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da sua presença um anúncio exigente. Mas, concentrado em sua essência, só se revela quando os nossos sentidos estão aptos para o descobrirem”.

E o que tem a ver a frase de um diário adolescente com a constatação de Cecília? Elas têm em comum Setembro. Cujo ápice, anunciado em todos os jornais e floriculturas, é a chegada da Primavera. Um nordestino não pode entender bem a primavera em sua terra, posto que conhece de clima só chuva, sol e um ventinho gostoso. E assim eu fiquei, platônica, anos a fio, vendo a primavera nas figuras de lugares distantes e na salada de frutas (!) que serviam todo ano na escola pra comemorar a estação incógnita. Flores? Só as roseiras da minha mãe, e elas botavam o ano inteiro. Mais tarde entrevi quase um perfume nas descrições de escritores, pintores e poetas. Mas foi só naquele setembro de 1994 que descobri a primavera aplicando meus sentidos às rosas.

Elas estavam postas ao lado de samambaias, simples e carinhosamente arranjadas de modo a aludir à estação das flores. De fundo uma paisagem pintada e um tanque cheio de água onde um homem de preto me sorria ternamente. Ao entrar naquela água gelada, observando as flores ao meu redor, eu compus a minha primavera, aquela cuja impressão jamais saiu do meu peito. Um quadro de Beleza e Vida que supera qualquer descrição. A minha primavera chegou plena quando conheci Jesus. E ficou cá dentro indelével e permanente, a Rosa de Sarom com perfume de eternidade.

Ao longo destes meus dez anos de fé cristã adventista ainda tenho encontrado irmãos que não viram a minha paisagem primaveril. Que não compreendem – eu os entendo, há mais para aceitar que para compreender! – o motivo que me fez desabrochar para a vida espiritual com a Pessoa de Cristo. Lembro bem de um sábado, nosso grupo debatendo o dom gratuito de Deus, que é a salvação, e um jovem adventista “de berço” levantou a voz com ira em nosso meio: “É impossível! O cristão tem que ser irrepreensível, tem que fazer o que é certo, não pode errar, e é isso que o habilita para ser aceito por Deus.” Mas se o Evangelho dissesse mesmo isso, quais seriam as boas-novas? O que me teria feito vestir aquela bata branca tão desajeitada para professar publicamente que eu amava a Cristo mais que tudo nessa vida? Naquela data eu já conhecia alguns invernos de solidão, medo, culpa, desejo desesperado de ser aceita e incapacidade comprovada de fazer o bem que queria. Minhas esperanças caíam uma a uma como folhas de outono (daqueles americanos, é verdade). Eu sabia que as coisas só funcionavam se déssemos algo em troca, muitas vezes algo que nunca mais poderíamos recuperar. Já entendia a maldade e egoísmo inerentes à frágil condição humana, a perspectiva do pó que acenava num imenso vazio interior. E o que seria para mim Cristo, se não a negação de todos esses sentimentos, ou antes, a afirmação de uma realidade infinitamente mais bela, mais alta, mais nobre e perfeita? O que me surpreenderia nessa beleza senão o único dever de aplicar a ela todos os meus sentidos e a minha vontade de conhece-la, como diria Cecília? Como Seu amor me atrairia, se não pela certeza que era amor dado de graça, “semeado no vento”, amor que não precisa de trocas, que não tem falhas e oscilações como o amor humano. O que eu achei na Pessoa de Cristo que não seja a mais perfeita forma de amar uma pessoa imperfeita?

Num dos livros que li em 1994 e que mais me tocaram na minha experiência cristã, o “95 teses de justificação pela f锲, o primeiro capítulo resume algum dos credos que sempre me aparecem primaveris quando o tempo quer fazer-se nublado. Dizem elas:
1 - O cristão faz o que é certo por ser cristão, nunca a fim de sê-lo.
2 - Justiça = Jesus. Não temos justiça à parte dEle.
3 - A única maneira de buscar justificação, é procurar a Jesus.
4 – Cristianismo e salvação não se baseiam no que você faz, mas em quem você conhece.
5 - Fazer o certo por não praticar o errado não é agir certo. Ser bom por não ser mau não é ser bom.
6 - A justificação tornará você moral, mas moralidade não tornará você justo.
7 - Nossas boas obras não causam nossa salvação. Nossas más obras não causam nossa perdição.

Relacionamento de fé, é a essa a primavera que tenho levado comigo por muitos setembros. Uma primavera de flor que não murcha, de fonte que não seca, de mão que não se aparta, de luz que enche tudo a despeito do tão pouco que sou.

Feliz Sábado!

Luciana


¹Escolha o seu sonho. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 1964. p. 30-32

² VENDEN, Morris L. 95 Teses de Justificação pela Fé. 2 ed. CASA Publicadora: São Paulo, 1990. Tradução do querido professor Azenilto.

sexta-feira, 24 de setembro de 2004

"Mas uns mais iguais que os outros..."

Sábado está chegando e já começamos a nos preparar. Muitos de nós irão vestir sua melhor roupa, calçar sapatos bonitos, colocar perfume e caprichar no sorriso quando chegar na igreja. “Feliz Sábado!”, diremos com o semblante alegre. E nos sentaremos ao lado de pessoas que vestiram suas melhores roupas, calçaram sapatos bonitos, colocaram perfumes e nos sorriem desejando feliz sábado. Durante a escola sabatina iremos para as nossas classes: adultos, jovens, adolescentes, crianças, cada qual no seu grupo semelhante. Estudaremos doutrinas que professamos crer como igreja, que nos une num mesmo pensamento, objetivo e comportamento. Cantaremos em uníssono nossa fé igual e ao final do culto iremos para casa, ainda sorrindo na despedida.

No sábado, mais que em outros dias de culto, parecemos mesmo todos iguais. Isso é maravilhoso! Ainda mais se além de iguais, estivermos unidos. Se a nossa semelhança implicar também na sensibilidade para as diferenças. Pois eu posso facilmente ter ao meu lado um irmão muito parecido comigo religiosamente, mas com uma vida emocional, financeira, familiar ou espiritual bem diferente da minha. Pode ser que eu tenha que ir além do sorriso no rosto dele para perceber que ele precisa de bem mais que o meu cumprimento sorridente.

Você já deve ter lido na Bíblia a passagem de Mateus 25: 34 – 40 em que Jesus fala de um grupo de pessoas que perguntará por ocasião de Sua vinda: “Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?”, e Jesus responderá: “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes”. A fome, a sede, a necessidade de acolhimento, cuidado, proteção e esperança não estão somente “lá fora”. Entre nossos irmãos, mesmo aqueles que nos parecem estar vestindo tão bem a capa da semelhança, existem muitos precisando que alguém se importe em ajudar, em pelo menos chegar junto.

Eu fico muito triste observando como por vezes sentamos ao lado de alguém na igreja, e nem olhamos para o lado para ver quem é o nosso irmão que está ali. Mesmo que você não o conheça, não se trata de um desconhecido, é seu irmão! E enquanto você abre sua Bíblia indiferente pode ser que ele esteja precisando de uma manifestação de amor sincero. Eu fui batizada e freqüentei durante muito tempo igrejas pequenas, onde normalmente as pessoas vivem um sentimento familiar mais forte, e por vezes, em igrejas maiores, fui olhada com espanto pelo simples gesto de cumprimentar alguém do meu lado a quem eu não conhecia. Confesso que às vezes fico com medo de invadir o papel religioso-individual de alguém: chegar, sentar e olhar para o pregador, saudar os conhecidos com um cumprimento ir para casa. Mas isso me incomoda! E meu marido, que tem o hábito de cumprimentar todo mundo que vê pelas ruas (não, não é candidato a vereador), tem me ensinado mais do prazer de se importar com as pessoas.

É triste que numa comunidade religiosa que professa crer num Deus uno, aconteçam episódios como o que nos contou certo amigo. Num determinado congresso de jovens, o pregador pediu que todos virassem para o lado e cumprimentassem seus irmãos. Como nosso amigo era de outro estado, ele disse que ficou olhando para os lados, vendo os grupos de amigos e conhecidos se abraçarem enquanto ele permanecia esquecido no meio do auditório, sem que ninguém ali lhe estendesse a mão. “Eu nunca senti um senso de deslocamento tão forte”, desabafou. Então ele não era um irmão também só porque era desconhecido?

E isso não é o mais triste. Há mesmo muitos irmãos que nos são conhecidos por um sorriso de feliz sábado, mas cujas necessidades nos são totalmente ignoradas. Não creio que devamos catalogar a vida pessoal das pessoas da nossa igreja, mas podemos nos aproximar com gestos de amor sincero e desinteressado, nos mostrarmos dispostos a compreender, ajudar, ouvir, praticarmos a sensibilidade de Cristo para as necessidades do espírito humano, ou ao menos orarmos fervorosamente para alcançarmos esse dom. Para que no meio de iguais consigamos ser também unidos. Para que, iguais a Cristo, enxerguemos o caminho especial para cada alma, tenhamos algo de Cristo a dar àqueles a que chamamos de irmãos.

Então, feliz sábado!

Luciana

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Doce ignorancia (Ana Karenina)

Tia Maria tem um pequeno sítio que foi cenário de muitas aventuras em minha infância. Lá minha família se juntava de vez em quando, e era aquele mundaréu de tios, tias e primos se espalhando por todos os lados. Quando criança eu achava aquele lugar enorme, cheio de possibilidades e surpresas. Tinha uma mangueira secular repleta de frutas, um fosso com jacaré dentro, tartarugas perto do rio, uma pequena e misteriosa casa abandonada, uma carroça que nos levava pelo pomar e um caminhão que nos botava o maior medo. Mas nada foi mais mágico que encontrar o forno à lenha perto do pomar, com um caldeirão enorme de barro que era onde se fazia doce. O forno ainda estava quente pois minha tia o tinha usado há pouco. A colher de pau gigante nos tentava, e nós, aproveitando que as mães debulhavam feijão verde mais adiante, resolvemos fazer nosso próprio doce. Mas de que? As goiabas já haviam sido colhidas e as outras frutas ficavam longe. Alguém disse: “mamãe não vai gostar de saber que brincamos com fogo”, mas ninguém o ouviu. Sem frutas, resolvemos pegar as folhas da goiaba e colocar no caldeirão, o que rendeu uma calda transparente muito bonita. Alguém conseguiu pegar açúcar na cozinha e em breve tínhamos nosso próprio doce de folha de goiaba em calda. O gosto era o que menos importava frente à proeza, mas nós comemos. O que não conhecíamos na época eram as magníficas propriedades laxativas da folha da goiaba, o que ocasionou um congestionamento memorável nos banheiros da minha tia.

Eu lembrei desse episódio enquanto lia um trecho de Ana Karenine, de Tolstoi, onde o personagem Levine compreende a extensão da fé em Deus ao lembrar de uma cena semelhante, em que crianças brincavam de fazer doce e jogavam comida fora, ficando zangadas ao serem interrompidas por sua mãe, a qual tentava explicar-lhes porque não deviam fazer aquilo. As crianças permaneciam chateadas e céticas porque não entendiam que estavam destruindo a própria subsistência. “Tudo isso é muito bonito e bom, mas o que nos dão é assim tão precioso? É sempre o mesmo, hoje, como ontem, enquanto que é divertido fazer doces à vela e atirar leite na cara; é uma brincadeira nova e de nossa invenção”. E ele conclui:

“Não foi assim que nós fizemos, que eu também por meu turno fiz, querendo penetrar pelo raciocínio os segredos da natureza e da vida humana? Não é o que fazem os filósofos com suas teorias? Que se deixe as crianças procurarem por si próprias o seu sustento, e em lugar de fazerem brincadeiras morreriam de fome... que nos deixem, a nós, entregues às nossas idéias e às nossas paixões, sem o conhecimento do nosso Criador, sem o sentimento do bem e do mal moral!... Que resultados se obterão?Eu, cristão, educado na fé, cumulado de benefícios do cristianismo, vivendo desses benefícios sem ter consciência disso, e, como essas crianças, procurei destruir a essência da minha própria vida... Sim, a razão nada me ensinou; o que eu sei, foi-me dado, revelado...”

Comparo o pensamento de Levine, para quem o ensino da razão só pode levar a deduções lógicas, mas não ao sentido da vida, ao pensamento de muitos cristãos que tentam espremer Deus dentro de uma lógica. Alguns desses desenvolveram teorias que lhes satisfazem o intelecto enquanto os obriga a ignorar um ingrediente vital para o espírito: o conhecimento de Deus (Filipenses 3:8 – 11). Não o conhecimento que se adquire pela mera reflexão lógica, pois que lógica pode haver no amor? Como achar razão em viver para Deus ao invés de viver para a satisfação das próprias necessidades? Que Deus razoável é esse que entrega um Filho para morrer por pecadores que, em seu natural, ocupam-se de destruir aquilo que lhes é dado? E principalmente, que felicidade é essa que se acha em se submeter à Lei dEsse Deus?

Como percebeu o personagem de Tolstoi, a compreensão da fé e da felicidade em Deus não é para quem raciocina em busca de uma resposta, mas é para quem procura a paz. A partir disso, pode-se compreender a necessidade que temos dEsse Deus e de viver o cristianismo tal como Ele requer. Se assim não for, caímos inevitavelmente na tentação de raciocinar Deus com nossa mente finita em busca de uma espécie de glória própria: “mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor...” (Jeremias 9:24). Uma das teorias que resultam desse esforço vão é o antinomismo, que nega a necessidade da Lei de Deus na vida dos cristãos. É uma teoria já antiga, surgida com o gnosticismo na igreja cristã primitiva, e combatida pelos apóstolos, mas que perdura até hoje. prega que a “intenção” de amor basta para salvar o espírito, e que a salvação prescinde regras de conduta. Assumindo outras ramificações, como o dispensacionalismo, negam a necessidade da Lei de Deus.

Mas quanto mais eu ouço teorias de uma liberdade sem a Vontade expressa de Deus, mais eu lembro do meu doce de folhas de goiaba em calda. A Bíblia em diversas passagens nos apresenta a Lei de Deus como reflexo de seu caráter, e demonstração prática da tal “intenção” de amor (Mateus 5:17; Romanos 3:8-10; Romanos 3:31; I Jo 6:9-11; I Jo 1:8; Salmo 119). Mas além do conhecimento intelectual e moral de Deus, é preciso um conhecimento volitivo, que vem somente pela fé em Jesus Cristo. E é conhecendo-o que compreenderemos na totalidade a alegria de obedecer a Lei de Deus. Veremos o modo maravilhoso como a Lei “desmascara a falsidade do amor que não aceita suas responsabilidades para com Deus e o próximo”¹. Nos descobriremos dEle, tal como Ele nos sabe Seus. E só então deixaremos de querer ter razão para querer mais do melhor conhecimento.

Durante esta semana desejo que compreendamos a amplitude da graça, da paz e do bem que há na Lei de Deus e no conhecimento de Cristo Jesus. Não é maravilhoso? O Gnosticismo (do grego, gnosis = conhecimento) pregava um conhecimento reservado a poucos, alcançado somente por senhas místicas, pelo ascetismo, por um caminho de esforço humano. O Cristianismo são prega um conhecimento que nos é dado a todos de Graça, que transforma-nos para a felicidade e para o amor em sua plenitude. Oremos, pois, como Moisés: “Rogo-te para que me faças saber neste momento o Teu caminho, para que eu Te conheça e ache graça aos Teus olhos” (Êxodo 33: 13)
Uma semana iluminada,
Luciana

¹Comentário da Bíblia de Genebra. Ver. Antinomismo. I João 3:7

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

Duas palavrinhas

Todos o viam como um rapaz solícito e dedicado, mas ele simplesmente não gostava de dizer “não”. Essa palavrinha o fazia temer. Temer o que mesmo? Ele não sabia ao certo: ser considerado chato, desagradar às pessoas talvez. Intimamente, porém, o que ele mais temia era o poder da palavra “não” de machucar a si próprio. Por isso sorriu amarelo e disse sim quando vieram às pressas chamá-lo para substituir alguém na peça de natal que seria apresentada na igreja. “Você pode ir? Só vai ter que se vestir de anjo e ficar lá na frente”. Tudo bem, ele diria sim mesmo que tivesse que recitar o salmo 119 de cor. E no dia, lá estava ele com umas asinhas de isopor muito esquisitas insistindo em lhe cair nos ombros, e o que é pior: uma bata mínima que deixava à mostra suas pernas por inteiro, porque não houve tempo de arranjar uma que fosse do seu tamanho. Enquanto esperava a programação acabar, ele, de cabeça baixa, ouvia risos abafados, puxava a bata para baixo e prometia a si mesmo nunca mais aceitar nada que lhe propusessem. Muita gente ficaria magoada, mas o que fazer? “Um sim inconseqüente pode doer infinitamente mais que um não.”, pensava ele mexendo nervosamente os ombros tentando equilibrar as asas de isopor, até que uma delas partiu-se e caiu solenemente no chão.

E sua história tragicômica (que me salvou de contar uma das minhas) me fez lembrar a parábola dos dois filhos, que está em Mateus 21: 28 – 32. Jesus estava ensinando no Templo quando alguns sacerdotes e religiosos de altos cargos achegaram-se para questionar com que autoridade ele ousava desafiar o sistema religioso de então com idéias, palavras e atitudes que mudavam completamente a noção de Deus que vigorava naquela época. Jesus não respondeu de pronto a pergunta deles, mas contou antes uma parábola, que o livraria de uma vazia discussão teológica e ensinaria aos mais humildes que o escutavam uma lição superior sobre o amor – sempre a ênfase da pregação de Cristo.

A parábola conta que um pai chamou seus dois filhos para trabalharem na vinha. Aqui, Cristo nos remete ao capítulo cinco de Isaías – quem sabe não era sobre o profeta que Jesus falava ao ser interrompido pelos sacerdotes? A vinha representa o próprio povo de Deus, separado, escolhido e cuidado para dar bons frutos, mas que acabou por se afastar bruscamente dos propósitos divinos, até tornar-se deserto. Pois bem, um dos filhos disse sim ao pai, no entanto não foi trabalhar. O outro filho disse que não queria ir. A Bíblia não diz que o Pai questionou os motivos do filho - um dia de sol que convidava a tomar banho no rio Jordão, um compromisso com os amigos, uma aula de técnica vocal –, diz somente que ele não queria ir à vinha, foi sincero e disse “não”. Até aí os dois filhos estavam em pé de igualdade, nenhum deles havia feito a vontade de seu pai. Mas aquele que disse não se arrependeu em seguida e foi trabalhar conforme seu pai havia pedido.

Numa pequena história, duas mensagens igualmente importantes. A primeira é que um “não” é insuficiente para afastar um filho da vontade de seu Pai. A maravilhosa graça de Deus espera que compreendamos a sua vontade e aguarda o nosso arrependimento sincero. Deus ama a sinceridade de coração. Não força, não questiona, não briga. Ele apenas pede e espera. Não quer um sim medroso, cheio de dúvidas ou contradições. Quanto mais O conhecemos, mais Seu amor nos impele a servi-lO com alegria, e é essa a resposta que Ele deseja de nós. Mas de vez em quando nossa natureza humana, maculada de egoísmo, vai negar-Lhe uma entrega. E Ele vai estar lá, esperando que o amor que nós conhecemos nEle nos leve a arrepender e voltar atrás.

Depois, a segunda mensagem: um “sim” hipócrita sempre afasta o filho da vontade do Pai. A Bíblia não diz qual motivo fez o filho voltar atrás no seu sim. Pode até ter sido um motivo que os sacerdotes do templo diriam “nobre” ou “aceitável”. Jesus queria dizer a esses homens é que o povo de Deus não é aquele que uma vez disse “sim” à religião para vivê-la de forma nominal e hipócrita; povo de Deus é todo aquele que faz a Sua vontade, e renova o seu “sim” continuamente perante Deus, e não perante ritos e formas vazios. A religião que, de fato, nos liga ao céu é aquela onde se entrevê o Caminho, a Verdade e a Vida, onde o amor não fica estagnado na palavra, mas se manifesta com a pureza do Verbo. Jesus afirmou que a crença aceitável é estar aberto para os caminhos da Justiça Divina, e não da justiça própria “Pois, tantas quantas forem as promessas de Deus, nele está o sim; portanto é por ele o amém, para glória de Deus por nosso intermédio” (II Coríntios 1:20)

Durante este sábado eu gostaria que ouvíssemos o que o Pai nos pede, e disséssemos sim. Ele sabe dos possíveis motivos que temos para lhe dar um “não” sincero, mas não há sentido em confiar em atalhos entre nós e Ele quando temos tão pouco domínio sobre nosso futuro: quem garante que o tempo nos permitirá retificar nossas respostas? Mas se for para dizer sim, que o façamos em sinceridade de coração, dispostos a levar adiante a fé que professamos, fazer eterno o breve instante afirmativo corroborando-o em cada detalhe da nossa religião. Lembre que um “não” pode vir a te entristecer, e que um “sim” falso pode entristecer o Ser que mais te ama no universo.

Feliz sábado,

Luciana

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Algo mais

Hoje passei algum tempo folheando a Bíblia em busca do que Deus desejava me falar. E percorri Davi, Sansão, Isaías, muitos outros “grandes” personagens, sem atinar com algo que me falasse em especial. Acabei me encontrando com Acsa, personagem que só aparece em cinco versículos bíblicos (Josué 15:18, 19 e Juízes 1:13-15) mas imprime uma mensagem de força indispensável a quem anda à busca de seu papel como cristão.

O pai de Acsa resolveu dá-la em casamento ao guerreiro que conseguisse conquistar uma certa região ao sul da Palestina chamada então Quiriate-Sefer. Embora esse tipo de arranjo matrimonial nos pareça esquisito à primeira vista, é preciso analisar o contexto histórico para observar que nessa época a conquista de terras era o maior interesse dos povos, pois da posse da terra dependia toda a estabilidade deles. Portanto o pai de Acsa estava preocupado em lhe dar um marido que demonstrasse ter vontade suficiente de conquistar uma terra que daria uma lar seguro e próspero para sua filha. Depois, na mente de seu pai, um marido guerreiro, corajoso, era o melhor que ele poderia dar a Acsa, que devia valer muito a ponto do pagamento do seu dote ser a vitória de uma importante batalha.

Otoniel, primo de Acsa, conseguiu essa proeza, e conseqüentemente a terra que conquistara. Se a história terminasse aqui todos os méritos pareceriam devidos a Otoniel, mas este fizera apenas a sua parte no trato, conseguiu apenas aquilo que lhe era por direito humanamente. Acsa foi mais além. Ela percebeu que as terras do seu marido eram boas, mas não seriam produtivas sem água, que existia franca nas nascentes próximas, em terras de seu pai . E embora seu quinhão já fosse muito bom, esse não era tudo de que precisava: o clã de seu marido, agora o seu, precisava de mais, do melhor. Não entendo sua atitude como ganância, mas como uma visão clara das vantagens a que tinha direito. Acsa daria uma boa advogada! Pois não se contentou em perceber suas necessidades, lembrou o marido que Deus havia prometido bênçãos completas a seu povo, e pediu ao pai aquilo que ele não poderia negar: um presente, como sinal de bênção sobre aquele casamento. Assim, os queneus conseguiram se estabelecer sobre ótimas terras – e abundantes águas, sem o que as terras e todo o esforço do valente guerreiro Otoniel pouco teriam valido.

O que Acsa tem a nos dizer? Acredito que as nossas melhores conquistas são o fruto de uma parceria entre nós e Deus. Ele nos aponta as oportunidades – e é preciso conseguirmos distingui-las daquelas empreitadas que são meramente nossa vontade – , nós nos lançamos na batalha com determinação até alcançar o alvo. Mas a história não deve parar por aqui, como a de Acsa não parou. Qualquer livro de auto-ajuda aconselharia a ter coragem de vencer as batalhas e se apossar do prêmio. Mas a Bíblia indica que os cristãos devemos reclamar a bênção completa que Deus tem para nós. E para isso é preciso perceber o que é que nos faz completos, depois ir até Ele, pedir que nos oriente a chegar até onde Ele quer que realmente cheguemos. Sem a água da vida que corre dos mananciais celestes (João 4:14), nossas conquistas serão tão efêmeras quanto o bocado deste mundo que conquistamos.

Uma vitória é sempre algo bom. Uma vitória com Deus é algo eterno. É preciso ter visão ampla para compreender aquilo de mais amplo que nós mais precisamos, e ir busca-lo humildemente, mas com segurança, nas mãos dAquele que nos pode dar (Mateus 7:7), dAquele que, como nosso Pai amável, não nos pode negar uma bênção completa e abundante. Qual deve ser o tamanho de sua bênção esta semana? O que Deus pode ajuntar aos seus esforços? O que Ele deseja fazer que pode suprir por completo suas necessidades? Deixe que Ele lhe fale agora mesmo!

Uma semana iluminada,

Luciana

sábado, 11 de setembro de 2004

Por outros olhos

Depois de mais de seis meses consegui colocar meu computador para funcionar, e passei algum tempo remexendo velhos arquivos para ter certeza que ainda estava tudo lá. Foi divertido me deparar com minha mania de querer registrar tudo, como se a vida tivesse que ficar escrita sob pena de não ter, de fato, existido. Encontrei, com delícia, vários escritos antigos, contos, cartas, poesias, coisas boas, emocionantes ou muito ruins, que me fizeram chorar de comoção ou riso. Considero meus textos como filhos (e há alguns que só saem a fórceps). Mas foram uns os olhos que os viram nascer, hoje são outros os mesmos olhos que os lêem.

As lembranças vieram em turbilhão: alguns destes textos nunca saíram do meu computador. Muitos ficaram incompletos, suspensos numa intenção que provavelmente eu nunca vou conseguir resgatar. Outros, mais ousados, freqüentaram concursos literários, e uns pouquinhos me deram a felicidade de ganhar dois livros de presente (eram os prêmios dos concursos), e um belo “certificado de honra ao mérito por conseguir a classificação entre os sessenta finalistas”. Nada que me mova a criar um novo movimento literário, mas o suficiente para eu mostrar aos meus netos enternecidos, que Deus há de querer bem generosos, a fim de se importarem com isso.

Todo esse reencontro comigo mesma me fez pensar que já tive muitos olhos, os quais tomei emprestado de muita gente especial que passou por meu caminho. Antes de todos, a minha mãe, que guardava com carinho os livros que eu escrevia e ilustrava lá pelos nove, dez anos. Mas os olhos dela eram ternos demais e se comoviam mesmo diante de títulos como “Flipinho, o peixinho”. Dada a benesse materna, eu me animei a começar a fazer poesias e mostrar para minhas professoras. Elas pareciam gostar também! Então lá pela quarta série eu me arrisquei a fazer algumas redações de cunho político-social que deixou em polvorosa a pacata Escola Vovó Libânia, e tia Roseane correu para mostra-las às outras tias, inclusive tia Graça, que colocou uma observação bem bonita e elogiosa no meu caderno. Um elogio de tia Graça, para mim, era toda a glória que qualquer escritor jamais poderia sonhar. E eu tomei os olhos de tia Graça para criar.

Um dia conheci Machado de Assis e tive meu encontro definitivo com a literatura. Mas que olhos assustadores! E à medida que eu procurava por mais autores, mais olhos assustadores me cercavam, todos muito grandes para caber em minhas órbitas oculares... por isso pedi emprestados olhos de amigos mais letrados, professores, até mesmo namorados, para quem dirigi boa parte de minha “produção”. Prestava bastante atenção na mágica que havia nos textos dos mestres, o que exatamente eles colocavam ali que me manipulava tão bem. Estudava embevecida causa e efeito, letra e sensação, tentava aplicar aquilo ao meu modo, e colhia o singelo resultado no semblante e na opinião de gente que, como eu, também gostava de ler ou escrever.

Ao longo do tempo essas pessoas foram mudando, e eu mesma mudei, me permitindo deixar-me um olho para analisar minhas crias, e tomar outro emprestado para garantir que não seria complacente demais comigo. Assim, por outros olhos, eu já tornei meus textos mais objetivos, mais impessoais, mais sentimentais, mais espirituais, mais humanos, mais sociais, dependendo sempre do olhar que eu escolhia como meu parâmetro. E não dava o texto por terminado enquanto não imaginasse como determinada pessoa (eu mesma, às vezes, por que não?) reagiria aqui e ali, e cortava, e emendava, e acrescentava, e o mais importante é que escrever continuou sendo um momento feliz.

Curioso, não? Mas algumas das coisas que mais gosto – música, escrita, pintura – aprendi por outros olhos. Maquiavel, certa vez, sentenciou: “O homem prudente deve seguir sempre as vias traçadas pelas grandes personagens e imitar aqueles que forem muito excelentes, para que, se o seu talento não lhe permitir igualá-los, consiga ao menos alguma semelhança”. E olhar por outros olhos nada mais é que se colocar no lugar de alguém e imitá-lo naquilo que você acha que ele tem de melhor.

Acredito que nossa amizade com Cristo exige muito dessa “técnica”, por assim dizer. Não se trata de anularmos nossa personalidade idealizando um ser abstrato, mas aprimorar nosso caráter segundo o que consideramos mais perfeito no exemplo concreto que está registrado em Sua Palavra e na memória do nosso relacionamento com Ele. Os meus olhos não conhecem de todo a bondade, a misericórdia, a paz, a sinceridade, o amor. Mas sei que pelos olhos de Cristo eu tenho o melhor parâmetro para trabalhar todos os meus atos, palavras e pensamentos, de modo a refletir “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor...” (Filipenses 4:8)

Perguntar-se “O que Jesus faria em meu lugar”, não é uma frase aplicável só às crianças da escola bíblica na igreja. Antes, ter a preocupação em olhar pelos olhos de Cristo serve “para que não mais sejamos meninos, inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação do erro, antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Efésios 4:14 e 15). Se há algo que aprendi olhando o desenrolar da minha mania de escrever, é que somos felizes fazendo aquilo para o que nos sentimos particularmente chamados, dando nisso nosso melhor, e nos descobrindo únicos e especiais pelos olhos de quem sabe o que é especial. Desejo que todos os dias, encontremos a felicidade de andarmos na nossa soberana vocação, “não segundo as nossas obras, mas segundo o Seu próprio propósito e a graça que nos foi dada em Cristo Jesus...” (II Timóteo 1:9)

Bom sábado!

Luciana

terça-feira, 7 de setembro de 2004

Pelo mundo

“- Me diga uma coisa. Você vai mesmo salvar a humanidade?
- É curioso como eu penso agora nestas coisas. Antigamente só pensava em mim mesmo. Vivia como cego. Foi Olívia quem me fez enxergar claro. Ela me fez ver que a felicidade não é sucesso, o conforto. Uma simples frase me deixou pensando: `Considerai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e no entanto nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como um deles.´”


O diálogo acima ocorre entre Seixas e Eugênio, dois personagens do livro “Olhai os Lírios do Campo”, de Érico Veríssimo. O primeiro contato que travei com este livro foi quando eu tinha por volta de onze anos, e folheava um livro antigo de Educação, Moral e Cívica, disciplina modorrenta que atormentou alunos da década de setenta e oitenta. O que eu gostava no livro eram uns quadrinhos enfeitados com flores e folhas, onde o autor colocava frases de efeitos, pequenas histórias bonitinhas, fábulas e anedotas de efeito moral. Algo correspondente aos modernos sites de mensagens enlatadas, aquelas cheias de figuras bonitinhas e efeitos audiovisuais que até nos fazem perdoar a mania deles atribuírem textos sofríveis a grandes poetas. Pois bem, eu recortava impiedosamente os quadrinhos enfeitados e colava-os em meu diário, escrevendo textos melancólicos ao seu lado. Por essa época eu achava que para escrever bem se tinha que ser melancólico. Por isso fiquei atônita quando li um quadrinho do citado livro. Ele não trazia nenhuma historinha ou frase, mas uma citação que dizia:

“Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.”

E continuava, me prendendo a cada palavra, até terminar com a referência enigmática: Olhai os Lírios do Campo – Érico Veríssimo. O texto me impressionou tanto que não tive coragem de cortá-lo. Intui pela primeira vez que isso seria uma forma de profanação, e sem saber exatamente o que sentia, guardei-o na mente por muito tempo, admirando-o e fugindo dele. Tanto que sempre que tinha oportunidade de ler o livro, adiava, e foi assim até algumas semanas atrás, quando amanheci pensando no Sermão do Monte, exatamente no versículo citado acima que dá nome ao livro. Escrevi a um amigo e não resisti: enviei-lhe o versículo em latim. Depois, escolhendo aleatoriamente algo para ler no fim de semana, tomei o livro sem perceber a associação e levei-o junto com um Fernando Sabino e uma Lygia Fagundes Telles. Li-o por último, em desespero: como pude adiar tanto tempo aquela leitura? O impacto que ele causou em mim foi parecido com o causado por Crime e Castigo, de Dostoiévsky, sendo que o de Veríssimo mostra mais que a transição ocorrida no espírito de um homem perturbado, e percorre também o desenrolar de sua nova vida, com um realismo tocante. Nenhuma promessa, nenhum cenário brusco: apenas uma vida e suas lutas em busca de paz.

Não vou além porque não quero fazer uma sinopse dele, nem ficar divagando ao seu redor, que serei tentada a fazer dezenas de citações, terminando por cansar absolutamente que já teve a paciência de ler esta exaustiva introdução. Não quero cometer o mesmo erro do livro de Educação, Moral e Cívica, e usar uma literatura tal para forjar lições e conselhos. Mas preciso – é-me visceral – dizer que Olhai os Lírios do Campo me pôs a olhar demoradamente o mundo. E amá-lo um pouco mais.

Pois é, amá-lo não obstante o mundo esteja entre os chavões preferidos das religiões cristãs. O mundo é sempre citado como um lugar perverso, cheio de enganos, de maldade, o lugar dominado pelo Príncipe do Mal. Um lugar de onde os cristãos precisam sair e se manter bem longe a fim de alcançarem a salvação. “Você está no mundo, mas não pertence a ele”, nos advertem, e não sei porque só se nos grava a segunda parte da frase.

O que Eugênio e Olívia me fizeram pensar enquanto eu lia “Olhais os Lírios do Campo”, é que deveríamos meditar mais sobre o fato de estarmos no mundo. E que existem muitos outros nessa condição. O mundo é um lugar ruim? É o que nos dizem todos os jornais. Um mundo escuro, cheio de problemas. Mas é neste mundinho ruim que se opera nossas mais preciosas oportunidades de salvação. Salvar o mundo? Não, esse discurso nós já conhecemos bem e creio ser o caminho mais difícil sem que antes se realize o milagre de sermos salvos... pelo mundo. Pode parecer estranho dizer isso, quando se foi tanto educado a começar pelo processo inverso. Mas basta aprofundar a visão do que foi o ministério de Cristo para vermos dissipada qualquer dúvida. O mundo é um dos pregadores mais eloqüentes que pode haver, um dos instrumentos mais eficazes para a salvação em Cristo Jesus.

A igreja não é apenas um lugar onde devemos nos abrigar dos problemas, fugir da escuridão, ficarmos enclausurados pensando “claro que Deus quer seus filhos seguros aqui, perto dEle”. Esse pensamento é agradável porque cômodo. Mas a verdade é que esse Deus, quando se fez Homem, levou tudo aquilo que ele conheceu junto do Pai para o mundo, mesmo em seus lugares mais obscuros, e é justo aí que se opera a salvação: no lugar onde mais se carece dela, onde mais se precisa de demonstrações concretas de amor.

Pode ser que ao me encontrar no meio do mundo, enfrentando-o ao invés de fugir dele, eu descubra que sou eu, muito mais do que o mundo, que necessita de salvação. Foi isso que aconteceu com Eugênio, por exemplo. Só em contato direto com um mundo real, com as pessoas reais desse mundo, seus problemas e necessidades, é que ele pôde alcançar a paz, conhecer Deus e sentir a necessidade de um mundo melhor, superior. No conforto entorpecente dos nossos lares, igrejas e demais instituições, nesse conforto que parece ser mesmo o alvo insano de muitas vidas, os nossos sentidos tendem a se embotar e desligar do Deus verdadeiro, do Deus que nos ensinou que não somos como o mundo, mas podemos amá-lo profundamente, e transforma-lo, e sermos transformados através ele, à medida que nos aproximamos mais do caráter de Jesus.

O mundo é um lugar perigoso apenas para aqueles cristãos incapazes de viver em coerência com aquilo que pregam. Não conheceríamos o poder da luz se não a levássemos à escuridão, não entregaríamos o nosso coração a Deus se não nos deparássemos com corações endurecidos, não teríamos esperança se não percebêssemos a descrença. Cristo ainda passeia por entre a multidão de famintos que segue errante fora das paredes da nossa igreja. E digo-lhes com sinceridade: se Cristo deu sua vida para salvar o mundo, eu quero estar no mundo quando ele voltar. Quero que me encontre fazendo aquilo para o que Ele me chamou: “assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5:16). Acho que só vou saber mesmo o que significa a tão sonhada nova Terra, se eu aprender a viver como cristã nesta Terra aqui.

No mundo vamos encontrar muitos erros, e muita gente dizendo que errar é humano, muita gente dizendo muita coisa – como eu. Mas temos a Bíblia, maior fonte de força e inspiração, nos fazendo um convite a sermos semelhante ao Verbo, e agirmos. “Porque”, como dizia Olívia, “só valem as experiências que fazemos com a nossa própria carne. Pode ser que tudo isso seja apenas um grande sonho. Mas sonhar também é humano.”

Uma semana iluminada,

Luciana