segunda-feira, 11 de outubro de 2004

Deixa eu dizer uma coisa...

Não foi uma vez só que eu e meu marido, recém-casados, fomos interpelados por alguém que atentava para alguma demonstração de carinho de nossa parte e dizia: “Ah, mas deixa eu dizer uma coisa: isso é apenas agora! Aproveitem, que daqui a uns anos a coisa vai ser bem diferente!”. A primeira vez que ouvimos isso foi duas semanas após nosso casamento, na frente do pastor, que ficou visivelmente constrangido e tentou consertar a frase como pôde. Nós sorrimos amarelo e deixamos estar. Depois ouvimos a frase se repetir ainda outras vezes, de outras formas, por várias pessoas, mas com a mesma conotação, e em todas as vezes nós simplesmente sorrimos amarelo e deixamos estar. Mas agora resolvi me dirigir às pessoas que verdadeiramente pensam assim com mais do que um simples sorriso amarelo e dizer: deixem estar vocês também! E que Deus aponte o futuro de cada um de nós!

Alguém pode argumentar que foi apenas uma brincadeira, que esse é o tipo de frase que todo mundo gosta de dizer aos recém-casados (como a indefectível “quando virá o herdeiro?”). Mas não é brincadeira que a maior taxa de divórcios atualmente ocorre durante os primeiros dois anos e meio após o casamento. Não é brincadeira a dor de muita gente que vê seu casamento se desintegrar nesses primeiros dois a três anos, após experimentar uma terrível sensação de vazio, solidão, dúvidas e frustração. Não é brincadeira também a quantidade de casais que depois de muito tempo juntos não partilham mais nenhum tipo de carinho ou afeição, e vivem apenas como pessoas que moram juntas por motivos práticos.

Eu não levo jeito para conselheira matrimonial e não é minha intenção aqui apontar causas e remédios para esses males, mas analisar a maldade embutida em frases aparentemente sem importância que dirigimos às pessoas no dia-a-dia. Não apenas aos recém-casados, mas a todos com que nos relacionamos de forma íntima ou não. Uma “brincadeira”, um xingamento, uma palavra desencorajadora pode provocar tamanho mal que nenhuma outra palavra poderá reparar. Elas saem despercebidas e às vezes constituem um vício pernicioso, que acaba por amaldiçoar a vida de alguém. “Você não vai conseguir”, “Você vai acabar fazendo besteira”, “Você não faz nada direito!”, “Você é igual a todos (as) os (as) outros (as)!”, “Você é desastrado, dirige mal, é muito chato, ridículo, incapaz, medroso, inseguro, inútil, sem atitude, besta, burro!” e uma infinidade de outros exemplos mais ou menos inflamados. Às vezes despejam o veneno a conta-gotas, todo dia uma depreciação. Às vezes vem tudo de uma vez, em momentos de raiva. E quase sempre as palavras mais desanimadoras são atiradas contra as pessoas que mais precisam do nosso amor.

O que é pior é que algumas dessas palavras são ouvidas e guardadas, justamente porque representamos algo para quem as ouve. São filhos que acabam por cumprir as palavras dos pais e tornam-se irresponsáveis e infelizes. São amigos que acabam por aceitar que são mesmo um caso perdido. São homens e mulheres que se acostumam com uma péssima imagem de si mesmos. São casais que na primeira crise concluem que o amor mais cedo ou mais tarde vai acabar “como acontece com todos”. São filhos de Deus que são tratados da forma oposta como ensinou esse Deus: “Todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem disser a seu irmão, `raca!´, estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe disser: tolo, estará sujeito ao fogo da Gehenna.” (Mateus 5: 22).

No versículo acima, Jesus aprofundou um preceito conhecido por aqueles que o ouviam naquela época. A lei judaica, com que os escribas e fariseus estavam bastante habituados, parecia ter sanções específicas para o insulto “raca”, que em aramaico significa “cabeça vazia”, e era usado como um termo de degradação. Jesus mostrou que qualquer tipo de insulto, mesmo aqueles não punidos pela lei (tolo = moros, do grego, pode ser entendido também como rebelde), são considerados uma ofensa grave porque depreciam a mais perfeita obra da criação de Deus, que é o próprio ser humano. Perceba que no verso 21, Ele começou citando o mandamento “não matarás”, como querendo deixar subentendido que o sentimento que leva alguém a assassinar seu irmão é da mesma natureza daquele que leva alguém a amaldiçoar seu irmão com palavras depreciativas. E Deus dá a esses o mesmo tratamento: o fogo da Gehenna, símbolo do juízo de Deus e figura bastante conhecida do povo naquela época porque aludia ao vale de Hinom, que era um depósito, fora da cidade, de toda espécie de imundície, onde o fogo a tudo destruía. A mensagem era: se você diz uma palavra má contra seu irmão, deve temer mais que a justiça humana, deve temer a justiça dAquele que criou o ser humano.

Por isso embora a maioria de nós tenhamos sido (mal) educados para expressar nossa ira com facilidade através de palavras que tem o único objetivo de ferir, a proposta bíblica nos orienta a focarmos “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor” (Filipenses 4:8). E aconselha mais: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim, unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim, transmita graça aos que ouvem para que não entristeçais o Espírito de Deus, no qual foste selados para o dia da redenção.” (Efésios 4:29). “A língua é fogo, é mundo de iniqüidade ... com ela bendizemos ao Senhor e Pai, também com ela amaldiçoamos os homens feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que seja assim. Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?” (Tiago 3: 6 – 11).

Hoje Deus está colocando novamente diante de nós a bênção e a maldição (Deuteronômio 11:26). Nossa boca irá falar daquilo que o nosso coração escolheu. O que temos a oferecer às pessoas ao nosso redor, que já levam seus pesados fardo de cansaço, desânimo e desesperança? Que palavras queremos que fiquem gravadas no coração de quem precisa do nosso amor? O que desejamos para aqueles que ousam sonhar com um futuro bom, amável, feliz? Eu particularmente gostaria de deixar que eles realizem seus sonhos de amor, sucesso e vitória, sem olhar para fracassos que os cercam, ainda que esse fracasso seja o meu. Porque eu sei que, como filhos de Deus, todos nós nascemos para ser mais que vencedores, e temos do Senhor do Universo o tratamento mais especial que alguém poderia ter (I Pedro 2:9). Porque haveriam os filhos de Deus de ouvir as palavras de maldição de quem ainda não compreendeu o poder de seu Pai?

“Deus o abençoe”, seja a frase colocada na ponta da língua, mesmo quando alguém nos pise a ponta do pé. “Deus o abençoe”, seja a frase pronta e sincera para qualquer ocasião. “Deus o abençoe”, sejam minhas palavras seja qual for o meu ânimo ou o do meu irmão, “Deus o abençoe” seja a nota indelével que o mundo escute dos cristãos (Tiago 1:26, 27).

Uma semana iluminada!

Luciana

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