sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Por que Deus?

Recebi um convite de Mário Jorge Lima para fazer parte do projeto Adveniat como articulista do site. O que fiz para merecer esse convite? Nada, foi uma dádiva graciosa. Era o empurrão que faltava para colocar em prática o plano recém reelaborado de voltar a escrever minhas reflexões semanais em 2009.

Fiquei com um frio na barriga: estou enferrujada depois de quase três anos sem escrever estes devocionais, a responsabilidade é muito grande, este ano promete ser muito consumidor em relação a minha vida profissional, também estou planejando engravidar de novo, e ainda tem a reforma ortográfica, da qual estou totalmente por fora (ora, eu que nem costumo revisar meus textos). Além disso, mil contratempos e afazeres cotidianos, com um dedinho do Tinhoso para reforçar minha insegurança. Mas vamos em frente.

O primeiro texto do ano segue abaixo. Só tem um problema: não sei se vai para o site. É provável que fique por aqui mesmo porque pra lá pretendo mandar textos que caibam no formato de uma página de livro, tipo meditação matinal, com cerca de 400 palavras, e este aqui ultrapassou as 900, huahuahuah. Até tentei enxugar, mas para chegar às 400 teria que fazer cortes que comprometeriam a mensagem. Só se partisse em duas ou três e fizesse uma série, heheheh. Decidi no entanto deixar do jeitinho como está. Porque gostei assim mesmo. E vou fazer outro texto para o site mais tarde. É isso, habemus Lux, glória a Deus.

POR QUE DEUS?

Desde que comecei minha vida religiosa gosto de escrever e pregar sobre Deus. Descobri cedo que quem tem essa tendência tende também a assumir a postura “eu digo a você o que fazer”, passando a se comportar não só como porta-voz de Deus, mas como Seu próprio dedo indicador. Esse é o caminho mais fácil: apontar, diagnosticar e prescrever o remédio para o que está fora de nós. É também, no entanto, o caminho que mais nos afasta do tema de nossas pregações, uma vez que Verdade não é um conjunto de prescrições sensatas, Verdade é uma Pessoa, e é da experiência com essa Pessoa que vem o testemunho, lugar onde mora o poder da pregação. “Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido”. (Atos 4:20).

Mesmo sabendo disso, é bem difícil para alguém que foi chamado a testemunhar pela Palavra fugir de fórmulas prontas e explanações genéricas sobre verdades aceitas por qualquer homem medianamente sensato. Por isso mesmo Deus providencia meios de confrontar o conhecimento adquirido pelo homem de forma meramente intelectual, inquietando-o a tal ponto que uma mesma pergunta pode persegui-lo por anos, fazendo-o buscar com ardor todas as fontes de revelação divina e aguçar bem os ouvidos do espírito. Enquanto busca essa resposta em particular, aprenderá muito mais, chegará mais e mais perto do Pai, e assim poderá apresentá-lo cada vez mais nitidamente em seu ministério da Palavra.

A mais recente pergunta que Deus enviou para me inquietar foi daquelas bem capciosas: "Por que Deus?". Ela veio dos lábios de um amigo, cristão sincero e dedicado, que passava por uma crise envolvendo vários aspectos de sua vida. A lógica de sua pergunta vinha de frustrações e desesperanças continuadas, contras as quais tentara reagir por várias vezes sem sucesso. "Não sinto que Deus está me dando forças para vencer, não sinto que eu tenha que aprender algo em especial, pois pelo tempo que já estou passando por isso já aprendi todas as lições possíveis. Não sinto que Deus esteja fazendo nada a respeito esses anos todos, e na verdade não sinto Deus por mais que eu me esforce em buscá-lo e serví-lo... Então, porque tenho que continuar acreditando em Deus?"

A resposta a meu amigo daria um tratado teológico. E é bem possível que a Teologia lhe desse um punhado de boas respostas, todas com irrefutável embasamento bíblico. Renomados escritores cristãos poderiam apresentar-lhe lindas e contundentes respostas também, em livros inspirados e cheios de sabedoria divina. O problema é que acho que meu amigo já leu dois terços de todos esses livros e tratados de teologia. A resposta que vai lhe satisfazer - a mim também, que tomei sua pergunta emprestada - não foi nem será respondida por nenhum outro ser senão o próprio Cristo, experimentado individualmente em sua vida.

Porque, embora muitos queiram, espiritualidade não tem a ver apenas com razão. O raciocínio pode até levar alguém a crer, mas somente um encontro pessoal e profundo com Cristo pode levar esse alguém a continuar crendo. E justamente por ser pessoal, ninguém pode ditar como, onde e por qual maneira esse encontro se dará. Pode ser num momento, pode ser que o encontro seja a busca de uma vida inteira e se traduza na própria busca. Levantar a mão, ficar de pé, batizar-se, ir ao culto, são expressões de que se deseja essa experiência, mas não constituem necessariamente a experiência em si, daí porque muitos voltam a sentir-se vazios dias depois de se prostarem diante do altar depois de um sermão maravilhoso, seguido de um apelo arrebatador.

O que posso dizer ao meu amigo só me ocorreu agora, depois de muitos dias com sua pergunta martelando meu espírito. A minha resposta, aquela que veio da minha experiência particular, dos meus desertos, montanhas e lamaçais, está no senso de direcionamento que Deus dá a minha vida. Sem Deus eu acordo, estudo, trabalho, leio, cozinho, escrevo, passeio, faço coisas boas, prazerosas, erradas e algumas dignas da Madre Tereza de Calcutá. Mas estão todas desarticuladas, vazias de um sentido orientador.

Com Deus, tudo que faço ganha um sentido maior. E isso não tem a ver com as coisas que Ele possa vir a fazer por mim, ou me dar como recompensa. É algo bem difícil de traduzir em palavras, mas tem muito mais que ver com um gostar de estar ao lado dEle, de pensar nele. Já não leio um livro apenas, mas leio buscando ali algo que me remeta a Ele. Já não vejo apenas, contemplo, examino, questiono. Passear, estudar, cozinhar ou trocar a fralda do meu filho não são mais atos vazios, mas podem me dizer algo. Este “estar-à-espera” de uma revelação da Graça é o que move minha vida e o que me deu tudo de realmente bom e durável na minha experiência cristã.

Por que Deus? Porque sinto que já não posso viver sem a alegria de encontrá-lo e reencontrá-lo a despeito de como as coisas estão ao redor ou do quanto sou capaz de sentí-lo neste momento de minha vida. O sentir e o pensar de repente parecem muito pequenos e a palavra, impotente. E mesmo se eu cantar, pintar, fizer versos ou uma tese teológica não acho mesmo que conseguirei dar aos outros senão parte desta alegria, que é o que dá eloquência divina a gestos tão diversos como dar um bom dia e pregar numa igreja lotada aos sábados. Não sei se posso dizer dizer muito mais que isso ao meu amigo, ele precisa mesmo encontrar sua própria resposta. Talvez esta alegria no sentido divino imprima digitais na alma que constituem um elo exclusivo entre o indivíduo e Deus. Talvez essa alegria sem palavras seja amor.

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