segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Lua Perfeita

Acabo de decidir que os textos não serão necessariamente semanais. Este é o prazo máximo, mas sempre que der vontade virei aqui. Do contrário acabo perdendo a essência do que queria escrever. Segue mais um, então.
------------------------------------------------------------------------

Percebo que em cada lugar por onde passo há algo na natureza que impressiona particularmente ali. Parece que cada cidade tem uma vocação distinta em seu conjunto de belezas, e isso é o bom de viajar muito: cavocar e conhecer essas particularidades, reconhecendo nelas a assinatura de uma Artista caprichoso, que fez questão de distribuir êxtases de beleza por toda a Sua criação.

Natal, por exemplo. Não há melhor lugar para ver o pôr-do-sol porque há ali uma claridade característica que eu não encontrei no céu de nenhuma outra cidade. No quesito brisa marítima também ganha disparado. Já o mar de Maceió é uma coisa estupenda, não há verde mais encantador que o das praias de lá. Em São Paulo o verde magnífico é o das plantas [que restaram], ele é diferente, mesmo considerando suas diferentes matizes, e não acho que tenha algo a ver com a poluição... nenhuma folhagem me mostrou um verde mais dramático que o de lá. E talvez tenha mesmo a ver com a poluição: entre tanto cimento e fumaça o verde deve querer gritar para sobressair.

Aqui em Recife há os céus de inverno, nos meses de julho a setembro, que são um espetáculo de cores. O sol e as nunves púmbleas se misturam criando cenários que a gente quer emoldurar. E ainda tem - descobri recentemente - as luas de janeiro. Não lembro de ter visto em outro lugar luas cheias como as daqui. Nem nas mais bucólicas terras potiguares. Este sábado vi a lua cheia mais brilhante que já vi na minha vida, sem dúvida alguma. Pensei que pudesse ser um embaçamento nas minhas lentes de contato mas meu marido confirmou: aquela lua estava um desespero de bonita. O brilho invadia o céu com uma força poética que fazia calar mesmo as invejosas luzes da cidade. Tudo aqui embaixo era tocado por aqueles braços prateados, e até meu filho ficou embasbacado a ponto apontá-la, fazendo o mesmo sinal de quando quer os biscoitos na prateleira, e me pedir "Uaaaaaa! Mi dê!" (tradução: "Lua! Me dá ela, mamãe!). Meu marido então disse: "É, realmente esta lua hoje está perfeita". E ninguém perdeu mais tempo com adjetivos.

O que fez a lua mais perfeita neste sábado? O céu sem nuvens de Recife? Sua distância em relação à Terra naquela noite? Sua posição em relação ao Sol que a fez refletir melhor a luz deste? O privilégio de estar olhando para ela junto a pessoas que amo? O fato é que essa lua linda e perfeita continuava lua em sua essência. E a perfeição abrangia mesmo sua face esburacada por crateras tão grandes e irregulares, mas tanto mais perfeitas quanto mais visíveis. Abrangia também a seca e fria poeira lunar de quem nem nos lembramos aqui, mas que cobre todo o satélite dando-lhe aquele ar desolado nos vídeos da NASA. Tão sem cor, a lua, tão silenciosa, tão pequena frente a outros vários astros mais vistosos. Mas perfeita aos nossos olhos e corações.

Nessas horas reconheço uma qualidade divina que carregamos conosco, a qualidade de reconhecer o valor das coisas em si, e não por padrões pré-estabelecidos, esta última uma típica atitude humana. Nos acostumamos a medir e sermos medidos segundo referências arbitrárias. Por que a mulher na capa da revista feminina é bonita? Ou por que sou tratado diferente se estou com roupas sociais? Porque ser alto é uma prerrogativa para ser atraente e ter um cargo administrativo na igreja me faz parecer mais santo? Muito do que somos e fazemos é determinado por essas tais referências que já nos deram prontas e acabadas, não ousamos contestar, assentimos e tentamos nos adaptar a elas.

Mas cada ser humano é uma paisagem para Deus, uma paisagem que traz em si algo de muito valioso, uma beleza característica que não pode ser encontrada em nenhum outro indívíduo. Não importa se sua face foi esburacada pela ingratidão, não importa se você vive e trabalha num lugar tão árido ao espírito como o terreno lunar. Deus é capaz de ver além da poeira que recobre sua alma, não o mede por sua altura porque te olha na altura dos olhos, não te mede também por bens ou cargos porque já te viu chorando. Sabe como você tem beleza porque conhece o seu sorriso. E basta que você reconheça um aceno dEle para que Ele veja você brilhar perfeito. É que, não os raios do sol, mas a sombra de uma cruz, ao incidir sobre nós, inspira em Deus amor e poesia. E Ele nos vê, mais uma vez, com olhos de Pai apaixonado por sua criação, de Menino* que viu algo tão lindo. Se fecharmos os olhos em oração, poderemos até vê-lO sorrir acenar uma vez mais: "Dá-me, filho meu, o teu coração..." (Prov. 26:23).

*Aos teologicamente puristas, meus perdões. Mas quando penso num ornitorrinco, por exemplo, só consigo visualisar Deus criando-o com ares de Menino.

Nenhum comentário: