sábado, 27 de julho de 2002

Num lance de fotografia (Os Miseráveis)

Fim-de-semana passado, assisti a um filme que já é meu preferido, apesar de só ter dado para eu repetir a fita cinco vezes. Trata-se de “Os Miseráveis” (Les Misérables), drama baseado no livro homônimo de Victor Hugo, que se tornou um romance clássico da literatura universal. Dirigido por Billy August e tendo no elenco Liam Neeson, Geoffrey Rush, Uma Thurman – e um gatinho chamado Hans Mathison (o Marius) – o filme consegue surpreender e envolver do começo ao fim da história, especialmente a quem não leu o livro ainda, de modo que é, com certeza, o filme mais fantástico que eu já vi (sempre chego a essas conclusões, dez anos depois que todo mundo já viu tudo).

O enredo se desenvolve em torno de Jean Valijean, condenado que passou vinte anos preso e realizando trabalhos forçados, tendo entre seus algozes, o guarda Javert. Durante a liberdade condicional, Valijean foge e recomeça sua vida em outra cidade, com nova identidade, e novos valores. Mas a vida faz com que reencontre Javert, agora como inspetor de polícia, que o reconhece e fica obcecado por desmascará-lo. Valijean consegue fugir de Javert várias vezes, e isso só instiga mais ódio no inspetor – um competente e irrepreensível funcionário, fiel cumpridor da lei.

A cena mais emocionante, no final do filme, mostra Jean Vilajean finalmente nas mãos de Javert. Capturado, sem qualquer escapatória, e preparado para o trágico destino que se lhe aponta, Vilejean está em pé na beira de um rio, com Javert apontando uma singela pistola que mais parece uma bazooca em miniatura bem embaixo do seu queixo, e sentenciando: “você não entende a importância da lei”. Por um momento a gente pensa: “Mas será que Javert não vai ter piedade de Jean Vilejean? Será que ele não vai ao menos deixar o coitado viver, nem que seja na prisão?” Então Javert diz com voz fria:

- Vou poupá-lo de uma vida na prisão, Jean Vilejean. É uma pena que as leis não me permitam ter piedade – e com a arma, fasta a cabeça de Jean em sua direção.

Nesse preciso momento, o foco da câmera lança mão de um recurso de fotografia fantástico. A cena é cortada, e em seguida focalizada novamente do alto de um canto esquerdo qualquer, mostrando os dois homens à distância, de costas, Javert com a arma apontada para o pescoço de Jean, olhando-o fixamente. Fundo musical de suspense. É por causa desse lance fotográfico – a cena mostrada de longe – que a gente, sem raciocinar, conclui imediatamente: “Pronto, o cara vai morrer. Atira logo, sô! Eu quero respirar!”. É como se a câmera se afastasse para não mostrar de perto os miolos de Jean voando e o corpo tombando sem cabeça no rio. Para não respingar sangue na lente. Reação análoga a que a gente tem diante de algo repugnante: desviamos o olhar para não ver a desgraça detalhadamente.

Mas essa reação não acontece somente ao observarmos uma cena da qual estamos alheios. Às vezes, assim que a gente se dá conta que errou, pensa logo que em seguida virá o pior. Fomos ensinados que o pecado é a transgressão da Lei, e que o salário do pecado é a morte. Você pecou, e quando todos foram embora, quando só resta você, Deus e seu travesseiro, a verdade lhe aparece como uma arma apontada para a sua cabeça. Você errou, deve pagar. A câmera de sua mente se afasta dessa cena constrangedora, como se você tivesse que fugir, como se não pudesse encarar que está prestes a ser sacrificado diante da presença do Deus Justiceiro. E prefere não ver o que sente no fundo do seu coração: que Ele está com a arma apontada para você. Ele é o Todo-Poderoso que você acabou de insultar, pode haver escapatória? Ele é o Dono da Lei que você passou a vida inteira quebrando e quebrando seguidamente. Ele é o Inspetor de quem você tentou fugir por todas as formas, e agora que você O sente do teu lado, agora que você está preso nas mãos dEle, o melhor é dirigir o olhar pra longe, pra um lugar qualquer onde você não possa ver detalhadamente o modo como Ele vai te punir pela tua lista quilométrica de pecados.

Você até que conseguiu passar um bom tempo de sua vida provando para todo mundo que poderia ser feliz, muito feliz, fingindo que não fez nada errado. Por vezes quase se convenceu que quem errou foram as pessoas, foram as circunstâncias, foi a tua igreja. Você foi uma vítima do meio. Então partiu para um lugar onde ninguém sabia do que você fez - ou não dava a mínima para isso – e recomeçou. Conseguiu pensar que agora tudo estava bem, mas... Ele é terrível. E acabou te pegando outra vez. Só Ele sabe de todo o teu passado, das coisas escondidas, das tuas mentiras e hipocrisias. Só ele enxerga além das tuas frágeis máscaras. É... parece que só resta desviar o olhar e torcer para não doer muito.

Mas não deixe que esse recurso de fotografia pegue você. Raciocine antes de concluir qualquer coisa. Sabe aquele versículo que fala sobre o preço do pecado, que há pouco te assaltou a memória tão vivamente? Se permita lembrar o versículo todo: “porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor.” (Romanos 6:23) Lembrou? Há pessoas que passam a vida sem lembrar desse grande detalhe. Tecem todos os planos de fuga, e quando encontram Deus face-a-face (é, Ele não vai largar do teu pé tão fácil ), assinam a própria condenação simplesmente porque desviam seu olhar para longe da cena. Jamais se perdoam, precisam de paliativos para aliviar suas consciências, ou de remédios para entorpecê-las. Estão certas que para elas não há mais solução, nem há solução para este mundo, tudo está condenado a sofrer uma por uma as conseqüências do pecado.Com os olhos sempre voltados para um literal ponto de fuga no horizonte, desviam-se até o último momento de um encontro definitivo com Deus.

Mas perceba. Se você desviar seus olhos para os lados, nunca vai conseguir ver o perdão amoroso que emana dos olhos dEle. Se você desviar os olhos para cima, vai estar vendo o lugar aonde Ele quer te levar, porque teu lugar é no alto, junto do Altíssimo, e não nesse mundinho incompleto que você criou para sobreviver longe dEle, onde nenhuma alegria dura mais que a sua dor. Se desviar seus olhos para o chão, vai ver sangue ali – mas não se espante, não é o seu! É o sangue dEle, ainda escorrendo de Suas mãos que foram pregadas na cruz junto com todos os teus pecados.

Ninguém tem que carregar o preço daquilo que Ele já pagou com a vida. Você pode até ouvir algumas pessoas dizendo que, por causa do teu erro, você vai ter que amargar uma vida inteira de conseqüências desastrosas. Mas o meu Deus, é aquele que não tem prazer na dor de Seus filhos, e mesmo quando eles erram, Ele dá um jeitinho de fazer com que não paguem por todos os erros. Ora, quem conseguiria efetuar tal pagamento? Que seria de nós se Deus não amenizasse as conseqüências de nossas más decisões, e planejasse os mais variados atalhos para voltarmos seguros para o nosso lugar? Se as coisas estão ruins, acredite, elas vão ficar melhores daqui a pouco. Se as coisas parecem estar indo muito bem, ufa! Isso só prova que Ele já encontrou um jeito de te manter resguardado, até você voltar. Então, volte logo, porque nenhum lugar longe dEle é seguro para sempre.

Mas antes de tudo, lance um olhar sincero, próximo, direto para os Olhos de Jesus. Você vai descobrir ali, que a graça dEle é maior que a Lei, maior que a acusação que você lança sobre si mesmo, maior que o julgamento que os outros fazem dos teus erros, e bem maior que a força do pecado. “Porque o amor é forte como a morte”, e a morte já aconteceu lá no Calvário para que você tivesse vida. Não apenas uma vida de fugas e alegrias fugazes. Falo de vida em abundância. De paz, não como o mundo a dá (João 14:27).

Uma semana iluminada,

Luciana

Ps.: E quanto a Jean Valijean, o que aconteceu? Ora, claro que eu não vou dizer, assista o filme!!

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