sábado, 3 de agosto de 2002

O céu por um real

A cena era comovente. Meio-dia, a senhora indiferente, e ela explicando com voz de choro:

- Não, minha senhora, deixe eu ser clara... eu te-nho-que participar desse evento, entendeu?

- Senhorita, o que eu entendi bem é que você não fez a matrícula na semana passada, portanto não-po-de-ma-is participar desse evento. Não há mais vagas. Sinto muito.

- Não, a senhora não tem idéia do que eu sinto. Se eu perder a oportunidade de fazer um desses cursos de música barroca, eu posso ter um colapso nervoso. A senhora gostaria de abrir o jornal e ver que uma garota morreu de colapso nervoso porque não abriram uma vaga para ela? Meus pais poderiam processar a senhora - ameaçou a garota, insopitável.

- Pois bem, que processem - falou a senhora secamente, terminando de organizar uns papéis em cima da mesa.

- Olha - ela respirou fundo - desculpe, eu estou nervosa. Não quis ser grosseira. Sabe, eu amo música barroca. Sou completamente, perdidamente, doidamente apaixonada por música barroca. E aqui em Natal, nunca aconteceu um evento desse porte, especialmente voltado para esse tipo de música, e com professores de alta qualidade. Então, eu não posso ficar de fora se não nunca vou me recuperar desse trauma...

- Senhorita, se você ama tanto música barroca, por que não fez a inscrição semana passada?

- Mas eu já lhe disse! Eu não sabia que as inscrições eram até semana passada. Vi a propaganda, mas não reparei nas letras minúsculas que diziam o prazo de inscrição. Ontem eu vim aqui pensando ser uma das primeiras da fila, mas quando cheguei me informaram dessa catástrofe. Então resolvi vir aqui novamente, suplicar, implorar, pedir de joelhos se for o caso, para a senhora deixar eu participar.

- Não posso.

- Eu não acredito! Minha senhora, tudo bem, eu entenderia se a inscrição fosse de um valor maior, mas é apenas um real!! Um real!! Que diferença faz matricular alguém depois?? É apenas uma vaga a mais, ninguém vai reparar!

- De fato, esse valor é apenas simbólico. Não paga nem o lanche dos professores. Mas foi instituído para que os alunos se sentissem vinculados à responsabilidade de comparecer ao curso. Pagando essa taxa, eles demonstraram interesse real pelas matérias, o que a senhorita não fez.

- Mas... mas...

- Tenho que ir almoçar, com licença.

- Ouça-me, eu pago mais - dizia ela enquanto segurava o braço da senhora, que saía a passos largos em direção à porta - pago cinco reais, pago dez. Pago vinte, a senhora pode ficar com o restante. Espere um pouco!

- Por favor, me solte, se não eu chamo o segurança.

- Eu pago cinqüenta, cem reais... tá bom, eu pago duzentos, meu salário todinho!

A senhora parou, olhou a garota de cima a baixo e não pareceu nem um pouco sensibilizada com a quantia vultosa do suborno. Antes, a fulminou com um olhar que a fez ficar parada, sem reação. Depois continuou andando em direção a seu carro.

A garota começou a chorar. Estava desesperada e fazia questão de demostrar isso. Logo que se deu conta que sua última oportunidade de fazer o curso de música barroca estava indo embora, retomou os movimentos e correu em direção ao carro.

- Minha senhora, eu lhe imploro - ela soluçava - se a senhora não fizer minha matrícula eu vou acampar aqui na frente do Palácio da Cultura, e vou cantar todo o repertório de música barroca e renascentista que eu conheço, até alguém se sensibilizar com minha situação, ou até eu perder a voz!

- Faça um bom aquecimento vocal antes, disse a senhora dando partida no carro.

- Não, não vá embora... por favor...

Mas o carro já ia embora. A garota foi atrás, a princípio tentando segurar o carro, depois andando rápido, depois correndo com os sapatos altos nas mãos, jogando súplicas ao vento. Uma cena deplorável, coisa que ela só se deu conta depois que notou todo mundo da praça a olhando.

De alguma forma, esse episódio me fez pensar de novo em Deus, e no modo como se opera a nossa salvação. Quanto custa ser salvo? O apóstolo Paulo responde: "sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3: 24); "para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado" (Efésios 1:6).

A salvação é gratuita, decorre da graça de Deus. Mas há algo que precisamos fazer, e é condição sine qua non para sermos salvos. Consiste em aceitarmos isso. Deixar que a salvação concedida gratuitamente por Cristo faça parte de nossa vida, demonstrar interesse para que ela se opere. Se me permitem a comparação, seria como dar um real a Deus e em troca receber toda as promessas celestiais que Ele tem para nós. Mas um real? É, não se engane se quiserem vender um terreno no Céu mais caro. Deus realmente não precisa de nosso dinheiro, nem do nosso um real (que é quase dinheiro), mas Ele precisa que demonstremos interesse pelo Seu maior presente. Afinal, não adianta Ele querer nos dar um Céu junto com Jesus , se o Céu junto com Jesus não está entre o que mais queremos.

E como demonstramos nosso interesse? Bem, como Deus ainda não abriu uma conta bancária aqui na Terra, Ele instituiu outra "moeda" simbólica: o nosso coração. Dando o nosso coração a Jesus, demonstramos querer muito estar ao Seu lado, e participar das boas-novas que Ele anunciou, das promessas que em breve irão se cumprir. Trata-se de um compromisso que assumimos quanto aos nossos sonhos de cristãos. Esse é o vínculo entre a salvação e o ser humano: o ato de entregar o ser a Cristo, por inteiro, demonstrando nosso interesse em estarmos para sempre com Ele. Não estou dizendo que o seu coração vale um real, nada disso! Mas entregá-lo a Deus pode ser tão fácil quanto desembolsar essa quantia módica, se você o fizer movido por amor. E conhecendo a esse Deus maravilhoso, não há como não amá-lO!

Sim, a salvação é gratuita, é dom de Deus. Mas exige de nossa parte um aceite indispensável, claro e total. Uma entrega tão profunda que seja visível aos olhos de todos os passantes. E creia, o amor que provém de Deus transpira por todos os poros, é notório e contagiante.

Que nesta nova semana você possa entregar-se mais uma vez a Jesus, e renovar com Ele o pacto da salvação. Isso fará sua semana muito mais feliz. Assim como a minha, que começa maravilhosa, especialmente depois que consegui me matricular num dos cursos de música barroca, justamente o de canto, que eu mais queria. Pois é, um dia depois do incidente com a senhora da história ai em cima, os organizadores abriram novos prazos, e eu consegui fazer minha inscrição. Mas é claro, eu tinha que fazer meu drama, hehehe.

Uma semana iluminada,

Luciana

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