sábado, 31 de agosto de 2002

Quando as coisas começam a mudar

Sábado passado tivemos, como de costume, a reunião do GEA (Grupo de Estudantes Adventistas) da Igreja do Alecrim. Todos estávamos visivelmente tristes, devido à perda de dois membros muito queridos, que por motivos pessoais se afastaram do nosso convívio. Ambos acrescentavam muito em alegria e motivação, e ora, uma perda é sempre uma perda, é sempre triste, e deixa aquela sensação de membro amputado que continua a doer. Ao contrário de todas as semanas, começamos a reunião sem cantar, porque um dos membros que saíram foi justamente aquele que tocava o violão para animar o louvor. Cantar sem ele ali, significava evocar de forma mais sofrida sua ausência. Então fomos logo para a sessão de pedidos, agradecimentos e testemunhos.

Depois de seguidos “agradeço a Deus pela vida”, com um semblante triste tornando o agradecimento meio paradoxal, e depois de alguns pedidos de oração em torno sempre de nossas perdas, um dos membros mais tímidos, que geralmente nada pede, agradece ou testemunha, disse que queria falar. Todos os olhares surpresos dirigiram-se para Regineide, que ainda mais intimidada começou a narrar um dos testemunhos mais poderosos que eu já ouvi nos últimos tempos.

Regineide faz geologia no CEFET daqui de Natal, e é comum eles saírem para pesquisas de campo. Na sexta-feira sua turma fez uma dessas viagens, mas o que deveria ser só mais uma viagem para estudos, logo se tornou uma prova angustiante. Depois que o grupo realizou suas atividades rotineiras, um dos amigos de Regineide contou algo no mínimo perturbador. Ele disse que há algum tempo atrás, sonhara com essa viagem, e que tudo estava acontecendo exatamente como no sonho: os componentes do grupo, as atividades realizadas, os lugares, tudo com detalhes estava seguindo o mesmo rumo do seu sonho. Mas um detalhe que o estava incomodando muito, é que no sonho, enquanto eles voltavam, acontecia um grave acidente com o ônibus, e nesse acidente Regineide morria. Fantasia? Profecia? Coincidência? Brincadeira de mal gosto? O fato é que ninguém queria mais deixar Regineide voltar. É provável que o relato do colega dela tenha sido bastante convincente, porque até mesmo os professores começaram a inventar mil motivos para eles viajarem só no outro dia.

Porém era sexta-feira, e Regineide tinha um compromisso inadiável com Deus no sábado. “Mas aqui nós vamos passear, ver coisas da natureza, você não vai precisar fazer nenhum trabalho...”. Regineide estava decidida: ela queria estar na Igreja. “Mas é apenas uma noite, você vai amanhã cedo”. Regineide subiu no ônibus, preparada para voltar. Pode ser que na hora ela tenha dito que aquilo era só uma coincidência, que ninguém podia se guiar por sonhos, e talvez até tenha feito algumas brincadeiras em torno do assunto. Eu faria isso. Talvez você também. A maioria das pessoas aprende, ainda criança, que a melhor maneira de espantar o medo do desconhecido é chamá-lo de misticismo e tratá-lo como um fantasia da imaginação humana. Mas a gente sempre esbarra com algo na Bíblia parecido com “pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, conta os príncipes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes.” Efésios 6:12. Acho que Regineide teve muita fé em entrar naquele ônibus, e pensando bem, eu não conseguiria fazê-lo sem ao menos um leve tremor nas pernas.

Durante a viagem, de fato, ocorreu um grave acidente na estrada. Mas não com o ônibus em que Regineide ia com seu grupo. Este chegou a Natal são e salvo, sem nenhum arranhão. Comentando então sobre o “destino” diferente do sonho, o colega dela falou o seguinte: “Mas tudo ia mesmo, exatamente como no sonho, até a hora do pôr-do-sol. No meu sonho, você ia triste, sentada na cadeira com um ar desconsolado. As coisas na realidade começaram a ficar diferentes, quando você se levantou da cadeira e começou a cantar para gente as músicas que você costuma cantar no culto de pôr-do-sol da sua igreja. Daí em diante, tudo mudou, e como você vê, nada mais aconteceu segundo o que eu tinha sonhado!”. Nós todos do GEA estávamos emocionados com o testemunho dela, que nesse ponto também já não conseguia falar, com a voz embargada pelo choro contido. Nesse sábado, como todos os demais, nós terminamos cantando. E não obstante a tristeza pela ausência de dois dos nossos membros, terminamos cantando forte, com fé e poder.

Não é curioso como louvar a Deus parece combinar apenas com um coração alegre e exultante? Sim, sem dúvida é maravilhoso louvar a Deus assim, mas o louvor é também para quem está fraco, ansioso, derrotado, tentado e triste. Diria mais: o louvor é especialmente para quem está assim! Mas sejamos francos. É claro que na prática louvar a Deus quando as coisas vão mal é como seguir aquele bom hábito de beber muita água logo ao acordar e depois tomar um café da manhã bem generoso: espontaneamente não dá mesmo! Temos que ter uma boa motivação, ou do contrário nosso esforço não terá sentido.

Eu poderia citar uma porção de bons motivos para você louvar a Deus em todas as ocasiões, mesmo nas tristes. Mas a sua motivação tem que partir daí de dentro, de um genuíno desejo de agradecer a Ele, mesmo quando tudo leva a crer que sua derrota é certa. Isso significa: fé, que implica em poder para fazer as coisas mudarem. No caso de Israel em II Crônicas 20, a motivação era um exército inimigo bem a sua frente, em número assombrosamente maior, pronto a massacrá-los, cortá-los em pedacinhos, queimá-los e jogar as cinzas no rio Ganges. Estranhamente, o pequeno exército de Israel guardou suas espadas e pôs a sua frente um grupo de cantores dizendo: “Rendei graças ao Senhor, porque a sua misericórdia dura para sempre.” (II Cron. 20:20). Consegue se imaginar no lugar deles? Se já houve pessoas de fé na Bíblia, essas pessoas cantavam. Repare que, além de caminhar para um destino perigoso e temível, eles ainda tiveram que subir um monte, sem poder ver que, do outro lado, os próprios inimigos matavam-se uns aos outros. Sempre agradecendo, eles caminhavam sem ter noção do que os aguardava. E ao chegarem no alto do monte, não havia mais nenhum inimigo sobrevivente.

O recado é claro: louve ao Senhor com um coração agradecido.. Mesmo que o destino pareça amedrontador, é louvando que você demonstra fé em que Ele está agindo. E Ele está. Mesmo que, na subida do monte, você não consiga ver como Ele está fazendo isso. Há Alguém que vai muito à frente no teu caminho, preparando tudo para que você alcance a vitória. O que você tem que fazer, então, é louvar. E se a vida está em ruínas, se seus sonhos se frustraram, se suas conquistas foram tragadas, louve ainda mais forte, como se sua alma mesmo fosse um canto de louvor. Sua tarefa é continuar caminhando, e cantar com tanta fé que nem sinta seus pés doerem tanto. Os pés dEle doeram mais quando foram pregados na cruz.

Deus está entronizado nos louvores do seu povo (Salmo 22:3). É aí que Ele mora, então se quer encontrá-lo, não há melhor maneira que buscá-lo em adoração. Experimente, ao invés de parar no meio do caminho ou fugir pela tangente, continuar caminhando mesmo em meio ao vale da sombra da morte. Enquanto caminha, tente agradecer a Ele, mesmo que não tenha restado nenhum motivo a não ser a fé de que Ele vai à sua frente. Faça isso e sinta quanto poder é liberado quando você desvia seus olhos do objeto de seu medo, para o Objeto de sua fé. Meu querido amigo, acredite, é quando louvamos que as coisas realmente começam a mudar... e não seguem mais o curso daquilo que julgamos “o mais provável”, mas fluem de acordo com a realidade do amor dEle por nós. Confie um pouco mais! Habite com Ele no louvor. Começo, então, eu mesma, pedindo isso...

Comigo habita, ó Deus, a noite vem!
As trevas descem, eis, Senhor, convém
Que me socorra a Tua proteção!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Vem revelar-Te a mim, Jesus, Senhor,
Divino Mestre, Rei, Consolador!
Meu Guia forte, amparo em tentação!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Breve, Senhor, terei meu fim mortal;
É tão fugaz a vida terreal!
Tem tudo aqui mudança e corrupção,
Oh, vem fazer comigo habitação!

Se eu estiver nas trevas ou na luz,
Não há perigo, andando com Jesus;
A morte e a tumba não aterrarão!
Oh, vem fazer comigo habitação!

(Comigo Habita [Abide with me], hino 397 do Hinário Adventista do Sétimo Dia)

Uma semana iluminada,
Luciana

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