sábado, 13 de julho de 2002

Amor-perfeito

Domingo

Tem que ser um pouco romântico e muito doido para concordar comigo. Mas ele concordou. Estávamos caminhando aqui perto de casa, quando ele viu uma roseira e cismou de arrancar uma rosa para mim. Protestei que não era correto, arrancar a pobrezinha só porque ela era bonita, não senhor, que mania má essa de se apossar de tudo que é bonito: rosa, peixe, passarinho, pele de urso. Viva e deixe viver!
Ele não engoliu muito meu discurso de militante do Greenpeace, mas concordou.
Mais tarde, lá vem ele de novo. Já que não podia arrancar uma flor e me dar, plantaríamos uma. Era até mais econômico: toda vez que eu olhasse para ela, lembraria do nosso amor. Achei tão bonitinha a idéia, que topei. Fomos comprar as sementes. Crisântemos, margaridas, cravos vermelhos... mas o que melhor nos representaria?
“Amor-perfeito”, decidimos.

Segunda-feira

De repente me dei conta que nunca plantei nada antes. Fui até o mercado comprar alguns acessórios: adubo, fertilizante, pazinha de jardinagem. O mais difícil – que tempos esses! – foi encontrar a terra. Ninguém mais tem quintal nem jardim, tive que traficar a terra de um vaso da repartição onde trabalho. Não foi muito confortável fazer isso.
Enquanto remexia a terra, encontrei uma minhoca. Bichinho simpático. Batizei-a de Clotilde.
Depois que plantei as sementes, percebi que não tinha lido as instruções no verso do envelope em que elas vieram. Mas o que pode haver de tão difícil em plantar uma florzinha? Minha mãe falou que quando eu fosse regar não encharcasse a terra. Eu estou usando um borrifador de água, desses de cabeleireiro. Deve servir. Já começo a achar que a idéia dele não foi tão bonitinha: isso dá mais trabalho que eu imaginei!

Sábado

Hoje aconteceu uma coisa horrível.
Eu estava desconfiada que tinha alguma coisa dando errado. Já faz quase uma semana que plantei as sementes e até agora não nasceu nada! Resolvi mexer um pouco mais a terra, e descobri que embaixo da superfície ela estava completamente seca. O borrifador não a encharcava, mas também não regava como devia!
O pior de tudo foi encontrar Clotilde, coitada, morta e esturricada.
Amanhã vou comprar um regador.

Terça-feira.

Que alegria! Nasceu o primeiro brotinho! É lindo, verdinho, tem uma folha alongada que prenuncia uma planta maravilhosa. Nasceram também duas ervas daninhas. Feias, uma haste fininha e descorada, e duas folhinhas insignificantes. Arranquei-as na hora.

Sexta-feira

Estou preocupada. O brotinho continua crescendo com a mesma beleza e viço, mas têm nascido muitas ervas daninhas! Todo dia nascem uma ou duas, mas eu arranco a todas, não deixo nenhuma. Vou pôr mais fertilizante para ver se nascem mais brotinhos.

Um mês depois

Preocupado com o fato de não ter nascido ainda nenhuma flor, ele foi até uma floricultura e comprou um arranjo de amores-perfeitos para eu comparar com o nosso. Foi quando constatei o fato lamentável! Arranquei todos os brotos de amor-perfeito e deixei que crescesse a erva daninha!
Fiquei tão arrasada que escrevi este “Pequeno Manual Para Fazer Nascer o Amor-Perfeito”. É literatura essencial para jardineiros de primeira viagem, casais em qualquer estágio de relacionamento, e cristãos interessados em praticar os ensinos de Jesus.

1. Leias as instruções – É preciso bem mais que alguns acessórios para fazer florescer um amor-perfeito. Você tem que aprender de quem já sabe tudo sobre ele, não pode confiar só na sua intuição. E o melhor manual que já inventaram chama-se Bíblia, mais especificamente um capítulo só sobre o amor-perfeito: I Coríntios 13. Consulte-o sempre!

2. Alimente profundamente – Preste muita atenção na terra, no substrato onde você quer que cresça o seu amor-perfeito. É firme o bastante para que as raízes estejam seguras e ao mesmo tempo arejado o suficiente para que elas se nutram devidamente? Recorrendo ao nosso manual, encontramos a experiência importantíssima de quem já aprendeu a semear: a terra tem que estar livre de pássaros importunos que comem as sementes (empenho em estudar a Palavra, entendê-la e praticá-la para que o Maligno não a leve de nós), não pode ser solo rochoso (persistência, ânimo e fé para resistir às angústias), e nem pode ter espinhos que as sufoquem (as fascinações dos outros amores deste mundo impedem que o amor-perfeito floresça) (Mateus 13: 1 – 8; 19 - 23). Tem que ser terra boa! E lembre que abaixo da superfície também existe terra sedenta. Deixe que a água da vida, Jesus Cristo (João 4:14), atinja profundamente o coração. Para quê ficarmos só na superfície, borrifando nosso cristianismo com gotas de religião, quando temos a fonte do amor de Deus à nossa disposição? Vamos a essa fonte todos os dias, alimentar nossas sementes, ou elas não terão como nascer na terra seca, debaixo de uma religião superficial. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

3. Não passe por cima de ninguém – Não saia por aí matando Clotildes. Existem outros seres vivos ao redor do seu amor-perfeito. Preste atenção neles, respeite-os, e aos seus sentimentos: ele podem ajudar muito se você souber amá-los também. Em nosso relacionamento a dois, seja com o próximo, seja com Deus, há sempre espaço para amar outras pessoas e nos alimentarmos desse amor. O amor-perfeito nunca nascerá onde houver egoísmo, individualismo, egocentrismo. Ele florescerá sem ter que fazer mal aos outros. Crescerá sem machucar ninguém.

4. Cuidado com o julgamento precipitado – Não elimine uma chance de nascer o amor-perfeito. Pode ser que aos seus olhos ele pareça feio, sem graça, insignificante no início. E você se pergunte: “mas o que isto tem a me oferecer?”. Cautela! O amor-perfeito quase sempre leva muito tempo para crescer, para mostrar sua beleza completa. Se você decidir arrancar tudo que não lhe seja aprazível aos sentidos, pode ser que acabe deixando crescer só ervas daninhas! E sua terra não foi feita para qualquer coisa não. Você vai gastar tempo e desperdiçar alimento com ervas daninhas? Paixões mundanas, aventuras pecaminosas, prazeres fáceis, crescem rápido e parecem tão lindos, mas depois que criam raiz, não deixam espaço para o amor-perfeito nascer. E só mais tarde você reconhece, tristinho, tristinho, que pouco valor eles têm...

Uma semana feliz e iluminada,

Luciana

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