quarta-feira, 10 de julho de 2002

Saudade!

Hoje, enquanto o ócio me conduzia àquele navegar impreciso pela internet, encontrei o site do Milton. Embora seja um site pessoal, ele fez uma seleção bem interessante e diversificada de temas, com boas atualizações (infelizmente o site saiu do ar).

Uma das sessões interessantes, é seu blog. Ora, quem pode resistir a uma olhadela num diário, mesmo que virtual? Entre curiosas fórmulas químicas e listas de verbos em inglês, encontrei uma pequena mensagem direcionada a sua esposa, Cristiane. Linhas do mais depurado amor. Enxerto aqui um trechinho que mais me chamou atenção:

“Chego em casa, são 23 horas, venho da escola. Ao abrir a porta, minha esposa (Cris...) fala lá do quarto: "Saudade!".
O que é saudade? Com sete anos de casamento, mais quatro e meio de namoro, são onze anos e meio. Dos sete anos de casamento, aproximadamente cinco trabalhamos juntos, ou seja, ficamos juntos 24 horas por dia. Neste dia, 29 de abril de 2002, havíamos feito compras às 18:00 h. Havíamos ficado apenas 5 horas separados, chego em casa e ouço: "saudade!".
Já deitado, o sono me fugiu, e comecei a pensar que a saudade não é caracterizada apenas por "tempo e espaço", há um sentimento envolvido. Vontade de estar perto, de compartilhar, de dividir e de somar. Quando a ouvi, tive um senso de valor próprio: "sou amado!", "alguém pensa em mim, sempre!". E esse sentimento expresso em uma só palavra, num momento "meio-dormindo", sem razão considerável ou discutível, demonstra o verdadeiro amor! Sincero, sem intenções paralelas.
Saudade! Uma só palavra, mas que disse tudo. Disse que os 7 anos de convivência até aqui, são apenas um ensaio dos longos anos que passaremos juntos, felizes!
Euamoestamulher, muitíssimo!!”

Sorrio pensando: olha a preocupação do Milton em plena madrugada de segunda-feira. Enquanto todos os debates na TV profetizam uma “crise dos sete anos” para os casais, ele os comemora como se acabasse de descrever seu primeiro encontro. Enquanto alguns psicólogos sugerem soluções vazias para a tal crise, como os casais conviverem menos tempo juntos, morarem em casas separadas, ou se verem só à noite para não enjoarem da cara um do outro, ele nos conta de uma saudade grande e sincera que nasceu em apenas cinco horas de distância. E qual a resposta pra isso Milton? Você formulou a sua, falou de um sentimento. Acho que a resposta está nas reticências carinhosas que você colocou lá na primeira linha, depois do nome da Cris. Está também na sua última frase, escrita toda junta, sem espaço para respirar, esbaforido de felicidade. A resposta está no próprio amor, Milton!

Pois é, o amor, ele de novo. Que crise que nada, “fundamental é mesmo o amor”, o vínculo da perfeição (Col. 3:14). O problema é que as pessoas estão desaprendendo que tal vínculo existe para tornar o que era parte, um único todo. O amor une; nada mais simples.

A gente pode sentir falta de um monte de coisas fora de nós mesmos: lugares, pessoas, comidas, presidentes ou carnavais. Mas saudade, saudade assim como a da Cris, só sente quem ama a ponto de ser um. Ela não sente falta de um acessório ou anexo, mas de parte dela mesma, o Milton, que com ela é um único ser. A ausência dele não é menos percebida do que a que ela sentiria de um membro do próprio corpo.

Não é só romantismo da minha parte. Todos os dias, pessoas menos românticas percebem isso. O ruim, é que geralmente só notam a importância da pessoa amada quando ela não está mais lá. Não é sempre assim? Quantas vezes hoje você prestou atenção no seu nariz? Ele é um membro do seu corpo. Importantíssimo. Mas você nem percebe, a menos que o perca...

Ah, mas a gente sempre acha que as pessoas vão estar lá, com uma espécie de amor autótrofo, que se alimenta só de si mesmo. Já é tão difícil carregar os nossos próprios problemas, que preferimos adiar a saudade e pensar: “é claro que os verei outra vez.” Há quem vá mais longe, e pense simplesmente “ora, eu não preciso deles”. Mas experimente viver sem o seu nariz. Imagine-se com uma grande bochecha adicional no lugar de suas narinas. A princípio seria bem difícil conseguir respirar assim, mas com um esforço muito, muito grande, talvez você consiga se adaptar. Depois de se submeter a um período incômodo em que você descobre que a boca não serve para respirar o tempo todo, depois de desenvolver técnicas complexas, sempre acreditando piamente na desnecessidade do nariz, você conseguirá respirar pelas orelhas. Que tal? Impressionante, não? Só tem um detalhe: você terá se descaracterizado como ser humano completo, não refletirá mais a imagem de Deus. Será o homo bochechus.

Bem, a metáfora é ruim, mas acho que você entendeu o recado. Sem que haja amor nos vinculando à perfeição, tudo volta a ser parte, a ser só, daquela solidão que Adão suplicou a Deus escapar. A distância – emocional e espiritual – quebra o vínculo. Mas quando amamos, estamos irremediavelmente unidos, não dá para viver sem, para encarar a ausência como algo aceitável, natural. Por isso a definição do Chico Buarque: “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.” Mesmo a morte, a pior forma de separação, que temos de engolir, não é algo natural e aceitável, tanto que Jesus sacrificou a si mesmo a fim de termos vida em abundância, de readquirirmos o direito de nunca mais nos separarmos uns dos outros. Estar longe de quem se ama é tão natural quanto ter uma bochecha no lugar do nariz, baby. A diferença é que seu nariz não vai ficar cada vez mais fora do seu alcance se você esquecer de demonstrar que o ama (na dúvida, nada impede de fazer isso por ele agora mesmo. Só dê uma olhadinha em volta se for tentar beijá-lo, para não chamar muita atenção...)

Para estar junto assim, nem é preciso ser gêmeo siamês. Há como se estar junto, mesmo que não se veja a pessoa amada há cinqüenta anos. Como? Sentindo saudade. Mas saudade mesmo, não aquele sentimento covarde que se esquiva da própria necessidade de amar. Falo de uma saudade recheada de esperança, vontade doida de estar junto e sempre que possível, comunicação, troca, união. Na vida cristã, chamamos essa saudade de fé. É ela quem nos faz esperar, há dois mil anos pelo Amado, e nos move a buscar todas as formas de nos comunicarmos com Ele enquanto o dia da Vinda não chega... Essa fé-saudade é a base de toda nossa esperança como cristãos. Você sente saudade de Jesus?

Há pessoas que pedem: “Dá-me mais fé!”, mas isso é tão estranho quanto pedir a alguém que se ama, para sentir ais saudade. A fé, como a saudade, aumenta conforme o grau de intimidade entre as pessoas. Mais fé é resultado de um relacionamento mais chegado com Deus.

Na definição do Milton, saudade é essa vontade de estar perto, de compartilhar, é uma faceta do próprio amor. É o amor esperando, mas ainda vivo, ativo e presente acima de qualquer ausência. Não deixemos que as pessoas que amamos adivinhem o quanto elas são importantes para nós, o quanto nós as amamos com todasasletrasjuntas e bem audíveis.

Há quanto tempo você não expressa sua saudade, e não faz um carinho nas pessoas que você quer que estejam ao teu lado para sempre? Custa parecer um pouco bobo para ser um bocado feliz? Ainda que custe, eu garanto, vale a pena. Vai lá, e se não for compensador você acerta comigo depois. Mantenha o vínculo da perfeição, sinta e expresse sua saudade. E aqui também entra o Teu Deus. Que tal começar a semana dizendo o quanto você O ama e não vê a hora de O abraçar?

Luciana Dantas Teixeira
(escrito em 03/05/2002)

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