domingo, 30 de julho de 2000

Confiar e Esperar

“...Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor...” I Cor. 13:12

Esta semana tive o prazer de degustar a leitura de mais um livro velhinho e fascinante. E como toda leitura realmente prazerosa, esta foi também despretensiosa e sem nenhum interesse específico, sendo que me trouxe ao final, importantes e fortes impressões. Trata-se do livro “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas, um clássico da literatura juvenil (do tempo que literatura juvenil virava clássico). A trama é envolvente, e discorre sobre um jovem que é privado de todos os seus sonhos e esperanças estando prestes a realizá-los, passando de forma injusta e cruel, a ruminar sua desgraça num presídio de segurança máxima. Porém, depois de uma longa espera, a vida lhe deu a oportunidade de mudar o jogo e fazer justiça contra os que o traíram e atraiçoaram. Este jovem, que depois de provar o fel do cárcere e da traição, teria todos os motivos para tornar-se insensível, soberbo, frio, mas justamente por conhecer o significado de sua dor, termina a história com uma frase louvável: “Toda sabedoria humana se resume nestas duas palavras: confiar e esperar!”
Meditando sobre esta afirmação cheguei a conclusão que estas são, de fato, coisas muito difíceis de praticar hoje em dia, daí ser árduo o caminho que leva à sabedoria. Satanás também sabe de nossa fragilidade nesses pontos, pois conhece bem esta raça que desespera ao invés de esperar e aprende a trair ao invés de confiar. Esta raça cheias de extremos que necessita do equilíbrio em Cristo Jesus... falo de extremos porque, ordinariamente, nossas emoções costumam fazer nossas certezas mudarem abruptamente quando postas em prova. Vejamos alguns exemplos disso.
Já que estamos falando de condes, citemos um não tão feliz como o primeiro. No filme “Drácula por Bran Stocker”, temos uma curiosa ilustração na história de como o guerreiro Drácon vira o conde vampirão. O conde sai para guerrear numa Cruzada e deixa sua bela esposa no castelo, pedindo que ela o espere, pois em breve ele voltaria vitorioso. De fato, ele venceu a batalha, mas alguns inimigos sobreviventes enviaram uma carta falsa à doce condessa dizendo que seu marido havia tombado em batalha. A mulher, ao invés de confiar e esperar no que seu amado dissera, desesperou-se e se jogou no rio que cercava seu castelo, encontrando a morte eterna. Embora hoje eu esteja cheia de ilustrações fictícias, acho que não é difícil identificarmos tal atitude em muitos de nós no dia-a-dia. Tudo bem que nem todos se jogam no rio mais próximo – o Tietê por exemplo, mata o desejo do suicida antes que ele se mate, afinal ele não quer correr o risco de escapar fedendo... mas muitos são os que, desesperados, recorrem ao álcool, às drogas, à promiscuidade, ou simplesmente desistem de viver, se atolando na depressão, tornam-se pessoas desanimadas, negativas, invejosas, incapazes de sorrir para o futuro com alegria ou de olhar para o lado bom das coisas. Quantos, pior ainda, desistem de Deus, da sua religião, e prosseguem abatidas e vazias, mesmo que disfarçadas pela capa do nominalismo cristão... Desistir de esperar é desesperar, e entregar-se à derrota própria.
Um episódio que também traz significante ilustração, o qual me chamou atenção por ser vida real rotulada com as mãos da literatura, aconteceu hoje, quando eu vinha do estágio num ônibus. Um rapaz em pé, um pouco mais a minha frente, ostentava na camiseta negra, letras graúdas com parte do lúgubre poema de Augusto dos Anjos:

“...Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.”


Olhando a expressão e o olhar daquele rapaz, não pude deixar de sentir um calafrio me percorrer a espinha. Sua manifestação explícita traduz o que a princípio é a dor da perda da inocência, mas transforma-se num maligno instinto de sobrevivência: por desacreditar na confiança, aprende-se a trair, e a regra é encarar a todos como inimigos em potencial, que neste exato momento podem estar buscando um modo de fazer você sofrer. É muito mais difícil confiar, conservando os valores e as crenças puras, é terrivelmente mais doloroso optar pelo amor e pelo perdão. Tão calejados estão nossos corações, que a saída mais fácil e atraente é ceder à necessidade de também ser fera... um coração ferino estará sempre alerta contra a falsidade de toda demonstração de afeto, se sentirá sempre vitorioso por apedrejar a mão que afaga antes que esta o faça de tolo. E trocará o perigoso prazer de um beijo (por certo traiçoeiro) pela satisfação de um escarro na boca que, como aconteceu tantas vezes, está prestes a lhe trair. Podem até haver inocentes, mas estes são olhados com simplórias criaturas que devem ser doutrinadas a sobreviver na selva, o mais rápido possível.
Como seres pecadores mas que ainda carregam traços de semelhança com Deus, trazemos lá no fundo o desejo de crer na confiança que nasce do amor, mas o medo da decepção a qual está espreitando em cada esquina do caminho estreito que leva à felicidade, nos faz recuar. Abandonando a confiança estamos mais tristes, porém, nos sentimos mais protegidos em nossa auto-suficiência. Desistir de confiar é aprender a trair, e se entregar à derrota alheia.
Felizmente o maior Literata de todos os tempos, que também é Conde e cujo condado nada mais é que o Universo, nos deixou em seus ensinos a certeza de que toda a Felicidade humana se resume em duas atitudes: confiar e esperar nEle. Eu creio nEste Deus que cumpre suas promessas de amor e justiça, e leio claramente na Bíblia que os covardes não terão parte no Novo Lar Perfeito que nos aguarda. Para ser capaz de continuar esperando e confiando em meio a este mundo, é preciso ter muita coragem. A vitória, no entanto, está reservada a estes homens, “homens que não se comprem nem se vendam, homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos, homens cuja consciência seja tão fiel como a bússola o é ao pólo, homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus”. (Ellen G. White, Educação, pág. 57)
Os que não desistem de esperar, contemplam hoje, em parte, a salvação, a qual verão brevemente, face a face (Salmo 62:1). Os que esperam são os que deixaram seu amor falar mais alto que as injustiças, traições, maldades e mentiras dos inimigos, suas vidas refletem a paz e segurança de estarem firmados neste amor supremo, suas faces revelam que desde já eles são vitoriosos. Os que não desistem de confiar, são os que não se contaminaram com os corações ferinos, antes, seguem o Cordeiro para onde quer que Ele for (Apocalipse 14: 4). Os que confiam são os bem-aventurados que hoje choram, mas são mansos, misericordiosos, limpos de coração e pacificadores; eles serão consolados, herdarão a Terra e verão ao seu Pai, tendo saciadas a sua fome e sede de justiça. Os que confiam e esperam vencerão o mundo por permanecerem no amor.
Uma semana feliz e iluminada!

Lux Lunae

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