domingo, 9 de julho de 2000

Passando uma chuva

"Porque somos estrangeiros diante de ti, e peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra, e sem ti não há esperança." I Cr 29:15

Esta semana cheguei a uma conclusão que precisei anotar para a posteridade: você só saberá o valor exato do seu lar quando, longe dele, ficar muito doente. Embora um tanto dramática, esta é uma verdade que descobri curtindo 41,5º C de febre em cima de uma cama, tendo a gripe por companhia e a tosse por som mais próximo do humano. Bem, pelo intróito desta mensagem você vê que eu fiquei deprimida mesmo, e quem mais poderia me socorrer com o condão do ânimo e do amor? Ela! A super mamãe!
Dona Lindalva, que não podia fazer nada além de me recomendar duas dúzias de remédios naturais, alopáticos e trocentas dezenas de recomendações, fez de suas palavras, mais uma vez, o antídoto ideal para eu me sentir muito bem. Oradora perfeita que é, começou falando da sua preocupação com a gripe porque lá em Natal tem chovido torrrencialmente há vários dias, e arrematou o início do sermão afirmando: "Embora eu saiba que a situação do clima aí seja a inversa, não esqueça que você está apenas passando um chuva por aí, mas enquanto ela passa, olhe ao redor e faça alguma coisa!" E então começou a contar a história de um certo senhor chamado Paulo, hoje muito idoso, pai de um amigo católico nosso que é coordenador do grupo que ela frequenta.
Este senhor , há muitos anos atrás, veio até SP com um amigo, provavelmente movido pela falta de opções empregatícias por lá. Assim que chegaram aqui, desceram do pau-de-arara debaixo de uma chuva muito forte. Eles não tinham para onde ir, então só lhes restava correr para o abrigo mais próximo, tentando equilibrar no meio da enxurrada, os corpos franzinos carregados de sacolas. Como todo nordestino de primeira viagem em SP, eles logo descobriram que suas roupas não eram suficientes para vencer o frio, e o único lugar ao abrigo do vento forte era a frente de uma casa onde estava sentada uma jovem senhora. Eles se aproximaram respeitosamente, e seo Paulo indagou àquela senhora que, mais de perto ele percebera estar grávida, se poderia ficar ali embaixo com o amigo até a chuva passar. Ela os olhou desconfiada e calculou que talvez demorasse até aquele temporal cessar, mas consentiu gentilmente e ainda lhes ofereceu um café. O ronco da barriga de seo Paulo respondeu alegremente ao convite enquanto ele, envergonhado, falou que aceitaria pois há dois dias não comia nada. A mulher entrou vagarosamente, segurando a imensa barriga e dentro em pouco trouxe pão e café para os dois homens que não cabiam em si de satisfação. Depois sentou novamente e só então seo Paulo reparou que ao lado dela havia um grande machado e uma pilha enorme de troncos de lenha para cortar. Incontinenti, ele perguntou se poderia cortar a lenha enquanto esperava a chuva passar e ela disse que ficaria muito grata pois seu marido estava viajando e ela não tinha mais nenhum graveto para se aquecer, e o carvão do fogão já estava quase todo virado em cinzas. Os moços arregaçaram as mangas e cortaram toda a pilha de lenha. Enquanto a chuva passava, eles também consertaram a cerca da varanda, as goteiras do telhado, os degraus da escada e arrumaram e limparam toda a frente da casa da mulher. Quando garoava e o sol já começava a aparecer por trás das nuvens, eles foram se despedir, mas a mulher insistiu para que eles esperassem até o seu marido chegar, e embora encabulados e um tanto temerosos, o cheiro de galinha assada para o jantar os convenceu a ficar um pouco mais.
Em pouco tempo o marido dela chegou e reparou imediatamente que as coisas estavam diferentes. A mulher , respondendo ao seu olhar indagador, falou dos dois homens "do norte" que a ajudaram com as coisas e pediu que ele os recompessasse de alguma forma. Seo Paulo quis ir embora dizendo que eles haviam feito tudo sem querer retribuição, mas o marido daquela senhora arranjou lugar, comida, emprego e roupas para eles, que ficaram em SP por mais um ano como empregados de confiança daquele homem, com total apoio e estrutura. O marido da mulher a quem ajudaram enquanto a chuva passava , era o vice-prefeito de uma cidade do interior de SP.
Com uma voz branda e penetrante, minha mãe fez a aplicação da história: "Sei que quando vem a chuva a vontade que dá é se esconder embaixo do cobertor e ficar olhando ela cair através dos vidros da janela, mas lembre-se que não é só a chuva que está de passagem, você também está! E todo tempo é precioso no lugar em que você está; aproveite-o, olhe ao redor, descubra o que tem de ser feito e faça bem-feito, não deixe que o frio ou a incerteza quanto ao clima te desanimem. Apenas faça o seu melhor e quando a chuva passar, todos vão Ter o sol e você ainda terá uma recompensa.
Todos sabemos que espiritualmente estamos na Terra passando uma chuva. O vento castiga, o frio incomoda, os pés doem e sofremos com a ânsia de encontrarmos descanso. Jesus nos oferece abrigo em Sua Palavra e Amor através do teto da Igreja, onde podemos ficar como peregrinos que se protegem das intempéries. Mas se olharmos ao redor veremos que há muito para ser feito, e que afinal, nossa tarefa é de reparadores de brechas e restauradores de veredas; enquanto a chuva passa precisamos arregaçar as mangas e fazer o que deve ser feito da melhor forma possível. E quando o temporal se for, virá o Sol da Justiça, que todo olho verá, mas que dará a recompensa ao justo que labutou enquanto O esperava.
Uma semana feliz e iluminada!!

Lux Lunae

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