domingo, 2 de julho de 2000

De Mal Com Deus

"Jesus, porém, disse: Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus" Mateus 19:14

Sempre detestei despedidas por serem aquelas ocasiões em que nunca se sabe ao certo o que falar ou fazer. Mas a que mais me marcou em sua tristeza foi quando fui me despedir de uma prima minha de oito anos, pouco antes de eu vir para São Paulo.
Nossa admiração mútua sempre foi muito forte, e, enquanto ela projetou em mim o modelo da "gente grande" que ela quer ser, eu me orgulho da intrepidez e coragem com que ela defende seus sonhos e opiniões. Não estou bem certa do que ela vê em mim que a faça se sentir movida a me imitar, mas meu especial amor por ela cresceu do fato dela ter muito do que eu queria ser e já não consigo.
Assim, ela diz para todos que quer ter um quarto bagunçado da mesma maneira que o meu (!) e eu me declaro fã de sua impetuosidade com as palavras. Ela me pedia para que eu a ensinasse a usar a internet para que ela também passasse o domingo inteiro na frente do computador e eu suspiro querendo aprender como ela faz parecer tão fácil defender a justiça sem o menor medo ou pudor. Eu a convenci a suportar os estudos que ela tanto detesta a fim de se tornar uma boa veterinária e ela, sem saber, sempre me dava uma tremenda ajuda emocional e espiritual; eu contava meus problemas para ela e ela me dava uma análise clara e simples da situação.
Antes de eu vir ela insistiu muito para que eu ficasse e me ameaçou de todas as formas: desde entrar na minha mala até ficar de mal comigo. E como eu não cedi, ficou de mal mesmo, de modo que a última vez que vi seu rostinho, ele estava triste, choroso e com um bico "destamanho". O que fez aliviar o nó na garganta que eu fiquei diante desta visão foi a lembrança das vezes que eu mesma fiquei de mal com uma pessoa que eu amo muito: meu pai.
Eu era a "quebradeira oficial" de vasos, abajures louças, porcelanas, cristais, vidros e afins. Esta propensão para o desastre que me acompanha até hoje, me rendeu muitos castigos e, quando minha inquietude curiosa e desastrada ultrapassava todos os limites, meu pai providenciava "carões" e surras bem duros. Eu ficava com muita raiva e prometia a mim mesma que nunca mais falaria com ele, que estava de mal e lhe seria completamente indiferente, "pra ele ver o que é bom pra tosse". Acontece que o outro dia vinha e nós tínhamos por hábito recebe-lo todas as tardes ao portão, correndo e abraçando-o com força, e aí, tudo era folia e brincadeira até a hora do jantar. E nessas horas eu sempre esquecia que estava de mal com ele e corria com a mesma euforia em sua direção. Às vezes até lembrava, mas já estava abraçando-o, e então não adiantava mais... "Ah, mas ele é tão bom! Vou dar mais esta chance pra ele", eu pensava. E no máximo fazia um biquinho para ganhar mais dengo...
Depois de algum tempo, percebi que as crianças tem essa tendência natural para o perdão, porque elas não gostam de perder tempo com coisas tristes, e a sua lógica é que vale a pena deixar o amor prevalecer, mesmo que ela não consiga entender porque não pode fazer tudo que quer e ter tudo o que deseja. Acho bem provável que este seja um dos grandes motivos por que vale a pena ser uma criança espiritualmente. Depois de fazer minhas traquinagens, eu, por vezes, me aborreci por Deus permitir que eu sofresse as conseqüências delas, sem falar naquela birra infantil que nos leva a pensar que "se Deus me ama mesmo Ele bem que poderia me deixar fazer tudo o que quero sem pegar no meu pé depois". Então ficava de mal e me fechava para qualquer trégua. Mas sabem de uma coisa? É impossível ver um Deus sorrindo de braços abertos para mim logo depois de eu ter aprontado com Ele e continuar fazendo tipo. O melhor é reconhecer que eu errei e Ele tem sempre razão. O melhor, com certeza, é correr rapidinho para a paz reconfortante de Seus braços e aproveitar a alegria de ter um Pai assim tão bom.
Se você está em dúvida porque já esqueceu como é ser criança (cuidado: o primeiro sinal de que se está velho é esquecer as coisas; o segundo é...... não lembro!), vai por mim: dá uma chance pra Ele. E nem precisa fazer biquinho, porque Ele vai te amar com toda força de um Deus que é Amor. Basta que você se permita correr agora em Sua direção.
Ah! Recebi um pequeno cartão da minha prima esta semana. Ele diz assim: "Luciana, Quero te dizer que estou com saudade e queria lhe dar um abraço bem forte. Por último queria lhe dizer que te amo muito e também queria dizer que volte logo!"
Uma Semana Feliz e Iluminada

Lux Lunae

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