sábado, 27 de outubro de 2001

Sinfônica

Fazia sol, era domingo e estávamos juntos. Como há muito tempo a separação deles não permitia estarmos. Talvez fosse ajuda do cenário ao redor, que nem nos meus sonhos mais sublimes poderia ser tão perfeito: um parque cheio de verde puro e ar vivo, com os pássaros fazendo um delicioso fundo polifônico para o concerto da orquestra sinfônica.

Tudo bem que eu não poderia chamar o parque de "o mais belo", pelo simples fato dele ser o único parque daqui, mas isso não o faz menos belo. E enfim, era apenas um concerto popular, com forró tocado depois de uma valsa de Strauss, e um "New York, New York" evocando um terror impertinente a nossa atmosfera. Mas ainda assim era um concerto, em que eu e minha família - inteirinha, pai, mãe e filhas - estávamos unidos pela arte e por um nó na garganta, que a gente não desata, porque lá no fundo sabe que o amor às vezes é um choro que arde sem se ver, é nó que enforca e não se sente (perdão Camões!).

Eu tinha que estar entre os dois, para que a felicidade não parecesse tão completa. Ai de mim se ousasse sair do meio deles e fazê-los acabarem cedendo àquela evidentíssima vontade de abraçar dos seus braços. Olhei bem para meu pai, que perturbado, criticou o forró que a orquestra tocava "porque forró não fica bem tocado com instrumentos tão pesados". Eu sorri e continuei olhando. Ele olhou fixamente uma menina que corria, disse que estava lembrando de quando eu era do tamanho dela, e a danada da lágrima traiu seu olho fujão. Minha mãe estava mais linda aquela manhã. Exigiu apenas ir no banco de trás do carro, mas estava tão linda que o sorriso lhe saía fácil, fácil. Eu olhei bem para ela, e quando meu olhar já se distraía com um velhinho da platéia (aquela multidão lá na grama) que regia empolgadíssimo "O lago dos cisnes", ela me saiu com uma tirada que desafinou minha poesia e me pôs a rir:

- Parece o Titanic...

- O que mãe?? - eu disse depois de um minuto.

- Eles tocando... tão unidos... poderiam morrer tocando de tão unidos... como no Titanic.


Aí tudo se fez poesia novamente, porque eu sabia que lá dentro ela pensava em outro barco que afundara oito anos atrás. Mas sua família ali, unida por aquela música mágica que nos fazia despertar lembranças e sentimentos belos e esquecidos, resistia ao naufrágio do casamento, e estava, ao menos naquele momento, junta e unida como só a música poderia fazer, pelo poder de tocar nossas emoções.

Os textos bíblicos que se referem aos ministério dos músicos no Antigo Israel, sempre me causam arrepios "Spilberguianos"; aquela grandiosidade cênica retumbando em minha imaginação. Os livros das crônicas descrevem detalhes deste serviço, o qual era considerado de suma importância. Quando Davi dividiu os sacerdotes, e fez a separação entre os levitas que exerceriam este ministério, buscou ajuda dos capitães do exército israelita, pois sabia que a música, usada com estratégia e organização, tem um poder que sobrepuja a força militar, transcende o humano. Uma das ocasiões em que isso se demonstra está em II Crônicas 5: 13 e 14: "[os músicos] tocavam uniformemente as trombetas, e cantavam para fazerem ouvir uma só voz, louvando ao Senhor e dando-lhe graças. E quando levantavam a voz com trombetas, e címbalos, e outros instrumentos, e louvavam ao Senhor, dizendo: Porque ele é bom, porque a sua benignidade dura para sempre; então se encheu duma nuvem a casa, a saber, a casa do Senhor, se encheu de uma nuvem... porque a glória do Senhor encheu a casa de Deus". Tremendo, não?

Naquela época os playbacks, MIDIs e a cultura americana ainda não haviam dominado o mundo, portanto entendia-se que para ministrar na casa do Senhor fossem escolhidos apenas mestres em canto sacro e músicos tão comprometidos espiritualmente a ponto de profetizarem com seus instrumentos ( I Cron. 25: 1 e 7). Eles cantavam para invocar a glória de Deus, e a força que isso gerava era capaz de unir todo o povo de Israel na mais perfeita paz e harmonia.

Dá gosto ver o quanto Deus investia na música. Um exemplo, sem dúvida, a ser seguido por sua Igreja hoje. Mas uma pergunta perturbadora nos faz ir mais além: por que Deus se importava tanto com o serviço música em Israel, se Ele possuía junto de si coros de anjos que o louvam com perfeição? A resposta que mais me convence, transcende a música e o deleite que ela poderia causar no Todo-Poderoso. Deus investia e se preocupava tanto que o povo de Israel desenvolvesse a habilidade musical, porque Ele sabe do poder que a música tem para unir. Então o objetivo primeiro de Deus para seu povo era: unam-se. Era? Ainda é hoje. A mensagem é a mesma. Se infelizmente já não a encontramos jorrando da fonte da música, busquemo-la também em outras fontes, mas não deixemos de nos unir. A vitória será dada a um povo que esteja tão ocupado em unir-se para glorificar o nome de Deus, que o Senhor descerá sobre eles como nuvem de refrigério, proteção e paz.

Uma semana iluminada!


Luna

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