domingo, 11 de novembro de 2001

Composição para cordas

Uma das coisas que o interior dos banheiros femininos não permite aos homens perscrutar, é que toda mulher idealiza algo que não pode faltar em sua cerimônia de casamento. Um vestido com cauda de três metros, um bolo de dez andares, damas de honra vestidas de azul-turquesa, ou até (estas declarações são verídicas!), casais de padrinhos soltando pombinhas brancas na hora do beijo. Eu, que não perco um concerto nem pelo-amor-dos-seus-filhinhos, tenho apenas um desejo bizarro quanto ao meu himeneu: suportarei o cerimonial, transformando-o também num concerto. Dos males, o mais bonito! A única ostentação a que me dou direito é a de um belo quarteto de cordas tocando o melhor da música barroca e renascentista, naquela capelinha medieval que há tempos eu namoro.

Aceito críticas das mais românticas. Mas convenhamos, do jeito como a cerimônia religiosa vem se transformando em ostentação social, ninguém pode se espantar de ser recebido na porta da igreja por pajens distribuindo libretos de um concerto para casamento. Se meu íntimo amor pelo moço merece uma cerimônia pomposa, meu aberto amor pelas cordas, muito mais antigo, não merece menos que isso. O timbre dos instrumentos de corda sempre me fascinaram, e minha maior frustração é não tocar nenhum. Até tentei o piano por três meses, e agora, com a ajuda de um professor dedicado e paciente, me aventuro a aprender violão, visto que não se pode ter sido adolescente sem ter ao menos desejado tocar violão. Depois de dois meses de aulas, além de aprender a tocar com esmero o acorde de dó maior, observei algo com tamanha aplicação espiritual que desejo partilhar com vocês.

É difícil falar disso sabendo que este texto vai ser lido por alguns amigos físicos, mas eu quero me arriscar a falar sobre como se comportam as ondas sonoras quando as cordas vibram. Para não passar vergonha, me dei ao penoso trabalho de encarar meu "Os Fundamentos da Física, volume 2", de cujo capítulo sobre som, transcrevo esta pequena explicação: "Qualquer fonte sonora produz no ar vibrações que estimulam oscilação em corpos situados nas proximidades... pois a fonte progressivamente cede energia ao corpo". Significa na prática, que enquanto eu enrolava meu professor dedilhando seguidamente um grupo de cordas, observava que as outras também vibravam, devido ao deslocamento das ondas sonoras das primeiras, que propagando-se pelo ar, faziam oscilar todas as outras cordas, sem que meus incautos dedos as tivessem tocado. E aquela vibração se espalhava pelo violão e pelo meu corpo, transformando-me num grande acorde de dó. Amei mais o timbre daquelas cordas, quando percebi que não contentes em produzir seu belo som, me faziam sentí-lo e propagá-lo, como se alguém o tivesse tocado em mim.

Isso funciona mais ou menos assim: pôr-do-sol de uma bela sexta-feira, seu namorado enfadado de ouvir milhões de acordes de dó, toma o violão de suas mãos e começa a tocar o número 135 do hinário: "Guarda, vê se muito falta para o dia alvorecer...". Você ouve ele cantar com uma doçura tão reverente que não resiste e acompanha: "Alça a voz, alegremente, faz vibrar o próprio céu". Depois repara que um homem desconhecido parou em frente ao portão da sua casa, e da janela da sala você observa o semblante emocionado dele. Talvez ele não conheça a letra do hino, mas seu olhar se enche de um brilho terno: "Vê o Rei em glória infinda, vê o mar como um cristal!". Você sente uma atmosfera celeste ao redor, e sem fechar os olhos percebe que ao seu lado, anjos se juntam ao louvor: "Ouve as harpas, que harmonia! Ouve as hostes a cantar!". O violão dá o último acorde mas vocês dois e o homem, antes de ir embora, permanecem em silêncio por algum tempo, sentindo que o amor que foi cantado ali se propagou para além dos limites terrenos.

A primeira coisa a fazer é se colocar como instrumento nas mãos de Deus. Deixar que Ele transforme você em um cântico novo, tocando seu espírito bem e com júbilo (Salmo 33:3). Quando a sua vida começa a louvar a Deus em tudo o que você é e faz, o amor divino se propaga como onda sonora que faz oscilar e vibrar tudo ao seu redor. E o coração, esse músculo cordial, não pode passar imune ao estímulo.Pessoas que já haviam se habituado ao silêncio triste do desamor, sentirão umas velhas e empoeiradas cordas vibrarem no mesmo tom do amor que você propaga. Surpresas, elas verão acordes soando e sons acordando no sonido certo. Ainda inseguras, elas experimentarão assustadas a invasão das ondas transformadoras, tocando melodias talvez esquecidas. Mas o amor é uma composição para cordas de cuja influência não há quem fuja. Quando você se coloca como instrumento nas mãos de Deus, sua vida é tocada pelas mãos do Instrumentista e atrai muitas outras vidas para as mãos do Regente. E como espetáculo para o universo, Deus apresenta sua melhor performance : você in concert.

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