sábado, 29 de setembro de 2001

Muda!

"E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?"
(Inania verba - Olavo Bilac)


Há os que conseguem ser sempre impessoais, domar forma e dobrar o sentimento, escrever como quem faz origami. Mas se até o ícone do Parnasianismo, escola literária que reverenciava a forma em detrimento do conteúdo, se o grande Olavo Bilac deixou vazar o poema do qual extraí o trecho acima - Palavra morta, em latim - onde descreve a agonia do sentimento querendo se materializar na palavra "impotente e escrava", então amigos, eu peço licença para escrever uma vez mais com o coração.

Quem me acompanha semanalmente sabe que prefiro a idéia leve, com perfume, graça e luz, que eu associo ao onipresente amor de Deus a toda vida ao meu redor. Mas às vezes, e isso se torna cada vez mais constante, tenho a impressão que escrever assim está difícil. Eu até poderia falar "origamicamente" de crenças e convenções, sobre o que devemos ou não fazer. Mas não estaria sendo eu mesma se aqui não coubesse, com urgência e sinceridade, o bom e velho ser humano.

Esse intróito atípico, é a tentativa de justificar o que se segue neste texto, que hoje vai como história, torcendo para não deixar de ser meditação. O motivo pelo qual o receio já adentra o terceiro parágrafo, é que não é uma história minha, nem tem um final feliz, este último uma teimosa exigência romântica para eu gostar de um filme ou de um e-mail. Esta história, eu lamento, é triste, e ainda assim sobreviveu a todas as minhas tentativas de não contá-la. Por isso deixo de lado todos os vinte e cinco inícios de meditação que tentavam mudar de assunto, e me rendo ao quarto parágrafo, onde eu tento amenizar a tristeza da história fazendo-a breve. Deixo a vocês a conclusão e peço apenas que avaliem, uma vez mais, o que realmente vale a pena na vida e na religião.

Quando a vi saindo pela última vez da igreja, ela chorava, muda. Outros saíram antes dela, nenhum escondendo um sorriso tão poderoso quanto o dela, mas todos pelo mesmo motivo. A igreja era pequena, e não demorou a sentirmos falta da presença deles. Até este momento, meu mal estar era só um presságio: certifiquei-me que a porta da frente estava aberta e a de trás bem fechada, não encontrei nenhuma mancha sobre a cortina azul atrás do púlpito e reparei que até as lâmpadas foram trocadas, tornando o ambiente amplamente iluminado. Mas ainda havia frio, a sensação estranha de algo sujo sob os pés ou diante dos olhos, mas escondido em alguma sombra não visível. Eles continuavam saindo, e quando eu percebi eu também estava lá fora, perguntando em voz audível o que estava acontecendo ali ("E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo?").

A igreja morrendo e bastou que ela me contasse o seu motivo para todos os outros virem a tona. Me chamou atenção isso ser sussurrado, como a confissão de um pecado, como se fosse extremamente perigoso querer ser amado, supinamente equivocado ser humano, a ponto de ser filho de Deus, e desejar o calor de um Espírito lá distante, em Atos 2. O choro mudo. Mas Senhor, tu sabes (eu muitas vezes não), ela fala! Ela sente... e costumava sorrir.

Ela sugeriu que as cadeiras fossem postas em círculo no sábado de manhã, para que todos pudessem conversar olhando no rosto um do outro, enquanto debatiam acerca de cristianismo. Antes sua idéia tivesse sido rechaçada, rechaçaram a ela, que ousou ter idéias assim tão... . Idéias, pessoas, gente que não sabe amar o amor da Bíblia devia ao menos se ocupar de ler Platão, para saber a diferença na hora de rechaçar. Vamos brincar de fazer o que o Mestre mandou, enquanto eles não entendem seu Manual nem lêem Platão.

As cadeiras ficaram geometricamente enfileiradas, umas atrás das outras, no sábado de manhã, para que não se vissem os rostos tristes (que falta, o sorriso poderoso dela), enquanto debatiam acerca de cristianismo. As cadeiras milimetricamente enfileiradas. E vazias.

Luna.

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