segunda-feira, 24 de setembro de 2001

Sentimentalidades

Quando ele chegou de verdade, eu estava abrindo as janelas do meu quarto, tomada de uma estranha necessidade que há tempos não sentia. Só então reparei que aquela manhã, como todas as outras, tinha uma luz alegre e ventilada, que agora eu queria muito em minha epiderme meio azul, de se esforçar para reter um frio incerto, e nunca meu.

Diante do encontro com o verdadeiro, foi fácil reparar na beleza aguda das tardes. O sol das dezesseis horas, cujos raios tornam todas as pessoas muito belas, encobrindo termos biológicos que ele deixa escapar soltos, sem saber da minha desnecessidade de argumentos para tomar suco de beterraba no café-da-manhã, se isso prolongar a sensação de beleza súbita e indizível que os termos biológicos não conseguem conceituar.

Gosto especialmente das noites, quando me misturo às rosas dele, e ouço comovida seus sonhos e crenças, expostos tão firmemente como e fazia há exatos dois anos atrás, aquele olhar sentimental sobre um mundo ainda desconhecido, que faz a gente se assustar tão sinceramente com o que não seja estritamente bom e justo. É quando eu
vejo exatamente o que fui, e o abraço mais forte, desejando que nadadisso se perca com muita dor. Mais ou menos como os pais abraçam os filhos adolescentes.

Aí ele viu uma luz no céu, que parecia uma estrela cadente "vou fazer um pedido" (sem pensar na verdade amorfa e vazia dos meteoros), quando percebeu que a estrela tinha uma trajetória invertida, e subia rapidamente, ele com o pedido penso diante do que não poderia ser uma estrela ascendente.

– Uma nave espacial? Eu sorri.

– Um anjo. Que estrela iria tão rápido da Terra ao Céu? Ele, convicto.

E um riso objetivo calou-se, apaixonado, para preferir a verdade mais bonita, posto que a vida aqui já é suficientemente curta e triste (meu riso aprendeu a ser objetivo, mas ainda não deixou de ser poeta).

E o que tem você com estas sentimentalidades?

Espero que ao menos o olhar mais acertado. E não discuto cientificismos: você sempre pode escolher ver o melhor nas pessoas e nas coisas ao seu redor. Depois de vasta observação, concluí que a verdade sempre está a 5 [8.55π + (0.67)²] graus além do óbvio. E não existe nada tão certo que não possa escapar de ser absolutamente triste, sem graça ou indiferente. Balões meteorológicos, pessoas que lhe causam mágoa e dor, situações frustrantes ou ansiedades insolúveis podem mostrar a sua face surpreendente, se você decidir acreditar que isso pode ser visto de outra maneira – apesar das suas evidências – como algo bom. Não se trata de fugir pelo atalho da fantasia, mas conter seu passo apressado e seguir pelo caminho mais bonito, que é sempre o melhor jeito de chegar lá. E você vai chegar; como vai estar no fim do caminho é que vai fazer toda a diferença.

Há quem sem ache muito superior e inteligente por ser capaz de ver as desgraças da humanidade. E afia a criticidade na lâmina do pessimismo, para cortar as orelhas da sua realidade¹. Ora, isso é fácil e eu também o fazia aos treze anos. Permitindo-se crescer, chega-se a conclusão que não basta conhecer, mas "conhecer como também sou conhecido" (I Cor 13: 12). E se Deus escolheu ver em mim algo que valesse a vida do Seu Filho, eu, que sei da minha precariedade, decido ver Seu Filho em tudo e todos ao meu redor. Isso é mais que bom, é preciso. Num mundo com tantos mísseis anti-aéreos, ter paz é escolher ver hostes de anjos velando por nossas cabeças, quando eles começarem a disparar...

Uma semana iluminada.
Luna

¹ A expressão "cortar as orelhas" tem o sentido de "tornar feio". A História nos mostra algumas civilizações afeitas a "enfeiar" pessoas, decepando suas cartilagens.

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