domingo, 16 de abril de 2000

Sem controle: quando Deus manda parar

“...Não temais: aquietai-vos e vede o livramento do Senhor que hoje vos fará ... o Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis.” Êxodo 14:13,14

Era uma tarde de quarta-feira e minha mãe vinha do médico onde houvera feito o pré-natal. Enquanto segurava a mão da minha irmã mais velha, sorria satisfeita. Naquela época não era muito comum fazer ultrasonogafia para saber o sexo da criança, mas o mais importante ela sabia: seu bebê estava bem. A gravidez corria normalmente, a médica lhe parabenizara pelo desenvolvimento sadio do feto. Sete meses e tudo sob controle... haveria de ficar tudo bem, só bastavam mais dois meses e ela descobriria aquela criaturinha amada que lhe causava tantos enjôos e lhe chutava impacientemente a barriga, como que pedindo, precoce e caprichosamente, para ver o mundo lá fora.
O sol do entardecer tocava de leve aquele sorriso orgulhoso. Sim, ela era uma boa mãe. Como na primeira gravidez, soube controlar a alimentação, medicação, exercícios, consultas ao médico, e por um instante pensou que, daqui a pouco tempo, aquela sua outra mão, agora vazia, seguraria a delicada mãozinha de sua próxima criança...
Uma buzina estridente. Zoada de pneus subindo a calçada. Pára-choque prateado e frio. Uma pancada forte. A mão vazia. A parte debaixo de carro. Outra pancada forte, esta na barriga. Tão forte que pôde sentir algo dentro dela sendo bruscamente atingido. “morreu”. Alguns segundos infinitos de silêncio e o chôro de uma voz infantil. “Meu bebê morreu”. Uma lágrima na face.. que face? Não sentia mais uma parte sequer de si mesma, senão a barriga e um corpo dentro dela, inerte, a violenta pancada fê-lo parar, mas sua dor parecia gritar naqueles segundos de silêncio angustiante. Nessa confusão de sensações abruptas, perdeu a noção do tempo, e tudo que ouvia era uma voz infantil em chôro cada vez mais desesperado. Foi quando percebeu a mão vazia e que a voz era a da minha irmã. Pessoas se juntavam ao redor, um burburinho e algumas vozes exaltadas. “sim... morreu...”.
Um motorista bêbado perdeu o controle do carro, subiu a calçada e passou por cima da minha mãe, literalmente. Ela, ficou com o corpo completamente embaixo do carro e não sofreu mais que alguns arranhões. Minha irmã mais velha, então com três anos e meio, subiu, por reflexo, em um pequeno batente, e foi atingida apenas nas pernas, fraturando uma. E eu.. hehehe, eu estava lá dentro daquela barriga, e dois meses depois, nascia com mais de três quilos e uma bocarra chorona “destamanho”, para dar muito trabalho e felicidade a minha mãe. Até hoje brincamos muito, dizendo que, desde antes de nascer eu era uma tremenda cabeça dura....e que aquela pancada foi, provavelmente, a causa de eu ter nascido assim; apesar de perfeita, tão louquinha.
Naquele momento, eu morri para minha mãe. E eu tive que “morrer” para que ela reconhecesse que a minha vida dependia não dos cuidados de boa mãe dela, não da alimentação, do que ELA fizesse, que tudo isso era importante, mas minha vida e a dela dependiam exclusivamente de Deus. Ela perdeu totalmente o controle e o domínio sobre a sua gravidez, assim como, por vezes, nós perdemos o controle sobre determinadas situações na vida. Debaixo daquele carro , ela descobriu-se completamente impotente frente a todos os seus planos. Era a hora de ficar quieta, parar, e aguardar o salvamento do Senhor.
Tantas vezes eu me vi completamente imobilizada embaixo do carro da vida... fiz tudo que estava ao meu alcance, sob o meu controle tudo ía bem, quando de repente me vejo em uma situação em que não posso fazer mais nada...nada mais depende do que eu fizer ou quiser. Tenho que ficar quieta (e isso é algo realmente difícil para mim). “Por que, logo agora que estava tão perto?” me pergunto. Abro a Bíblia e lá está: "Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele tudo fará". (Salmo 37.5) e este verso nunca me pareceu tão doloroso. Abro o hinário e lá está o hino 379 me soando extremamente absurdo, embora seja tudo que eu tenho naquele momento para me consolar... “Eu tenho que fazer alguma coisa... não posso continuar de mão atadas” mas olho e as amarras ainda estão lá. Todas as situações que minha mente evoca, onde alguém perdeu o controle, me aparecem como tragédias e eu me sinto a próxima vítima. Acima de tudo que eu julguei que podia controlar, sobe uma placa vermelha da mão de Deus com a palavra: STOP. E por não confiar no meu inglês, Ele chega até mim e diz:
“Ei, EU estou a controlar. Pare de brincar de Deus, pois Eu Sou o Senhor... pare de montar seus castelos de cartas por que você está falando com o arquiteto do Universo. Pare de soltar seus barquinhos de papel na correnteza, porque fui eu quem formei e controlo o mar. E enquanto você rabisca seus planos no papel, eu sei de toda a sua vida, desde que você estava no ventre da sua mãe até o futuro que você está tentando adivinhar com suas inúteis bolas de cristal, e Eu contemplo apenas com um olhar. Dê uma olhada ao seu redor e se pergunte: o que foi que você conseguiu que Eu não te dei? Enquanto você tiver as mãos ocupadas com esses pequenos brinquedos que você chama de “capacidade”, “maturidade”, “força”, “inteligência emocional”, eu não poderei colocar nas tuas mãos os diamantes da minha sabedoria, do meu discernimento, do meu poder. E eu gostaria muito que vc parasse de ficar brincando de desbravar trilhas desconhecidas com o frágil facão da tua auto-suficiência, quando eu estou aqui, só te esperando para te levar por um caminho seguro. Oi! Olha para mim! Fico aqui observando como você fala de mim, às vezes mal a ponto de me magoar , às vezes bem a ponto de convencer pessoas que elas precisam de mim e converter tantas outras à minha verdade. Mas sabe, a única coisa que eu queria é que você olhasse para mim. Se você o fizesse, você veria que meus olhos estão buscando os seus e conseguiria perceber que todo o seu viver está sob o meu controle. Aceitaria, provavelmente, me entregar todo o seu coração e toda a sua existência, ao invés de me dar só pedacinhos e ficar com aquilo que você acha que pode apropriar-se, mesmo sendo meu, pelo preço tão caro do sangue de Jesus. Deixaria de buscar respostas e soluções próprias e teria, simplesmente, a mim.”
Aí eu percebo que não estou suspensa no espaço, mas na mão de Deus, que tem poder de ser até mesmo, ar. Percebo que não é o fim, que meu sonho já não importa, e sim o sonho dEle para mim, que tudo que eu consegui fazer até agora fora dEle foi apenas louco, frágil, pequeno e mesquinho, que minha segurança é passageira como o orvalho e todos os meus próprios meios de encontrá-la são mapas forjados, bússolas quebradas pelas minhas experiências humanas e binóculos de lentes desfocadas pela minha própria pecaminosidade. E eu confirmo meu batismo neste momento, quando morro novamente para tudo de humano que posso e renasço no amor e no poder de Deus. O que eu vinha gerando no ventre do meu coração, ressuscita não mais por meus próprios esforços, mas pelas mãos do meu Deus.
O bebê não morreu! Estou viva e vivo está cada plano que me fará extremamente feliz! Na quietude da parada obrigatória eu percebo como Deus me ama a ponto de não me permitir tomar as rédeas da situação. E volto ao refrão do hino 379, agora simplesmente...sossegando.
Uma semana feliz e iluminada!
Lux Lunae

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