domingo, 2 de abril de 2000

Deus e amor x solidão e medo

“No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor.” I João 4:18

Olá Geanos!
Esta semana relendo alguns textos e meditações do amigo Marcão reparei o fascínio dele por ônibus e transportes coletivos afins. Sorri pensando em como esses meios de transporte populares são um verdadeiro show diário, cheio de episódios pitorescos e conversas instigantes, ouvidas atenciosamente com um ar de indiferença por quem vai ao lado dos interlocutores.
Na linha 63, que faz o itinerário da faculdade para minha casa, eu vinha certa manhã, no meio dessa contemplação incidental da vida alheia. Duas jovens senhoras conversavam e uma delas, ao que me parece (pelos adjetivos nada nobres) , falando do ex-marido, disse com uma extrema amargura na voz , a certa altura, algo como:
“- Mas eu aprendi a viver sem ele. Não preciso mais dele. Na verdade eu não preciso mais de ninguém para viver. E quer saber? Eu não sinto a menor falta dele e não quero mais ninguém na minha vida. Nem o Neto. Ontem à noite ele me ligou com aquela conversa mole de que me ama, que quer me fazer feliz, que quer ser o homem que meu ex não soube ser... conversa pra boi dormir. Esse negócio de amor não existe, só com a Cassandra (SAP – novela do SBT), ha ha ha! Eu hem? Aquela cola, aquele sarrabuiado (SAP – grude), e liga, e pergunta se ama, e fica grudado o fim-de-semana todo, e manda cartão dizendo que ama, coisa ridícula! Ah ha ha! Eu quero mais é ser só!”
As risadas daquela mulher não escondiam o fel de cada palavra que trasbordava pelo seu olhar cansado, pelas marcas de dor no seu rosto.
Pensei em como nossa sociedade individualista exalta a solidão; desde a produção independente até o cobertor elétrico, da comida congelada até o concubinato, de tal modo que se você parar em frente a alguém desavisado em plena via pública, e lhe disser com convicção as palavras: “compromisso, estabilidade, partilha total, para toda a vida, alianças, filhos, casamento” você terá boas chances de ouvir um grito desesperado logo em seguida, no melhor estilo Hichcock.
Ser só hoje em dia, virou sinônimo de segurança, maturidade, independência.
Mas só quem é só sabe o quanto isso dói, ao cessar o sorriso-máscara, na hora de encarar a solidão. E aquela mulher do ônibus deve saber bem o que é folhear a agenda telefônica, discar um número pensando no que vai inventar e não encontrar ninguém em casa. Ligar a TV assim que chegar em casa, para não ouvir a voz do silêncio. Ligar o som, deixando de lado os CDs de música clássica que tanto se gosta, e agüentar o locutor de uma rádio medíocre, só para ouvir uma voz humana. Ter que dividir pela metade aquele pacote para dois de macarrão instantâneo quatro queijos, e a receita sair horrível. Clicar tantas vezes em “receber mensagem” que o mouse já vai sozinho pra o botão. Ver a foto de alguém querido no computador e encostar os lábios na tela fria.
Mas alguém além de mim e daquela mulher sabe o que é isso: JESUS. Ele sabe como aquela mulher e eu nos sentimos. Ele sabe o quanto sofremos até chegar nessa solidão – incidental ou procurada – e mais que isso, Ele quer dar completo amor e completo companheirismo. Eu só preciso não Ter medo de receber o Seu amor.
Mas pode ser mais que medo, pode ser insegurança. Pode ser simplesmente, não conseguir confiar mais, não conseguir mais se entregar nem receber amor, para não tirar os pés do chão nem a razão da cabeça... não se deixar levar pela mão de uma onda intensa de sentimentos para não perder o controle... não ser feliz, para não Ter que perder de novo essa felicidade. Não se sentir invadido para não ver os segredos mais lindos de si mesmo, pisoteados de novo...pode ser simplesmente, não conseguir mais Ter fé no amor. E se sentir agredido, sufocado, despido diante de qualquer manifestação mais pura desse enorme sentimento.
Pode ser qualquer outra coisa que você racionalize e use como escudo para te salvaguardar de uma nova (ou verdadeira) experiência no amar. Porém Jesus conhece a profundidade do teu ser e está bem do lado, com braços e sorriso abertos, pronto a sanar cada ferida, e a restaurar em você tudo que se perdeu pelo caminho... pronto para te conceder o Dom do perdão, que é o barro para que você seja recriado à Sua imagem e semelhança; em perfeita harmonia com você, com Deus e com seu próximo; seja ele quem for, tenha lhe feito o pior mal.
Cristo quer completar nosso ser, nos dando um amor completo (isso é mais que uma redundância proposital). Quer nos fazer capazes de amar de novo, com um perfeito amor: aquele que lança fora o medo, que elimina a solidão. E se hoje, nossa entrega a Ele não é total, é bem provável que seja porque nós associamos inconscientemente as nossas experiências humanas de amor, com o amor de Deus. Mas firmemos em nós, hoje, a certeza de que ainda que todos falhem, Ele não falhará.
Quando um golfinho encontra-se incapacitado para se deslocar sozinho devido a ferimentos ou enfermidades, é auxiliado por um companheiro, podendo assim continuar com o grupo evitando o risco de se afogar. Nesta situação, o companheiro não pode respirar, pois o seu espiráculo (por onde ele respira, está no topo da cabeça) encontra-se continuamente abaixo do nível da superfície, e periodicamente tem de abandonar o seu protegido para inspirar. Mas enquanto seu companheiro não estiver a salvo, ele não o abandona.
Deus é tão completo em Seu amor, que há de enviar pessoas especiais para nossas vidas, pessoas que nos ajudarão para que nós não nos afoguemos num mar de mágoas e solidão, e mais que isso, nos dêem a certeza que vale a pena viver. Disso eu tenho certeza! Tenha também! Acredite e olhe ao seu redor se permitindo ser assim abençoado. Mas mesmo o ser humano mais especial, e que mais te ame, é um ser humano: falho, imperfeito, com potencial de te fazer sofrer e chorar. E por vezes você pode sentir-se abandonado, mas talvez esta pessoa esteja somente recitando o poema de Anna Duarte:

“Estou aqui ao teu lado
E nunca vou te deixar
Foi minha alma que saiu de mansinho
E foi lá fora um instantinho
Tomar um pouco de ar.”


Nessas horas, não pense que está tudo arruinado, nem que o amor de Deus terá tais nuances de imperfeição. Ele não precisa ir lá fora respirar, pois Ele é o próprio fôlego de vida. Você não tem que ser só, nem se enganar que não precisa de ninguém. Você foi criado para ser amado, para precisar de amor, para precisar de alguém. Não se proteja; deixe que Cristo faça isso por você. E só quando você amar sem medo e desacreditar da palavra solidão, você viverá a plenitude do amor de Deus.
Uma semana feliz e iluminada!!

Lux Lunae

Nenhum comentário: