segunda-feira, 2 de março de 2009

Converte o meu intelecto

Quando eu sei que minha religião está intelectualizada? Um dos primeiros sintomas é julgar um sermão, por exemplo, conforme sua construção literária, linguística, meramente teológica e não deixá-lo entrar entre a alma e o espírito como uma espada de dois gumes (Hebreus 4:12). Começamos a selecionar as igrejas que frequetamos pela habilidade dos líderes, cantores e oradores. E ao sair de um culto que julgamos "bom", permanecemos vazios espiritualmente, mas intelectualmente satisfeitos: "Viu como o pregador conseguiu prender a platéia do começo ao fim do sermão?"

Pessoalmente eu tenho grande admiração pela oratória jesuíta. Gosto de ouvir sermões bem elaborados, e não é pecado admirar o esmero com que um pregador constrói e expõe uma mensagem, vibrar quando uma escola sabatina é bem dirigida ou alegrar-se com uma música que parece ter sido entoada por um anjo. O problema é quando nosso aproveitamento da mensagem se restringe ao campo intelectual. Esta impressão pode ser causada por qualquer música de Bach ou quadro de Da Vinci. Mas onde fica o componente espiritual da religião intelecutalizada? Ele inexiste tanto quanto nas mentes mais ignorantes. Uma bela mensagem que não é recebida espiritualmente é apenas uma bela mensagem sem poder. E se não há necessidade de poder divino, o que nos leva a professar uma religião? A necessidade de poder temporal? Hábito ou tradição? Qualquer outro motivo que não seja a necessidade de Deus nos afasta do verdadeiro religare.

Pior que viver uma vazia religião intelectualizada é orgulhar-se dela. Se pudermos admitir que um bom orador cristão exerce seu dom com arte, teremos de admitir que, para toda arte há sempre um crítico literário. E em especial o mal crítico, aquele que geralmente é um artista frustrado com muito conhecimento inutilizado pela ausência de prática louvável na arte em questão. Há, assim, dentro da Religião, aqueles que se especializam em criticar os métodos, modos, técnicas e ferramentas dos que estão ocupados fazendo algo dentro da igreja. Esses críticos se dirigem a líderes, oradores, cantores e todos os demais obreiros,e normalmente não poupam apontamentos vastos em relatórios suscintos do que podia ser melhorado. "Para a causa de Deus", complementam. Será? Uma religião intelectulizada e desespiritualizada trabalha sempre para idolatrar o Eu.

Neste sentido está todo o desapontamento de Cristo ao se dirigir a esta classe de pessoas como "sepulcros caiados", "raça de víboras", "serpentes", "assassinos" (Mateus 23). Ainda que os fariseus de hoje em dia não sejam necessariamente radicais, pelo contrário, ostentem até muita liberalidade, eles também se ocupam de matar a fé das pessoas, depois de se suicidarem espiritualmente. A questão não está tanto nas filosofias e técnicas que defendem - podem até ser conhecimentos bons em si - , mas no uso que fazem deles, para julgar e destruir ao invés de elevar, para sentir-se superior ao invés de buscar o Altíssimo.

O Pr. Rubens Lessa, num dos melhores livros que já li (daqueles que não importa quanto tempo passe estão sempre atuais), "Diagnóstico e Remédio*", cita Manuel Bernardes com uma frase contundente mas acertada: "Há uma conversação que é parte da alma; e há outra de que a alma é pasto." O intelecto sem Deus é tão impregnado de morte quanto qualquer corpo embelezado, esculpido, mas destinado ao pó. No mesmo livro, o Pr. Lessa cita também Ellen White, que também não alivia: "Quantas famílias não temperam suas refeições diárias com dúvidas e cavilações! Dissecam o caráter de seus amigos e o servem como delicada sobremesa. Um precioso bocado de maledicência é passado ao redor da mesa, para ser comentado não só por adultos mas também por crianças. Nisto Deus é desonrado"; "Enquanto isto fazem a mente não está em Deus, nem no Céu, ou na verdade; mas simplesmente onde Satanás quer que esteja - noutros. Sua alma é negligenciada"(Testemunhos seletos I p. 490, 43 e 44)

"O senhor Deus me deu língua erudita para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado" (Isaías 50:4). Homens de Deus em todos os tempos alertam de diversas maneiras: um intelecto não convertido é uma arma contra Deus. Uma mente que só se ocupa do que é carnal, é naturalmente aversa ao Espírito. Uma religião que não tem em sua essência a busca humilde do que é Divino, torna-se apenas mais um desatino humano.

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* Fica aqui meu humilde pedido para que a CASA reedite o livro. Hoje é impossível encontrá-lo, até em sebo, porque quem o lê não quer se desfazer dele. Só achei um exemplar, que coloco aqui para o caso de algum afortunado se interessar. Embora esteja na estante de "saúde" (por causa do título, bobviamente), trata de assuntos espirituais com a verve única do Pr. Lessa.

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