segunda-feira, 31 de março de 2003

Vai um pãozinho?

Não tenho olho azul, nem cabelo loiro, nem acompanhei a última novela das oito*, mas acredito que há algum italiano pendurado na minha árvore enealógica. Nada mais justificaria minha mania de cantar árias de ópera no banheiro, a vontade tresloucada de conhecer a Itália e o gosto incontrolável por massas. Ah, as massas! Tão condenadas e tão gostosas! Impossível ara mim sobreviver um dia sem comer alguma massa. Nem que seja um ãozinho no café-da-manhã.

Mas de vez em quando a coisa aperta e se a gente aqui bobear fica sem pão. Nenhuma tragédia financeira: é que quando minha mãe viaja, suas filhinhas perdem completamente o controle sobre coisas menores como comer e lavar e louça. Numa dessas ausências sentidas, me deparei várias vezes com a necessidade de usar a criatividade para amainar os apelos do estômago: pão com queijo, pão com leite condensado, pão com feijão, pão com rapadura... um menu extenso! Mas um dia ninguém comprou o pão. E tudo que encontrei foi um pacote muito suspeito com dois blocos de concreto disfarçados de pães. Eu, na minha ânsia por massas – mesmo num caso desse, em que elas deveriam estar num laboratório de engenharia civil – acabei fazendo torradinhas amanteigadas, com um gostinho... hmmmm.... horrível! Não reparei que os pães estavam com bolor. Você já comeu pão mofado? Não aconselho. O gosto mais próximo que poderia descrever essa experiência é sabor de sabão em pó com terra de xaxim. Digo, imagino que seja isso...

Mas meus amigos, curiosamente muitas pessoas hoje não só comem pão com bolor como o oferecem a outras pessoas, como se esse fosse o único alimento disponível. E não é culpa de outras mães viajantes: falo aqui do pão espiritual. E o que é esse pão? “Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo” (Jo 6:33). Segundo a Bíblia, Cristo é o alimento que veio do Céu para nos dar vida em abundância. Deus, sabendo que nossas necessidades espirituais precisam ser supridas diariamente, concedeu o próprio Cristo com sua presença animadora, restauradora e fortalecedora para todo aquele que abre seu coração ao Pão que desce do céu.

Isso não nos faz lembrar o antigo Israel também? Quando atravessavam o deserto, um lugar tão inóspito para a vida quanto este mundo o é para nossa fé, eles recebiam diretamente do céu o seu alimento, o maná. Com eles faziam pão e recebiam a nutrição necessária para continuar a caminhada. A única coisa que eles tinham que fazer era pegar suas tigelinhas todos os dias, exceto no sábado, ir até fora da tenda e pegar o maná que caía do céu. Mas algum espertinho pensou: “Ai que preguiça!... vou pegar maná para hoje e amanhã, então poderei dormir um bocadinho mais amanhã”. E o que aconteceu? O maná que era guardado de um dia para o outro, irremediavelmente apodrecia, mofava e criava vermes. Um negócio horroroso, que não descia nem com manteiga.

Eu penso que Deus tem uma mensagem bem clara aqui: “Ei, seus dorminhocos, não se acomodem. Todos os dias vocês sentem fome, então todos os dias vocês têm que ir buscar comida. Ela está à disposição para quem quer pegá-la, mas todos os dias vocês devem lembrar que a dá para vocês.”

Consegue associar? “Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu.” (Jo 6:32). Jesus, o Pão da Vida está disponível para alimentar os nossos espíritos, nossa fé, nossa religião, com a vantagem adicional de que, ao contrário do que acontecia em Israel, temos o sábado inteirinho para nos empaturrar desse alimento divino. Mas algumas pessoas tomam esse pão, enchem os bolsos e vão embora, como se isso desse para sustentar todo o resto da caminhada. A mensagem é: você precisa voltar para pegar mais pão todos os dias. Se está sentindo-se fraco espiritualmente, pergunte-se: com que regularidade você ergue a tigela do seu coração aos céus no contato com a Bíblia e a oração? “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” (Jo 6:35) Guardar o pão é uma péssima idéia: ele vai mofar e sua religião vai ficar com gosto de sabão em pó com terra de xaxim. Se quiser passar o resto da vida comendo seu pão mofado, é uma escolha sua, embora o pão diário dado na comunhão com Cristo seja infinitamente mais apetitoso. Mas, por favor, não vá pegar esse pão mofado e duro e dar às pessoas dizendo que isso é o que Deus tem a oferecer.

Pessoas que vivem uma religião ritual e aparente, que estão mais preocupadas em mostrar aos outros seus cargos, títulos e listas de regras para ser considerado um bom cristão, estão comendo e oferecendo pão com bolor. Pessoas que vivem a real felicidade de andar com Cristo, voltam todos os dias para se alimentar , e não apontam para o pão que receberam dizendo: "vejam que pão lindo e maravilhoso o meu!”. Cristãos que conhecem a paz de estar sempre satisfeitos com sua fé e religião, são aqueles que não se acomodaram em guardam o que receberam ontem, mas estão sempre buscando mais. E, depois de alimentados, saem para convidar outras pessoas famintas para a ceia.

Uma semana iluminada e bon apetit!

Luciana Dantas Teixeira

* Na época era uma novela sobre italianos imigrantes.

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