domingo, 17 de novembro de 2002

Milagrinhos

Pequenos milagres é que me fascinam. Os grandes são fáceis de ver, e já existe gente demais falando deles. Do outro lado existem pessoas que, sem poder contestá-los, convivem confortável e alheiamente com o fato de que Deus existe. Pequenos milagres exigem um olhar mais atento, e quando percebidos fazem exclamar "Deus existe mesmo, e na minha vida!". Pequenos milagres convertem. Falemos de coisas pequenas então.

Por duas semanas eu me preparei para apresentar um seminário sobre Processo Penal. Queria fazer meu melhor e para isso não poupei esforços: sacrifiquei horas de sono, lazer, deixei de estudar para outras provas priorizando esse seminário. Na noite anterior à apresentação, depois dos indefectíveis ensaios diante do espelho, olhei os rascunhos e anotações satisfeita e fui dormir. Mas por um desses mistérios insondáveis do universo, o despertador não tocou pela manhã, e eu acordei na hora exata: na hora exata em que deveria estar começando o seminário... Desesperada, pensei em todas as possibilidades de chegar até à faculdade com apenas quinze minutos de atraso, mas a única coisa que me ocorreu foi um helicóptero, e não havia nenhum por perto, então, tal qual o salmista às margens dos rios da Babilônia, eu sentei e chorei.

Estava tudo irrecorrivelmente perdido. Restaram apenas as imprecações contra meu despertador, meu sono de pedra, e é claro, umas reclamações contra Deus, que bem poderia ter me dado uma forcinha e, levando em conta meu esforço, ter dado um jeito de me acordar a tempo. Por que não? Ele não é capaz de coisa bem maiores? E não se preocupa com pardais? Por que não poderia dar uma olhadinha pra mim quando preciso? Então me entristeci conformada, pensando que Ele devia ter mesmo coisa mais importante para fazer, que detalhes da minha vida dizem respeito somente a mim, Deus não poderia se ocupar de coisinhas do meu dia-a-dia, Ele não pode ligar para as pequenas preocupações que cada filho encrencado resolve lhe jogar nas costas. "Sei lá, deve estar resolvendo alguma questão na Palestina", pensei, e liguei para um colega a fim de avisar que eu não poderia ir. Ele disse:

- Ah, tudo bem,.o professor não veio.

- An??????

- É, como ele nunca se atrasa, e já são sete horas e dez minutos, pode ter certeza que ele não vem mais.

É, ele não foi. Não tenho idéia do que o fez faltar, especialmente porque isso não é comum. Só sei que no momento que desliguei o telefone me senti a própria Scarlet Ohara em "O vento Levou", cabelos desgrenhados ao vento, maquiagem borrada, dizendo: "Jamais sentirei falta de fé outra vez!!!"

Bem, eu poderia fazer apenas o normal e exclamar: "Ufa! Que sorte!". Poderia apenas ficar com essa "feliz coincidência" e seguir meu caminho. Mas sinceramente, o que ouvi foi um Deus amoroso dizendo: "Ei, você sabe que me preocupo com as aves do céu e com os lírios do campo, mas também me preocupo com você, e no momento o que você estava precisando mesmo não era de um despertador, era dormir!!". Reconheço que minha vida é uma sucessão de pequenas e felizes coincidências, algumas das quais eu nem sei que aconteceram, outras cotidianas, mais ou menos vistosas, mas sinto que muito do que acontece em minha vida não é fruto apenas do que eu faço ou deixo de fazer. E eu teria que fazer um esforço muito grande para crer que isso são só coincidências, quando o mais evidente é que Ele cuida de mim. Sim, mesmo nos mínimos detalhes.

Mas é sempre a mesma coisa: não vemos os pequenos milagres e esquecemos os grandes. Por que não admitimos que Deus pode interferir em pequenos episódios de nossa vida e mudar decisivamente a direção ou fim de um episódio, em nosso favor? Por que preferimos chamar isso de sorte, coincidência ou intuição? Certamente admitir uma intervenção divina exigiria de nós uma resposta, nem que fosse gratidão, e não queremos sentir que "devemos algo" para alguém, especialmente quando esse alguém é Deus (fomos ensinados que não se dá nada sem se cobrar algo em troca, e sabe-se lá o que Deus pode cobrar de nós!). Ver pequenos milagres, consiste em admitir que Deus existe e está presente em nossas vidas. Até onde essa presença nos incomoda, desnuda ou constrange? Crer em pequenos milagres é bem mais difícil que crer em grandes milagres. Grandes milagres geralmente são com os outros, pequenos milagres vão insistir em me dizer respeito! Pode-se lidar razoavelmente com o fato que Deus tem o mundo nas mãos, mas quão perturbador é perceber que Ele tem justamente a minha vida nas mãos dEle! E tudo bem que se importe com a Palestina, mas como encarar tranqüilamente o fato de que Ele se importa comigo e meus menores anseios, problemas e dificuldades? E se Ele resolver me cobrar caro pelo excesso de zelo? Se quiser que eu seja mais grato que eu gostaria de ser? Se descobrir que prestando tanta atenção em mim Ele não vai ter lá um retorno tão grande em termos de investimento?

Ora, Deus quer mais é saber de amar você. E enquanto você estuda sua reação e conseqüências diante dEsse amor incompreensível, Ele vai mostrando do que é capaz um ser humano.

Venha aqui para o evangelho de João 20: 11. Lá está Maria chorando e chorando, totalmente concentrada em sua dor. "Ai, roubaram o corpo de Jesus, era só o que faltava. Não podiam tê-lo poupado de mais esse sacrilégio? Ai, se eu soubesse onde está o corpo dele...". Então Jesus aparece para ela. Sabe o que imagino? Jesus havia acabado de ressuscitar. Ele agora subiria aos céus, que em festa, cheio de júbilo e ansiedade o esperavam para honrá-lo como o Príncipe da Vida e saudá-lo vivamente, dando a afirmação de que seu sacrifício expiatório fora aceito. Jesus só tinha que subir e correr para o abraço, literalmente. O Seu próprio Pai O esperava cheio de vontade de abraçá-lo, de tê-lo de novo consigo depois de um tempo tão doloroso de afastamento. Jesus, por sua vez, estava prestes a se desprender da miséria humana e adentrar de novo no seu Lar original, cheio de glória, luz, lugar perfeito de onde ele estava cheio de saudades. Lá ia Jesus... mas ouviu Maria chorar. E deu meia volta. Foi até ela, e com todo o carinho deste e do outro mundo, dissipou-lhe a tristeza anunciando que havia ressuscitado e estava indo ver Seu Pai, deu-lhe o mais animador de seus sorrisos, e só depois de deixar Maria feliz foi que Ele continuou seu caminho rumo a um Céu glorioso... mas que podia esperar. (ver "O Desejado de Todas as Nações" de Ellen G. White, págs. 788 a 791)

Percebe? Jesus não resiste a uma lágrima humana. E uma só lágrima de sofrimento de um único filho seu é capaz de fazer Ele deixar um céu inteiro esperando, só para devolver o sorriso àquele filhinho. É esse Deus de amor que eu conheço e vejo agir em minha vida. Nenhum detalhe do meu viver é demasiado pequeno para que Ele não se importe, ou não haja quanto a isso em meu favor. Por isso me fascinam os pequenos milagres, e perante as coisinhas menores da minha vida é que sempre peço com mais ardor: "Pai converte os meus olhos para que te vejam, converte a minha memória para que ela jamais esqueça que Tu és Deus."

Uma semana iluminada,

Luciana

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