domingo, 27 de outubro de 2002

Estigmas

Passamos a vida colecionando estigmas, não adianta o quanto tentemos andar na linha. Por mais que você tenha uma conduta ilibada, a qual sirva de modelo perante a maioria das pessoas que te cercam, tem sempre alguém mais perto que conhece seus pequenos - ou grandes - defeitos e é capaz de apontá-los com precisão, mesmo àqueles que nem mesmo você sabia ter.

Veja o meu caso. Na maioria do tempo tenho consciência dos meus próprios defeitos. Às vezes sou preguiçosa, impaciente, perfeccionista, e perco todas as canetas que me chegam à mão. Tenho, ao longo dos anos, buscado trabalhar nesses defeitos, muito embora continue colecionando erros e tampas de caneta solitárias. O curioso é que quem me conhece, mesmo depois de muito tempo, não consegue perceber com facilidade os defeitos que eu reconheço em mim. Por isso sempre me surpreendo com pessoas que elogiam meu empenho, paciência e maleabilidade. E ainda mais com as que me pedem canetas emprestado!

Mas a família possui uma habilidade admirável de achar aqueles defeitos que você nunca reparou, ou ao menos se esforçou bastante pra esconder. E o pior de tudo, é que os estigmas são formados justamente graças a essa habilidade. "Eu? Claro que não sou desastrada. Não, não lembro de deixar a luz acesa quando saio. Nunca destruí o coração de ninguém, que coisa! Não reparei que abro a geladeira toda hora, minhas refeições são bastante regulares. Eu não ronco feito um caminhão desgovernado!". Não adianta. Você provavelmente entrará para a posteridade como uma mulher desengonçada, pródiga, sentimentalmente perversa, com apetite descontrolado e o ronco mais aterrador da árvore genealógica.

O pior do estigma, é que ele é indelével. Quando você ousa ir contra ele, todos reagem como se estivessem assistindo a um novo ataque terrorista via CNN. Conhecida como a nerd que só ouve Mozart e Bach? Nem pense em se apaixonar! Se te pegam ouvindo Fagner, terá de suportar pelo menos meia hora de gargalhadas histéricas. Hoje, por exemplo, só porque eu comentei com a maior inocência do mundo que ía limpar meu quarto, sucederam-se vários comentários exaltados do tipo: "Nuuuuussa, salvou-se uma alma!!", "Gente, ela tá doente!!", "Hein??? Preciso de um cotonete...". Ora, ora, tudo bem, não tenho vocação pra Amélia, mas eu limpo meu quarto com regularidade, sim! É tão chato quando as pessoas te julgam incapaz de fazer algo, só por causa do teu histórico! Nós não somos robôs programados. Somos seres em constante mutação, passíveis de mudar e escolher um caminho diferente. Capazes de absolutamente tudo, inclusive de fazer o que menos se espera de nós. Digo, capazes de fazer as coisas certas! As coisas boas e nobres. Por que não? Capazes de amar! E de limpar o quarto!

Felizmente existe a piedade divina. E um Deus que não estigmatiza seus filhos. Ele não nos conhece como "o cara mais mentiroso do pedaço", "o crente que só ser certinho mas no final faz tudo errado", ou "a garota do ronco de 500 decibéis". Não nos chama por alcunha, nem nos julga por nossos históricos, não importa o quanto eles não nos recomendem. Não nos conhece pelo que fomos, ou pelo que dizem de nós, mas pelo que podemos ser. E quando permitimos, somos "justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3: 24). Os estigmas que interessam para Ele em nossa história, são apenas aqueles que Ele carrega em Suas mãos.

Uma semana iluminada,

Luciana

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