domingo, 20 de outubro de 2002

Da eternidade

É provável que eu já tenha falado isso antes, pode ser que você já o tenha ouvido também, e com certeza muitos falaram isso antes de mim. Mas eu insisto: falta-nos ainda a eternidade.

Há quem só consiga divisar tristeza e miséria neste mundo, mas eu ainda lembro com ternura da primeira citação de Ellen White que li, pouco antes de me batizar na igreja adventista: "O mundo, embora caído, não é todo tristeza e miséria. Na própria natureza há mensagens de esperança e conforto. Há flores por sobre as ervas daninhas, e os espinhos estão cobertos de rosas." É por causa dessas coisas que admiro a velha irmãzinha White. Me alegra partilhar desta visão cristã do mundo. Ainda há beleza, alegria, amor, felicidade, ainda há uma vida maravilhosa pulsando lá fora. Triste e miserável é quem tem olhos e não vê essa realidade.

Como se não bastasse toda a beleza deste mundo, Deus ainda nos fez capazes de melhorar e até mudar aquilo que está feio e defeituoso. Muitos preferem a religião confortável, que prega que o mundo não tem mais solução, e todos os problemas são fatos consumados, que as profecias determinam que já não haja amor nem bondade, que tudo está perdido e o que podemos fazer é aguardar Novos Céus e Nova Terra confinados aos limites dos nossos rituais. Mas eu tenho fé numa religião pregada por um Deus poderoso e ativo, inconformado desde sempre com o erro, o Deus que resolve os problemas ao invés de apontá-los alheio, e usa todos os instrumentos para fazer nossa vida aqui melhor. Um Deus tão convicto de seus ideais para conosco que atravessa séculos e séculos acreditando no ser humano, mesmo vendo os seres humanos acreditarem cada vez menos nEle.

O que a Bíblia fala sobre fé e cristianismo, diz muito mais respeito ao que podemos ser aqui, ao que podemos fazer uns pelos outros e pela causa da Justiça. A autêntica esperança cristã não espera sentada num banco de igreja por um mundo de delícias, mas transforma o mundo ao seu redor de modo a fazê-lo, desde já, o melhor lugar onde alguém poderia sonhar estar, sem ruas de ouro, é certo, mas ainda assim um lugar de paz onde Deus habita e o amor aquece suavemente.

Olhar o nosso mundo assim, como um lugar muito belo e bom, exige de nós um plus de sensibilidade, fé, trabalho e poesia. Exige coragem para realizar sonhos e sustentar crenças, exige também franqueza para admitir que nunca estará bom o suficiente, e a força dEle para impulsionar quando ninguém, mais ousar crer. Mas vale a pena, porque ser humano e não aproveitar o que há de nobre em nossa condição e belo em nosso mundo, é, no mínimo, um desperdício nada inteligente.

E se o fizermos então? Se aproveitarmos cada momento de felicidade, corrermos atrás de cada segundo de alegria e abraçarmos nossos sonhos fortemente, estaremos enfim completos? Pois é aí mesmo que eu suspiro: ainda não. No fim de tudo nós chocamos novamente com a lacuna, que se instalou no nosso peito desde que perdemos algo especial lá no Éden. Ai, ai, falta-nos ainda a eternidade. Não só para nós, mas para o nosso mundo. Mesmo as flores por sobre as ervas daninhas murcham, e lá se vão a alegria, a felicidade, o riso, a rosa. Mesmo quando sentimos que fizemos a nossa parte, e nosso mundo ao redor parece estar bem, lembramos que existem tantos outros mundos não alcançados por nossa boa vontade, lugares que só Ele pode atingir para fazer o bem ser completo. Quanto ao mais, a fé até fica, mas o trigo que ela regou morre (e há que morrer para virar pão). A esperança até permanece, mas os templos que ela ergueu, ruem à medida que o tempo passa sobre eles. E o amor, sim, o amor fica. Mas - que desgraça - investem dolorosamente contra ele, o egoísmo, a morte, e os aviões.

A efemeridade é uma doença pungente encravada na vida humana. Tudo passa e todos passam com pressa, em busca de coisas que se consomem cada vez mais rápido: veja o culto do meramente estético, veja os móveis à venda, veja as fotografias, veja sua coleção de medalhas, CDs e conquistas pessoais, veja o que você se tornou em face de tudo o que você sonhava.

Não é por isso que eu vou deixar de colher o momento, espero que você também não. Há muito para ser feito e vivido, há uma imensidão de vida urgindo nossa entrega intensa em prol da felicidade aqui. Mas não nos enganemos, queridos, que mesmo nos nossos mais belos quadros de felicidade, haveremos sempre de descobrir a falta de uma cor desconhecida, cujo nome é eternidade.

Que no ofício de viver - resumido afinal em buscar - possamos ao menos driblar a efemeridade construindo tudo que somos e cada momento que vivemos sobre o único alicerce Eterno. A busca não se completará aqui (não esqueça, buscai e achareis), mas alcançaremos nEle uma solidez segura. Porque enquanto o mundo humano não for perene, só Deus completará, com Sua eternidade, a lacuna insaciável que há em nós.

Uma semana iluminada,

Luciana

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