sábado, 28 de setembro de 2002

Intervenção

Somos três irmãs aqui em casa. Todas tem uma miopia acentuada, mas a mais nova, por um desses mistérios entre o céu e a terra, não pode usar nem óculos nem lentes de contato corretivas. A solução, portanto, foi a cirurgia. Em casa ficamos todos apreensivos (e completamente quebrados financeiramente), mas graças a Deus tudo deu certo, e hoje ela veio me contar os detalhes da operação – com o que conseguiu me convencer a usar lentes de contato para o resto da minha vida.

- Cita, primeiro ele coloca uma coisa assim que puft! Escangalha o olho. As pálpebras ficam arregaçadas e eu tive quase certeza que meu olho estava saltando pra fora. Aí ele enfia uma agulhinha, uma vez, outra vez... fura o olho todo, e tira o líquido de dentro dele. E ao mesmo tempo vai enxugando a córnea com uma espécie de gaze, e enxuga e enxuga, e eu comecei a fica agoniada com aquilo e “aaannnn” comecei a chorar... mas Cita, você não acredita, a lágrima não descia, eu acho que é porque ela entrava no buraco do olho ao invés de sair. Então quando eu achava que tinha terminado aquele suplício, veio o laser e “tchum tchum tchum” fatiou meu olho em pedacinhos. Cita, é sério! Subiu uma catinga de carne queimada!!! E eu desesperada com vontade de sair gritando, e o médico disse: “não se mexa se não o laser corta seu cérebro”. Acho que ele disse brincando, mas na hora eu não achei que ele tava brincando não. Então eu fiquei quieta né, até porque se eu corresse, meu olho podia ficar pendurado lá naquela coisa...mas deu uma coisa ruim, e eu aguentando, e não doía, mas me deixou tão aperriada que eu tinha vontade de gritar. Aí o médico dizia: “fale comigo”, e eu fazia “aaaaannn”, e ele me chamou de chorona. Então começou a me contar que tava estressado, que colocavam a culpa de tudo nele, que ia dar a maior confusão porque ele chegou atrasado, mas ele não tava nem aí, e se viessem reclamar ele ía quebrar tudo, e o homem começou a ficar nervoso, Cita, e eu pensava: “meu Deus, e se ele resolve se vingar me cegando?”, e ele continuava ali, falando afobado e fazendo a cirurgia como se estivesse cortando um bife na cozinha da casa dele. Ele ficava pingando um colírio o tempo todo no meu olho para dilatar a pupila, pingava, pingava, pingava, eu tomei um porre de colírio, porque ele descia pelo buraco do olho, entrava no nariz, depois na boca e eu engolia... fiquei muito doidona de tanto colírio que engoli, Cita! Aliás hoje de manhã acordei com uma dor assim no meu coração, mas não foi do colírio não, era gases...

Confesso que quase chorei com a descrição minuciosa dela. Nunca levei jeito para essas coisas de corpo humano, cortes, bisturis e afins. E só de imaginar alguém pegando em sangue ou mexendo numa coisa sensível como um olho já me dá arrepios, vontade de gritar também. Mas enfim, essas coisas são necessárias... minha irmã concluiu toda feliz:

- Ah, Cita, faz também! Quando termina você se sente um mestre pokemón porque consegue suportar tudo aquilo sem sair correndo... e depois fica vendo tudo melhor, brilhando, brilhando, olha que céu mais lindo!

Bem, ainda não foi um argumento bom o suficiente para me convencer a enfrentar o raiozinho assassino, mas me fez pensar numas coisas aqui com meus botões.
O processo de santificação exige que nos coloquemos por inteiro nas mãos de Deus a fim de sermos transformados à semelhança do Seu caráter. Você não é obrigado a isso, Ele te ama de qualquer forma, mas você reconhece – porque O ama – que cristianismo pede crescimento. Ser cristão não é um momento, é uma vida inteira. E à medida que nos aproximamos dEle, não temos como nos conformar com nossas deformidades, nossos paliativos. Queremos a liberdade de ser inteiramente dEle.

Reparar esses defeitos, no entanto, não é algo fácil. Às vezes é necessário perder, renunciar ou agüentar um pouco mais, mesmo que a vontade seja de sair correndo e gritando em direção oposta. Mesmo quando você tem fé suficiente para não sentir dor, é impossível não se sentir incomodar quando as transformações começam a acontecer. Paciência! Você passou uma vida inteira sendo meramente humano, não é sem algum esforço que alcançará a natureza celestial. Só para lembrar: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio...” (Gálatas 5: 223 e 23). Há mesmo momentos em que a intervenção divina parece brusca ou violenta, que Ele está sendo intrometido demais, ou que, puxa, não dava pra deixar eu viver um pouquinho mais minha miopia?... mas há escolhas que não se podem adiar, que podem pesar bastante na sua saúde espiritual. Decisões – difíceis – que só podem ser tomadas agora, ou nunca mais.

Se você decidiu seguí-lO, vai chegar o momento de sentir a intervenção divina de alguma forma. Estranhar Seus métodos é normal: talvez demore muito tempo para você ter capacidade de entendê-los. Também não funciona querer escolher os lugares onde você acha que Ele pode intervir. Suas mãos precisam tocar mesmo os lugares mais sensíveis, como os olhos e o coração: para que você veja com os olhos dEle, para que você sinta com o coração dEle, para que você seja o que Ele sonhou para você. E ser qualquer coisa fora disso é uma mentira.

O segredo é sempre o mesmo: “não temas, crê somente!” (Marcos 5:36). Resista, que a prova vai passar, e você pode suportar, senão Ele não permitiria que fosse assim, pois tocar você é tocar a pupila dos olhos dEle (Ui! Ui! Que agonia! - Zacarias 2:8). Fale com Ele, chore, grite se for o caso, mas deixe que Ele te transforme num ser mais elevado, enobrecendo seu caráter defeituoso, que, cá pra nós, a gente pode ser bem mais do que temos sido aqui. Quando a intervenção passa, você se torna mais forte, e depois fica vendo tudo melhor, brilhando, brilhando, olha que céu mais lindo!

Uma semana iluminada!

Luciana

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