domingo, 15 de setembro de 2002

Como manda o figurino

Por esses dias eu terminei de montar um mural de fotografias no meu quarto. Foi uma idéia divertida, e selecionar as fotos foi um prazer à parte. Reencontrei muitas faces de mim mesma, e uma das que me traz saudades em particular, é a da menina de cabelos partidos no meio e vestidinho vermelho de babado. Eu amava esse vestido.

Minha mãe, por um bom tempo, era quem costurava as nossas roupas. E acompanhávamos passo-a-passo a confecção, desde o corte, quando ficávamos absortas como o modo como ela manejava aquela grande tesoura, até o acabamento, com as agulhas pregando botões e zíperes, provas e alfinetes. Gostávamos de pegar os retalhos que caíam da máquina e fazer roupas pra nossas bonecas. Bem, pareciam roupas aos nossos olhos.

Por isso, ganhar um vestido novo era uma festa que durava dias. Mas não sei bem porque, por aquele vestido vermelho eu me apaixonei particularmente. E o achava o vestido mais bonito que eu jamais usara, apesar de sua simplicidade. Eu queria estar com ele sempre que pudesse, em todos os lugares, eu e meu vestidinho vermelho - o grande caso de amor da minha infância.

Acontece que um dia lavaram meu vestido e eu fui para casa da minha tia sem levá-lo (a gente sempre levava uma “roupa de sair” para vestir à tarde, depois de tomar banho, para esperar os nossos pais). Se era para eu estar sem meu vestidinho vermelho, eu preferia não vestir roupa de sair.

À tarde minha tia sentenciou: “vamos para a pizzaria”. Aquilo em outra ocasião seria uma festa. Vi todos os meus primos e primas se arrumando alegremente, e eu fui ficando cada vez mais desesperada. Todo mundo iria menos eu? Olhei para minhas sandálias havaianas, e em seguida para o sapatinho de verniz da minha prima. Olhei para minha saia de bolinhas com um furinho do lado, e botei o dedo no furinho enquanto pensava. Era melhor não ir. Foi aí que minha tia fez a pior coisa que uma tia poderia fazer com uma criança de oito anos. Ela me obrigou a ir também. “Mas assim, como eu tou?”. Exatamente, “deixe de besteira e venha, que você não vai ficar aí sozinha”.

Desci do carro de minha tia reparando em como todo mundo estava super bem vestido – naquela época pizzaria ainda era novidade aqui em Natal: era ristoranti italini . Quando entrei naquele prédio assustador com meus primos, uma menina de vestido belíssimo e sandália branca brilhante vinha saindo com os pais. Nunca esqueci o olhar da menina em minha direção. Ela arregalou bem os olhos, olhou de cima a baixo e piscou forte. Eu baixei a cabeça e acho que não vi mais nada a noite toda. Passei todo o restante do tempo com o dedo enfiado no buraco da minha saia e tentando manter meus pés bem escondidos embaixo da mesa. Nem sei se comi pizza, e se comi não acho que tenha tido algum gosto. Lembro vagamente das risadas de meus primos se divertindo enquanto eu olhava a toalha da mesa, que era vermelha, e me fazia pensar no meu vestidinho pendurado no varal...

Ai, deu até vontade de chorar lembrando disso de novo, chuinf. Talvez por causa desse episódio lamentável eu sempre tenha sentido um nó na garganta quando leio o capítulo 22 de Mateus. Sei exatamente como é a sensação de estar numa festa com o traje equivocado. De ter a roupa ideal para ser usada mas estar sem ela quando se mais precisa. Ah, sei como é desagradável!

Somos chamados a participar de um banquete, onde a verdade e o amor são os pratos principais. E a roupa para estar nessa festa já foi preparada por Jesus, com o carinho de uma mãe que veste os filhos. Essa roupa é o manto de justiça que nos torna dignos de estar na presença do Pai. Foi um cordeiro que, no Éden, foi sacrificado para que sua pele pudesse cobrir o pecado de Adão. Foi também um cordeiro, o Cordeiro de Deus, que foi sacrificado na cruz para que nós pudéssemos cobrir nossa nudez de virtudes, com a Sua graça redentora. “Aconselho-te que de mim compres... vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez.” Apocalipse 3: 18.

Essa veste que está preparada para nós sob medida, não é uma capa que se usa aos sábados pela manhã e depois do culto se pendura dentro do armário. Temos de nos manter vestidos com ela o tempo todo, para que Ele não nos apanhe em nossos trajes pobres de justiça e esburacados pelo pecado. Cristo já fez Sua parte: preparou nosso traje. Mas... e nós? Estamos usando a veste que Ele nos preparou, tecida com Seu sofrimento, costurada com Seu amor e tingida com seu próprio sangue? Ou preferimos usar nossos trapos, que não obstante nos darem a sensação de eles somente bastam, não escondem nossa verdadeira condição miserável, pobre, cega e nua? Não faz sentido que estejamos pobremente vestidos: Deus convida que nossa igreja lavar as vestes no sangue do cordeiro (Apocalipse 22:14). Só assim podemos nos apresentar dignamente perante Ele.

Sem meu vestidinho vermelho, não teve a menor graça participar do banquete na pizzaria. Se nossas vestes de cristãos – tudo que dizemos, fazemos, pensamos e representamos – não passarem pelo vermelho justificador do sangue de Cristo, o banquete que Ele tem preparado para nós também não terá nenhum sabor.

Uma semana iluminada,

Luciana

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