domingo, 19 de agosto de 2001

Para salvar

Outro dia li em alguma crônica por aí, uma pergunta perturbadora: Você já presenciou um inseto morrendo de morte natural? Já viu uma mosca, barata ou pernilongo morrendo solenemente de velhice? E as borboletas, passarinhos e joaninhas? Sabemos que eles morrem, e até contribuímos deveras veementemente para o extermínio do primeiro grupo, mas não costumamos cruzar com um desses bichinhos morrendo sem nenhum motivo aparente, simplesmente pousando e expirando poeticamente, do mais profundo de suas entranhas intactas.

Pois esta semana tive o privilégio de presenciar – pela segunda vez! –a morte natural de um desses misteriosos animaizinhos. Eu esperava o leite ferver quando vi a pequena abelha pousar sobre a pia e, cambaleante, cair de lado mexendo sofregamente as patinhas. Me aproximei com uma cara que deve ter tirado a paz do seu derradeiro momento, e investiguei se ela estava machucada. Mas a abelha estava intacta, toda a sua anatomia no mais perfeito estado. No entanto, ela morria a olhos vistos. Então lembrei que não era a primeira vez que isso acontecia...

Há vários anos atrás, eu e minha irmã presenciamos a mesma cena, onde uma outra abelha moribunda protagonizava uma morte agonizante. Nós assistíamos desesperadas o modo como se contorcia, caía, tornava a equilibra-se, para voltar a cair. As patas, inquietas, mexiam como que pedindo ajuda, mas nós não conseguíamos ver nada que pudesse ser remediado. Nenhuma asa faltando, os meigos olhos sãos, o corpo peludo incólume. Foi quando nos demos conta que a abelha poderia estar morrendo de... fome!! Como não nos demos conta antes!! Corremos até o jardim que minha mãe regava carinhosamente todas as manhãs, e arrancamos meia dúzia de suas margaridas preferidas. Colocamos as flores em volta da abelhinha, e empurramos as corolas em sua direção.

Ora, qualquer abelha do Walt Disney acharia aquele pólen suculento, e se fartaria, sorrindo logo em seguida em nossa direção. Mas a abelha se esquivava, arrastava-se com dificuldade contra as flores, recusava o bálsamo que lhe dávamos, o que nos levou a concluir que aquela abelha sofrera uma desilusão amorosa e queria mesmo morrer! Jamais aceitaríamos que ela poderia morrer de morte natural. As flores, com efeito, serviram de coroa ao seu breve e estranho óbito.

Depois de algum tempo, eu entendi que o ser humano não aceita a morte. Há teorias e correntes filosóficas contrárias a esta idéia, mas o fato é que instintivamente buscamos a vida. Nosso corpo e mente estão condicionados para isto. Por isso sempre reagimos em presença da possibilidade de um óbito, não importa o quanto o noticiário das seis a banalize. Quando conhecemos a Cristo, a Fonte de toda a Vida Verdadeira, é instintivo querermos levar todos os seres a viverem também. Nós, que um dia padecemos sob o jugo do pecado e da morte, sabemos e desejamos que outros saibam como é maravilhoso viver em função de uma Eternidade onde haja vida em abundância.

Mas tenho reparado que por vezes agimos como crianças que, sem reconhecer a real necessidade do ser humano, buscam oferecer-lhe aquilo que, acham em si mesmas, dará salvação a quem beira a morte. Podemos até achar que um corpo de doutrinas perfeito, argumentos racionalmente sólidos, e provas de que pertencemos a religião que prega a Verdade, sejam o que haja de melhor para oferecermos aos nossos semelhantes que morrem por falta de cuidados espirituais. Mas embora todas essas coisas sejam importantes, não são a prioridade em nossos dias, onde tantas pessoas perecem por falta de uma única certeza que lhes dê Esperança. Todas essas coisas serão procuradas espontânea e pessoalmente por aquela pessoa que já teve sua vida salva num Nome Renovador: Jesus Cristo.

Não quero contestar a beleza e perfume das flores que temos oferecido como testemunho da nossa fé. Apenas espero que meditemos se elas têm servido às necessidades mais profundas do ser humano, ou apenas enfeitado sepulturas. Vale a pena pensar que, enquanto dois terços da humanidade tenta disputar com quem está a verdade, e se divide, e dissente, e reclama para si a razão de sua crença, um terço inteiro desta mesma humanidade nunca ouviu o nome de Jesus Cristo.

Neste momentos há pessoas morrendo sem que nós digamos a elas Quem é a Vida. Quando elas descobrirem onde está a Vida – pode ficar tranqüilo – elas também descobrirão o Caminho e a Verdade (João 14:6). E plantarão flores sobre a Rocha.

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