segunda-feira, 4 de junho de 2001

Um compromisso com Margarete

Eu estava em um Sábado realmente atarefado. Passei a noite de sexta-feira preparando detalhes da escola sabatina e pela manhã bem cedo estava na igreja para providenciar que tudo estivesse em ordem. Participei da classe de professores, regi os momentos prévios de louvor, certifiquei-me que os responsáveis pela abertura haviam chegado, tudo conforme eu planejara.

Depois de debatida a lição semanal com minha classe, me dirigi apressadamente até a mesa de som, e enquanto confirmava a música especial que seria cantada para as visitas, dava as últimas instruções às pessoas que fariam o encerramento da escola sabatina. Já sentia aquele gostinho satisfeito de missão cumprida: agora eu só tinha que reger a congregação no hino final, dar os avisos com respeito às programações da tarde, fazer o serviço de cânticos congregacionais e sentar (que momento aguardado!) para assistir o sermão. Foi então que apareceu Margarete.

Não vi quando ela chegou, mas ao levantar os olhos me deparei com seu rosto quase colado ao meu. Sem dar tempo para que eu reagisse, ela segurou meu braço e me olhou tensa, os lábios trêmulos murmurando que precisava falar comigo. Nesse momento estavam anunciando o hino final, que eu deveria reger, com aquele braço que Margarete prendia. Suas mãos me apertavam com força, me machucavam, como se quisessem também eles me falar de uma grande dor. Eu a olhei com ternura e espanto, e tentei dizer que falaria daqui a pouco, assim que...

- Não! Eu preciso falar com você agora! – disse ela enquanto grossas lágrimas desciam de seus olhos – você falou de oração, disse que Deus ouve a oração feita com fé, citou vários homens que oraram e receberam uma resposta! Eu preciso que você ore comigo, eu não sei mais o que fazer...

A essa altura eu também não sabia o que fazer. A plataforma que encerrara a escola sabatina olhava para mim esperando uma atitude, provavelmente sem entender a presença daquela mulher desconhecida ao meu lado, me impedindo qualquer ação. E eu permaneci dividida entre a aflição deles e de Margarete, que sem o menor pudor, segurou agora meus dois braços e contou-me que viera à igreja naquela manhã fugindo do marido, mas tinha medo de voltar para casa com sua filha. Ele bebia muito, e ficava violento, tinha ameaçado-as de morte. Enquanto eu cumpria minha tarefa de professora da classe bíblica, Margarete ouvira eu falar do poder da oração, e se convencera que seu caso tinha solução. Eu, sem perceber, lhe mostrara um feixe de esperança, e agora ela exigia, reclamava, implorava que eu lhe desse mais, e provasse que aquelas palavras também eram para ela.

A igreja começava a se agitar, e um burburinho de cabeças inquietas fez um dos irmãos que estavam na plataforma encaminhar-se até nós duas, me inquirindo com olhos angustiados sobre o que estava acontecendo. Ele me estendeu o hinário aberto. Eu me ajoelhei ali mesmo com Margarete. Segurei suas mãos tentando lhe passar toda a segurança de que ela precisava, e orei com toda a calma de que seu coração tinha sede. Enquanto orava, senti que o Espírito Santo me fazia interceder por ela com palavras certas, as quais também me encheram de infinita paz. Quando tornei a olhar para Margarete, ela sorria o sorriso. O irmão que trouxera o hinário, também, enquanto terminava de cantar com a igreja a última estrofe do hino.

Ainda tive tempo de lembrar do apóstolo Paulo, que como eu, andou por uns tempos meio estressado por causa da Igreja. Perfeccionista que era, queria sempre o melhor para Deus, e se esforçava para cumprir rigorosamente suas funções e compromissos. Certo dia, porém, Deus simplesmente o impediu de fazer o que queria. Ele agendou uma visita a Ásia, e um grande trabalho evagelístico Bitínia, "mas o Espírito de Jesus não o permitiu" (Atos 16:7). Há poucos dias, Paulo havia brigado com o irmão Barnabé, porque este se recusara a fazer as
coisas do jeito que Paulo queria. E agora Deus ensinava a Paulo quem era que agendava as coisas importantes na Igreja. Qual a Vontade que prevalecia ali. Qual olhar discernia a necessidade a ser suprida. E Paulo deixou de se guiar por sua agenda, cargo ou compromissos, para ser conduzido pela vontade divina até o clamor: "ajuda-nos".

Mas eu nem tive tempo de dizer isso a Margarete, nem pude lhe dizer obrigada. Ela me fez um aceno rápido com a cabeça, saiu, e eu não a vi mais durante todo o culto. Pensei que gostaria muito de ter uma nova oportunidade de abraçá-la, ouvir dela que tudo ficou bem, e lhe contar que nunca eu me senti tão certa de meu lugar, como no momento em que me ajoelhei com ela. Lhe dizer que o seu clamor de ajuda, foi a forma pela qual Deus me ensinou, mais uma vez, que o Espírito sopra onde quer (João 3:8); fazer minha parte é apenas me deixar levar por Ele. Mas onde estava Margarete? Posso encontrá-la ainda em muitas mãos aflitas, e muitos olhos lacrimosos, em muitas vozes embargadas de dor... espero em Deus não estar ocupada demais com meus compromissos a ponto de deixar passá-la despercebida... Livra-a, Senhor, de minha indiferença!

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