domingo, 27 de maio de 2001

Uma olhadinha microscopica sobre a perfeicao

Aí, não lembro bem porquê, a gente falou de microscópio. Tudo bem, nas nossas conversas incidentais cabe cada porção do universo. É fácil conversar e entender quando a afinidade vai de Palestrina a biscoitos de aveia e mel. E agora era a vez de um microscópio confirmar nossa intuição mútua.

*Eu, divagando: "tenho uma história com microscópios".*

Quando eu era criança meu sonho era ter uma boneca bebezinho, um "Playmobil" e um microscópio. Eu sonhava acordada com esses brinquedos que nunca vim a ter, planejando aventuras, jogos, mil divertimentos que se frustravam todo Natal. Certa vez um primo ganhou um microscópio de presente. A "primarada" toda foi à loucura, todo mundo queria olhar naquela lente já desfocada de tanto passar de mão em mão. Mas meu primo, no alto de sua glória, proibiu as meninas de terem direito àquela mágica visão... e eu fiquei chorando (sempre fui a prima chorona), ouvindo com mágoa as história de seres fantásticos que habitavam na lama do quintal de meu primo, e que apenas os meninos puderam ver.

Assim se seguiu minha fascinação pela biologia: sempre platônica, alimentada a pão e água pelos documentários da TV Cultura. A única vez que olhei através de um microscópio foi numa feira de ciências, onde se dava a oportunidade para quem estivesse disposto a enfrentar uma fila de dobrar quarteirão, de observar por cinco segundos um mosquito da dengue. Com o tempo, acabei cedendo a outras paixões, mais acessíveis, e fiz do meu olhar a lente para um microscópio próprio: o que focalizava o ser humano.

Foi então que me entreguei a área humanística e passei a investigar com a avidez antropofágica os seres humanos ao redor, me detendo em tudo que a humanidade pudesse criar ou expressar. Com isso aprendi muito sobre mim mesma, mas sem perceber, estava voltando minha lente para o lugar errado, e vou lhes dizer porquê.

O ser humano é uma criatura fantástica, não há definição que traduza essa caraterística, mas tem o fado da imperfeição. E quanto mais você se aproxima de suas obras, mais nitidamente você vê as marcas dessa imperfeição. Ao longo dos séculos filósofos, poetas, escritores, teólogos, sociólogos e políticos voltam seus olhares microscópicos para o ser humano, buscando desvendá-lo em todas as suas esferas, explicando-o e enaltecendo-o (não raro a si próprios) e o que encontraram até hoje? Não há nada feito por humanos que seja completamente perfeito. Pelo contrário. Quanto mais microscopicamente você olhar, quanto mais você buscar precisão e exatidão, mais descobrirá imperfeição e vontade de poder. Só a paixão é capaz de
encobrir essa realidade.

Quando comecei a perceber isso, me senti frustrada e insatisfeita. Foi a sensação de uma criança que vê seu brinquedo perder a graça. Eu que julgava ser capaz de descobrir a grandiosidade humana, me vi diante de seres análogos aos que meus primos descobriram na lama... . O homem foi ficando cada vez mais decepcionante à medida em que eu o via capaz de domar um átomo mas impotente para produzi-lo. Gabando-se de manipular a vida mas sempre vencido pela morte e pela falta de amor.

*Eu, intuindo-o: "já falamos sobre microscópio antes..."*

Nós reclamávamos que o Museu do Ipiranga estava fechado, mas como isso não fosse suficiente para o abrirem, nos restou a saída dos impotentes: sentamos e ontemplamos. Ao menos havia muito o que contemplar no jardim em frente ao museu, e ficamos admirando as árvores artisticamente podadas de modo a formarem, aparententemente, belas figuras geométricas. Mas quando chegamos mais perto, observamos que pequenos brotos agonizantes insistiam em quebrar aquela aparente
perfeição, fazendo sobressair suas sofridas folhinhas por cima da linha reta que a tesoura lhes impunha. Ele falou:

- Veja que interessante. Se olharmos as coisas que o homem faz deperto, percebemos que elas sempre são imperfeitas. E quanto mais próximo você olhar, mais imperfeita ela lhe parecerá... veja esse museu, um prédio muito bem planejado, construído com esmero... mas se você for em busca de precisão ao menos matemática em suas medidas,
não as encontrará. Mas olhe esses brotos... estão aqui, sobrevivendo e lutando em sua química perfeita, em sua biologia surpreendente...quanto mais aproximamos o olhar dos feitos divinos, mais admiramos a perfeição!

Mas como eu não me dera conta disso antes? Eu estava perdendo meu tempo com erros de todas as coisas humanas e esquecendo de voltar meu microscópio para o lado certo! Caso mantivesse as lentes de minha alma voltadas para os feitos divinos, teria descoberto coisas bem mais preciosas, apreciáveis, importantes para minha vida. Teria
percebido que mesmo o ser humano e seu conjunto de impotências, quando olhado pelas lentes que apontam para o céu, revela seus traços divinos e potencial para a perfeição.

O que eu quero levar você a pensar é: volte seu olhar para o lugar certo, ajuste suas lentes para as coisas perfeitas. O que ganhamos observando no dia-a-dia apenas o que as pessoas fazem? Atos em que predominam o egoísmo e a corrupção, desgaste emocional e intelectual, descrença nas relações entre os seres humanos, frustração com a própria condição, perda de um tempo precioso (hoje, tempo é salvação), e algo mais de imperfeito que não dá pra engolir (que lista de fazer inveja a Voltaire, hein?). Caso aceite voltar-se para o lado divino, você aprenderá a respeito da real (e única) Perfeição, e se descobrirá sendo olhado do outro lado da lente como um ser
perfeito – segundo o coração de Deus.

Notará, com o tempo, que a contemplação transforma, e que você é (como não percebera isso antes?!) incrivelmente feliz. Assim foi comigo, que à medida que aprofundo a dimensão deste microscópio, enxergo coisas incríveis. Me surpreendo despreocupada e inatingível pela maldade ao redor e vou me vendo mais leve, livre, lúdica e luminosa. Mais Luciana, aquela dos sonhos de Deus.

Uma semana iluminada!

Luna

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