segunda-feira, 9 de abril de 2001

Hora do banho

Ele me fala do que anda fazendo, dos planos em que tem investido,pergunta se eu já reconheci que ele sempre teve razão. A princípio euolhava enfastiada aquela pessoa que eu transformei num ilustredesconhecido, mas que ainda insistia em ser estranhamente conhecedorde mim. Nós namoramos quase quatro anos, brigamos dois terços dessetempo, o outro terço passei desenhando a planta da nossa casa quenunca veio a existir. Terminamos nosso relacionamento por um monte deporquês vagos, e agora, enquanto ele falava eu ficava ali avaliando oque sobrou depois de tanto tempo. Percebi que o que ficou de maisbonito, foram as mesmas coisas que desaprendemos a cultivar: nossasconversas. Eu adorava quando ele se permitia tirar a capa de "machão"e falar dos seus sentimentos... e por gostar de vê-lo assimvulnerável, sempre me emocionava quando ele falava do pai. Era quandoeu sentia mais prazer em chamá-lo de "meu lindinho".

Quando criança ele costumava sair para brincar com os amigos na rua,e como todo garoto de subúrbio, o prazer estava na molecagem dessasbrincadeiras. Sua casa fica próximo ao Rio Potengi, e a aventura maisemocionante naquela época era ir fazer estripulias na lama domanguezal. Ali, naquela selva inóspita, eles exploravam fauna e florasem compromisso ecológico... ao fim da tarde estavam completamentecobertos com a lama escura, só os olhinhos lembrando um ser humano.Mas havia um problema... o pai dele era muito severo, e já o proibirapor diversas vezes de ir brincar no mangue. Era perigoso, e caso aordem fosse desobedecida... bem, aqueles olhinhos ficavam maisarregalados ao pensarem nisso. A solução encontrada pelos meninos erasair do mangue e correr para o campinho de futebol. Lá eles deitavamno barro e se espojavam na terra até que ela aderisse completamente àlama e tirasse o odor característico dela. Chegando em casa, ponta depés, ele entrava de fininho. Quando (quase sempre) o pai via aquelacoisinha barrenta, chegava perto, cheirava-o e perguntava por queestava sujo daquele jeito. Ele respondia que estivera jogando nocampo de futebol... e o pai, com o olfato confundido, o mandava tomarum banho bem tomado senão... e os olhinhos tornavam a se arregalar...

Lembrei de alguém na Bíblia que também gostava de lama. Naamã era orei da Síria: poderoso, grande estrategista militar e conquistador demuitas terras e povos. Mas apesar da aparente glória em que vivia,Naamã se revolvia na lama de seus próprios pecados, e saboreava issocom imensurável prazer. Mas havia ali um cheiro que o incomodava, umtriste cheiro de lepra. E quanto mais Naamã tentava esconder adesgraça por debaixo daquela aparência de glória, pior era. Ele punhaum sorriso nos lábios e dava festas em comemoração àquela vida cheiade prazeres, se cobria de honras humanas e satisfações materiais, mastudo isso era como espojar-se no barro... podia-se até esconder aignomínia da lama embaixo daquela camada superficial de felicidade.Mas tudo que ele conseguia era ficar mais e mais sujo. Quandoconfrontado com a gravidade de seus pecados, Naamã se cobria com maisbarro das glórias humanas e achava que ninguém iria reparar. Ninguémia sentir o cheiro da podridão que o consumia lentamente. Mas chegouum tempo em que suas deformidades estavam ficando impossíveis de serescondidas.

Pensando no que poderia ser seu fim e vendo que ele se aproximava,Naamã sentiu-se desesperado. E cedeu a uma esperança mínima, saídados lábios de uma pequena garota israelita que ele fizeraprisioneira. Agora chegara o momento de Naamã encarar o Deus Pai TodoPoderoso.

A primeira coisa que Deus fez foi colocar aquele filho teimoso em seudevido lugar. Eliseu, o profeta do Senhor, sequer o recebeu, mandouapenas um recado, e o recado de Deus era: "Naamã, enquanto vocêinsistir em viver na lama que tanto te apraz, eu não poderei fazernada por você, a própria podridão te devorará aos poucos. Que realmente se livrar do cheiro da lama? Abandone então o barro de suaspróprias vontades e limpe-se! Lave-se para tirar toda essa crosta desujeira que se acumulou no seu espírito! Vai ao Rio Jordão e mergulhalá sete vezes!"

"Sete vezes?", pensou Naamã, "Ora, que desaforo. Venho de longe embusca deste Deus, e Seu profeta nem me recebe, nem me falapessoalmente, só me manda o recado. E depois me manda ao rio dosisraelitas, quando há rios bem melhores e mais bonitos na minhaterra. Não poderia eu lavar-me neles e ficar limpo? Tem que ser nesserio de... Israel?!" e fez uma cara de nojo. "No mais, por que tem queser sete mergulhos? Esse Deus não tem poder para me tornar limpo sócom um mergulho??"É Naamã... mas as coisas estão em desvantagem para você. É você quemestá sujo. É você quem precisa de cura e agora, pois pode perder seuespírito. São seus os sofrimentos a amargar por causa dos seus enormes pecados. Por isso reconheça sua impotência e faça o que Deuslhe pede. "Por que Ele não desce do Céu para me falar pessoalmente?Se eu sou mesmo importante para Ele, por que não Ele não me recebefrente a frente e diz exatamente o que devo fazer, de maneira clara?"Bem Naamã, Ele mandou o recado, está nessa Bíblia aí do seu lado. "Mas eu tenho ir mesmo a essa Igreja cheia de homens imperfeitos, cujos membros já me decepcionaram, onde muitos pastorese membros fazem coisas erradas, e há um monte de pecados e falhas portodos os lados?"

É Naamã, é aí mesmo que você tem de ir! Sei que vocêdeve ter em mente rios de água mais cristalina, mas é nesse rio deIsrael que você deve banhar-se. "E tem que ser todos os mandamentos?Cumprir um por um, todos os preceitos bíblicos? Não poderia apenas resumir isso em duas ou três regras, e mais uma porção de frasesfeitas para estar limpo?" Sinto muito Naamã. Quem tropeça num sóponto é culpado de tudo, se Deus quer que você siga todos osmandamentos, são todos.

Naamã decidiu ir ao Rio Jordão e deu sete mergulhos. A medida que iamergulhando, deixava ali cada um de seus pecados: o orgulho do bravoguerreiro, a idolatria ao seu deus Rimom, o preconceito para com osoutros povos, a arrogância de sentir-se o único sábio e rei de simesmo, a injustiça de seus procedimentos, o egoísmo... e no sétimomergulho, Naamã afogou o próprio Naamã. Com o Eu submergido naquelaságuas, aquele homem pode renascer, liberto do pecado e curado de suasenfermidades físicas e espirituais. Naamã agora vivia, sabe o que éisso? Agora sim ele era feliz de verdade. Sem ter de cobrir-se dobarro das aparências e inúteis tentativas humanas, ele sorria porcompleto e cheirava a novo. E você sabe como é bom cheirinho de coisanova! Por que não experimentamos agora sermos o que Deus sempresonhou sermos? O que conseguiremos sustentando nossa lepra escondida?Até quando lama e barro vão nos encobrir a glória de sermos chamadosfilhos de Deus?

Uma semana iluminada!

Luna

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