domingo, 1 de abril de 2001

Enquanto eu achava que tinha perdido a lente de contato... de novo.

Alguns seres humanos convivem inexplicavelmente bem com a adrenalina. Correm perigo, vão aos limites de sua capacidade. Por isso, uns escalam montanhas, outros saltam de pára-quedas, outros ainda esquiam de alturas vertiginosas, pulam de cima de prédios amarrados por cordas elásticas... e eu, uso lentes de contato.

Se você acha que esse é um hábito desproporcional em relação aos demais citados, meça o nível de adrenalina em alguém que tem de enfiar um corpo estranho de flúor-carbonato nos olhos todos os dias. Depois observe como esse pobre ser passa o dia inteiro se precavendo de perigosos grãos de areia que ninguém liga, tenebrosos ventos capazes de lhe arrancar as coisinhas dos olhos, onde os outros só sentem uma leve brisa, e aterrorizantes ar condicionados, que todos insistem em aumentar a potência, enquanto a pobre alma tem seus globos oculares ressecados até expulsarem as lentes.

Incompreendida é a sina de quem usa essas torturas oftalmológicas por obrigação, como é meu caso. Mas nada se compara a observar a estranha e inexplicável tendência que as lentes de contato têm para alçarem vôo quando eu as tento colocar nos meus olhos. Isso que faz a experiência de usar lentes, ser uma fonte de tensão constante: a possibilidade de ver R$ 300,00 indo parar no obscuro e insondável ralo da pia; a versão do "underground" de Hamlet para lentes de contato, o lugar de onde não há volta.

Ano passado eu descrevi para vocês um desses vôos desesperadores, que ocorreu exatamente no meio de um black-out. Esta semana, me deparei com a mesma sensação. A lente já estava quase no olho, quando minha pálpebra piscou bem em cima dela. No segundo que se seguiu, um gelo percorreu toda minha espinha... ouvi nitidamente o barulhinho da lente batendo duas vezes, uma na pia, e outra no chão.

E logo em seguida, estavam eu e minha irmã naquela cena antológica: tateando cada centímetro cúbico do piso do banheiro, sem achar nada. Como já estava atrasada, fui para o estágio e deixei minha irmã naquela missão nada agradável. Passei a tarde diante do computador digitando números e orando... já havia passado por situações idênticas antes, e sabia que só um milagre poderia fazer aquela lente ser achada. E eu esperava por isso, embora também me preparasse para enfrentar mais uma temporada de enxaquecas e visão anuviada (ainda estou pagando as prestações desta última lente suicida).

Bem, deixe-me aí na frente do computador no escritório e venha até ouitro computador, no meu quarto. Não se preocupe, fique a vontade e pode bisbilhotar. Ligue o computador e abra, despretensiosamente (acidentalmente para os mais pudicos), minha caixa de e-mails. Você encontrará uma pasta chamada "interessantes", que é onde guardo os e-mails que acho mais significativos, para serem salvos e catalogados posteriormente... é uma versão virtual de bolsa de mulher. Entre poemas, textos jurídicos e teológicos, você verá alguns e-mails pessoais. Veja o que diz este, de um certo amigo, depois de meu desfile de lamúrias: "...Mas não esqueça que a cada instante há um milagre acontecendo. Você só precisa abrir o olho para ver".

Nunca senti tanta paz em menos de vinte palavras do que quando li essas palavras. Eu vivia uma daquelas situações em que você sente que só um milagre divino pode intervir a seu favor. Que sua dor é muito grande e ninguém pode entender a dimensão de seu sofrimento. Que seu problema é o mais importante agora, e até os conflitos no Oriente Médio não são tão trágicos quanto ele. Você sabe os motivos para estar desanimado, e não minimiza a grandiosidade da solução: precisa de um milagre, de uma saída específica, clara e eficaz. Mas não tem como buscá-la, precisa ser conduzido por Deus até lá, e essa impotência lhe cansa ainda mais.
Os olhos ficam tão fixos na própria angústia que deixam passar despercebidos os pequenos milagres que Deus está fazendo neste momento. Enquanto Ele está providenciando a melhor solução, continua cuidando de você, que está muito desolado para percebê-lo. E muitas vezes, tão convicto de seu problema, você acaba deixando passar o milagre que tanto queria, que pode estar bem aí, na sua frente, do seu lado, esperando que você o perceba e o acolha em sua vida.
Acho melhor você sair da frente do computador do meu quarto porque tem alguém abrindo a porta e acho que sou eu que acabei de chegar...

Meu semblante abatido se deve ao fato de minha irmã ter acabado de me dizer que não encontrou a lente de contato, como eu tanto desejava. E dos cálculos orçamentais para os próximos meses, que se me afiguram bem mais "apertados" do que eu havia previsto. Sento-me na frente do computador onde você estava ainda há pouco (sem notar que você o deixou ligado na ânsia de se esconder atrás da porta), e começo a responder meus e-mails. Já está tarde, e vem o primeiro bocejo anunciando o sono...sinto as pálpebras cansadas e esfrego os olhos, quando de repente...ei, o que é isso arranhando no meu olho esquerdo???? Sim, minha lente está lá, no meu olho, esteve o tempo todo lá!!! Mas espere, então o que foi o barulhinho que ouvi no banheiro quando pensei que ela tivesse caído? Por que não senti o olho arder e lacrimejar como sempre sinto quando ela adere à minha córnea? Por que não senti o vento e o ar-condicionado incomodarem este olho como normalmente o fazem? Eu não perceberia que estava enxergando melhor durante o dia, se a lente estivesse mesmo o tempo todo ali?

Não é minha intenção aqui tecer discursos fanatizados sobre milagres. Muito menos quero destilar polêmicas: sei que existem tantas explicações para este fato quanto há ciências no mundo, e não é preciso pertencer a comissão de canonização do Vaticano para também elaborar as mais diferentes teses para o acontecido...

Minha intenção é apenas reafirmar o que disse acima: o milagre que você espera tanto pode estar acontecendo agora, pode estar diante de você sem que você ainda não tenha conseguido senti-lo, não permitindo portanto vivê-lo. Não espere por luzes incandescentes descendo do Céu em sua direção, anjos luminosos com a resposta exata e uma varinha (espada?) de condão, grandes prodígios, um aperto comovente no coração seguido de visão miraculosa... Deus tem caminhos diferentes e sábios para atuar em nossas vidas, alguns incompreensíveis, outros com aparente lógica, milagres são apenas mais um modo de Deus nos falar, coisas simples, tão simples quanto a paz que vem da certeza que Ele está agindo em seu favor exatamente agora. Você é capaz de aceitar isso?

Continue orando, confiando na vontade de Deus para você. "...Mas não esqueça que a cada instante há um milagre acontecendo. Você só precisa abrir o olho para ver".

Uma semana iluminada!

Luna

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