domingo, 10 de setembro de 2000

Enquanto eu achava que tinha perdido a lente

“Aconselho-te que de mim compres... colírio para ungires os teus olhos, a fim de que vejas”. Apocalipse 3: 18

A hora avançava pela noite fria e chuvosa. O despertador tocou e ao contrário da maioria das pessoas, ao ouvi-lo, me preparei para dormir. Como costumo perder a noção do tempo quando estou na frente do computador, essa é a forma mais eficaz de eu me lembrar que é hora de descansar...
Terminei de ler as últimas linhas de um sermão do Pe. Antônio Vieira – uma semana e meia sem internet foi suficiente para me permitir ler o primeiro tomo -, desliguei o computador, escovei os dentes e fui tirar a lente de contato. Puxei a pálpebra.... nada. Puxei mais uma vez, com um pouco mais de força...a lente não se moveu. Respirei fundo, pensei na bênção que é ter uma córnea antes de murmurar, e puxei mais uma vez, piscando fortemente várias vezes. A lente de contato pulou abrupta e serelepe do meu olho esquerdo, indo cair silenciosamente sobre algum lugar do carpete cinza, que em nada contrastava com a cor dela...
Antes que eu pudesse me baixar para tentar localizá-la pelo reflexo, as luzes se apagam. “Ai, ai , ai...de novo não...”, pensei. Eu estava no meio de um black-out, com nove graus de miopia e sem condições de procurar a lente: se me movesse um centímetro que fosse, poderia pisar em cima dela e reduzi-la a pedacinhos, como o fiz com a malfadada penúltima; se me baixasse e tentasse apalpar os arredores, a pequena coisinha poderia ser afastada ainda mais pela minha mão, ou que é pior, grudar na palma e ser transportada para um lugar em que eu nunca viria a achá-la. Certa vez ao fazer isso, a lente enganchou no meu cabelo, o que eu só descobri quando fui penteá-lo e a vi caindo singelamente no ralo da pia... outra vez, minha irmã fez o mesmo e encontrou a lente dela semanas depois, totalmente ressequida, dentro de um livro de José de Alencar – esta pelo menos se perdeu de- forma culta. Se conseguisse, num salto olímpico, alcançar minha cama, deixando para procurá-la no outro dia, poderia estar levando-a comigo em minha roupa e aumentar a possibilidade de perdê-la, ou se ela ficasse no carpete, um inseto ou rato poderia dar-lhe um fim definitivo durante a noite.
Pensando no que seria sobreviver em São Paulo com meu grau de visibilidade, preferi ficar em pé, esperando a energia voltar, a providenciar um cachorro guia e uma bengala. E para não deixar o sono vencer passei a meditar nas palavras que há pouco acabara de ler, exatamente sobre essa condição incômoda e angustiante: a falta de visão.
Pensei que o espírito Santo, como Oftalmologista PhD em visão teológica, poderia classificar a deficiência visual espiritual tal como a classificam os médicos humanos. E assim, teríamos a miopia, o astigmatismo e a hipermetropia espirituais, cada qual com suas peculiaridades, cada uma podendo levar à cegueira definitiva.
Como míope de família de míopes, tenho de reconhecer as vantagens de o ser. Machado de Assis já dizia: “os míopes enxergam onde as grandes vistas não chegam”. Hehehe. Mas um míope espiritual corre o sério risco de deixar passar a presença de Deus sem vê-la, por não ser capaz de olhar além. Deste mal padeceram os fariseus, que estavam em contato direto com Deus aqui na Terra, ouvindo-O, tocando nEle, comendo do pão que Ele fizera surgir milagrosamente, sentindo Seu cheiro, enfim, sentindo-O com todos os sentidos, menos com a visão. Olhavam para Jesus, mas não viam mais que um homem petulante, um subversivo, um louco que acabaria como o Batista. Eram tão míopes espiritualmente que não conseguiam enxergam além da sua justiça própria, e Jesus em suas pregações já sabia da dificuldade em atingir os corações daquele povo que olhava mas não via (Marcos 4:12). Seria bom meditarmos se temos permitido que nossa visão veja a atuação de Deus em nossas vidas, Seu chamado, Suas advertências, Sua presença. Ao entrarmos na igreja – e ao sairmos dela – bem que poderíamos focalizar nossos olhos espirituais no motivo de nossa crença. Nosso Oftalmologista de plantão está pronto a nos ajudar nesse sentido...
Há ainda o astigmatismo espiritual, que não consegue perceber com nitidez a imagem do Pai, antes a vê de maneira confusa, às vezes equivocada, nebulosa. E acaba vendo uma coisa por outra, não discernindo as coisas espirituais e fazendo má-interpretação delas. Foi por esse defeito visual que os apóstolos , na barca de Pedro, que cruzava o Mar de Tiberíades, derrotada da fúria dos ventos e quase soçobrada do peso das ondas, viram assombrados um fantasma , quando apareceu sobre elas Cristo caminhando a grandes passos a socorrê-la. (Mc. 6, 49) Ora, perguntamo-nos, como podem homens que tinham acabado de ver Cristo operando o milagre da multiplicação dos pães, tremerem como meninos assustados diante do mesmo Cristo? Bem, mais tenazmente deveríamos nos perguntar porque nós temos essa estranha tendência de não enxergarmos a Cristo quando Ele escolhe o meio que acha melhor para guiar nossas vidas, e esse meio contraria aquilo que nós julgamos o melhor, o mais lógico, o mais racional a ser feito. O Espírito Santo não distribui panfletos na rua nem insiste gritando com plaquinhas, mas seu consultório oftalmológico está sempre aberto quando nos dispomos a fazer um exame.
Por fim há a hipermetropia espiritual, que faz a alma doente não ver a presença de Deus embaixo do seu nariz. Este mal nos faz incapazes de enxergarmos o poder de Deus no momento em que Ele está atuando. Foi a hipermetropia espiritual que fez Geazi, o moço que acompanhava o profeta Eliseu, passar uma das situações mais desesperadoras de sua vida. Vendo-se a si e ao profeta completamente cercados pelo exército sírio, com tropas, cavalos e carros, o rapaz correu desesperado em busca do profeta e o encontrou sentado, calmamente, descascando uma laranjinha. Depois de contar ao profeta o motivo de seu pavor, e encher Eliseu até ele não aguentar mais, este orou: “Senhor, peço-te que lhe abras os olhos...” II Reis 6:17. E o que fez Geazi? Sentou, pegou uma laranjinha para descascar e ficou admirando o monte cheio de cavalos e carros de fogo da parte do Senhor, para protegê-los de qualquer mal. A tropa divina estava lá o tempo todo, assim como Deus está o tempo todo presenciando as nossas vidas. O defeito está nos nossos olhos que nem sempre conseguem ver essa presença atuando poderosamente em nosso favor.
A condição da nossa atual Igreja Laodiceana, explanada em Apocalipse 3: 14 – 22 é realmente preocupante pois somos sérios concorrentes a cegueira dupla. Ou seja, além da cegueira provocada pelos males acima mencionados, ainda podemos estar cegos para a nossa cegueira: falta a fé para ver a Deus e para ver a condição debilitada de nossa visão, estando assim nós, cegos duas vezes!
Você já deve ter percebido que a raiz de todos os males visuais aqui estão num desvio na retina da fé. E qual a solução? Pode-se recuperar a perfeita visão espiritual de duas maneiras: ou através de uma queda bem dolorosa, a que todo cego está fadado, tal como aconteceu a Saulo (Atos 9:80), ou então pelo poder milagroso do colírio do Espírito Santo, dado de graça àquele que tem convênio na botica da cruz. (Apoc. 3:18). Jesus é o Deus que tem poder “para abrir os olhos aos cegos” Isaías 42: 7, e assim como o fez quando esteve aqui na Terra, continua até hoje operando com o mesmo poder, clamando com a mesma voz: “olhai, para que possais ver.” Isaías 42:18 e atuando com o mesmo amor para com aqueles que pedem: “Senhor, abra os meus olhos para que eu veja...” Salmo 119:18.
Um feliz e iluminado tudo!!!
Lux Lunae

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