quarta-feira, 10 de setembro de 2003

À segunda vista

Acabo de chegar de uma pequena e agradável viagem à Recife, e na volta vinha pensando sobre ela no ônibus - afinal não resta mesmo muita coisa para eu fazer pois não consigo dormir nem ler. E refletia: a primeira impressão que tive de Recife não foi das melhores. Há cerca de dez anos eu a visitei pela primeira vez para fazer um exames médicos. E lembro com nitidez de andar com meus pais por umas ruas feias e tristes, entre calçadas estreitas apinhadas de gente apressada. A única coisa que me chamou atenção então foi o metrô, que eu não conhecia, mas acabei achando meio besta.

Voltei ainda algumas vezes a Recife, mas em nenhuma dessas me permiti livrar da primeira visão que tive da cidade. Restringia-me a ficar no lugar da hospedaria e esperar a hora de ir embora, porque para mim não havia nada que ver de interessante naquele lugar. Uma vez apenas passeei rapidamente em Olinda, e julguei que a fama turística de Recife fosse devida totalmente à primeira.

Só de uns três meses para cá é que tenho começado a descobrir a verdadeira Recife. E não tenho pudores de me confessar cada vez mais apaixonada. À medida que me permitir livrar da primeira e falsa impressão que tive da cidade, fui descobrindo sua beleza pulsante. E também sua história garbosa, corajosa, rica em detalhes que por vezes se escondem em prédios e igrejas fora do roteiro turístico, em teatros e construções sobranceiras, ou na alma forte e bonita de seu povo. Um olhar apenas não basta para captar o valor de Recife, é preciso a contemplação detida de todos os sentidos para não deixar passar sua essência. E talvez uma vida inteira para descobrí-la em seus magnéticos segredos.

A "lente" sensorial que forma nossas impressões nem sempre está ajustada para um bom foco. Por isso deveríamos permitir sempre uma segunda, terceira ou quarta impressão. Sobre as pessoas, lugares, livros, comidas (por que não?), fatos passados e presentes, fotografias, sobre nossa vida e tudo que a cerca, sobre as outras vidas e a forma como as cercamos. Deixar-se estar numa primeira impressão perenemente pode nos privar de uma descoberta mais profunda e acertada sobre a natureza das coisas. Isso engessa nosso conhecimento de mundo, e não raro, de Deus também. "...Transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus." (Romanos 12:2).

Se as misericóridas de Deus renovam-se a cada manhã (Lamentações 3:22,23), nós também devemos fazer renovar nosso ser perante Ele. E uma mudança eficaz de si mesmo compreende antes uma mudança na forma de olhar o mundo, as maneiras de encarar a vida e os problemas, nossa postura como cristãos e seres humanos relacionais. A renovação pode vir de percepções simples, como entender que quase tudo que sugere dor, implica verdadeiramente em crescimento, e o que parece um fim, tende sempre a criar novas oportunidades. Saber aproveitar a dádiva da vida com fé, é a força motriz de uma tranformação necessária para ver o mundo sob excitantes perspectivas.

Ainda que nos reste um longo caminho para alcançar a visão perfeita, temos auxílio garantido para não estacionarmos em nossa caminhada. Seja qual for a impressão que te impede de descobrir a real beleza da vida, "O Senhor teu Deus está no meio de ti, poderoso para te salvar; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo." (Sofonias 3:17).

Um restante de semana iluminado!

Luciana Dantas Teixeira

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