segunda-feira, 1 de setembro de 2003

As coisas que carregamos

Esta semana li num blog que gosto muito, a confissão inusitada de uma garota que perdeu sua tartaruga quando criança. Nada de muito diferente, não fosse a tragicidade grega do desfecho. Certo dia, quando ela procurou a caixa de areia onde guardava sua tartaruguinha, encontrou no lugar dela uma pedra. A mãe, com toda a sabedoria inquestionável que as mães têm, explicou para ela que uma fada tinha transformado a tartaruga em pedra, isso para não dizer que havia largado a tartaruga por aí, porque soube que o bichinho podia transmitir doenças. A garota, conformada, guardou a pedra carinhosamente por anos. Conseguia até ver as pernas e braços da tartaruga numas marquinhas que a pedra tinha. E só com vinte e poucos anos é que ela, revoltada, jogou a pedra fora depois de entender que fora enganada. Como pôde guardar tanto tempo uma pedra no lugar de sua amada tartaruga sem se dar conta da própria ilusão?

Isso me fez lembrar outro episódio ocorrido aqui em casa com minha irmã mais velha. Quando ela e namorado comemoravam alguns meses juntos, ele trouxe de presente uma enorme caixa de papelão para empregar o velho truque de uma caixa dentro da outra. Encheu-a de caixinhas menores até que, lá no fundo, minha irmã encontrou uma boneca bem pequena. Ela adorou. Tanto que guardou, além da boneca, um grande tijolo que ele colocara na caixa para tornar a coisa toda mais verossímil. E eu sempre dava risada quando, entrando no quarto dela, via o dito tijolo colocado em lugar de honra numa estante, entre ursinhos e bonecas. Até que o tijolo sumiu por alguma razão desconhecida.

Como podem ser estranhas as coisas que carregamos! Esquisitas mesmo! Coisas que podemos trazer na intenção ilusória de substituir algo que perdemos no caminho, que ao menos lembrem, ao longe, aquilo que já não temos. Ou coisas totalmente dispensáveis que nos dispomos a levar na tentativa vã de aumentar o valor daquilo que já temos.

Aquilo que perdemos está perdido, e nada ocupará satisfatoriamente o seu vão, a menos que o que estava perdido volte a seu lugar. Deus sabia disso quando enviou Seu Filho para “buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10). Talvez fosse mais fácil criar outro mundo, com uma nova espécie mais obediente e menos egoísta que o homem, mas era o homem que Deus havia perdido, era o homem que Deus tinha que buscar. E veio. E continua vindo, porque sabe que perto dEle, também nós podemos encontrar aquilo que temos perdido. O próprio Jesus utilizou-se de várias parábolas para afirmar isso: “Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido.” (Lucas 15:6); “Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu havia perdido.” (Lucas 15:9); “porque este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado.” (Lucas 15:24). Tais versículos não demonstram apenas que cada ser é objeto do amor particular do Pai, como também nos diz que o coração humano não achará alegria verdadeira sem antes reencontrar aquilo de que sente falta. Artifícios, os mais bem elaborados não vão substituir a sensação de completude pela qual a alma anseia. As pedras colhidas no caminho não aliviarão, antes pesarão, sobre o espírito onde habita um vazio do tamanho de Deus.

E o que dizer de nossa pouca habilidade para receber as dádivas divinas? Quantas vezes nosso Deus nos presenteia com exatamente aquilo que precisamos para ser feliz, mas nós achamos pouco. Encarregamo-nos, nós mesmos, de arranjar inúteis pedras que dêem a sensação de que nossa dádiva “pesa” mais. Tão poucas vezes nos contentamos com a plenitude que há nas coisas e pessoas que Deus põe em nosso caminho, e tratamos de elaborar rápida e avidamente um plano de obter mais, e mais, e mais, até que estejamos fartos daquilo que, julgamos, satisfará nosso desejo. Pena que a satisfação não é garantia de felicidade. E o que fazemos, normalmente, é tomar o presente divino e acumular pedras sobre ele – honrando muitas vezes mais as próprias pedras que o presente, cumulando-nos de coisas por vezes inúteis, quase sempre prejudiciais. Pois a medida de Deus completa, enquanto a nossa medida não sabe sopesar felicidade duradoura.

O único peso que somos chamados a carregar é nossa própria cruz (Lucas 9:23). Não precisamos carregar conosco pedras de nenhum valor, como a culpa, a solidão, a tristeza, a soberba, a mágoa, a desesperança ou qualquer outra forma de sublimação da nossa dor. “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.” (Romanos 8:2). Não devemos enterrar as bênçãos de Deus sob as pedras do nosso egoísmo tão limitado e míope. Aprendamos com Cristo que nos convida a enfrentar nossos problemas e anseios com fé na cruz para a qual ele carregou todo motivo de sofrimento, para a qual Ele mesmo nos carrega ternamente enquanto diz: “...o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve.” (Mateus 11:30).

Uma semana iluminada,

Luciana Dantas Teixeira

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