segunda-feira, 28 de abril de 2003

Onde pôr o olhar

Quando eu tinha por volta de sete anos se instalou na minha cidade uma moda curiosa: a dos pôsteres fotográficos. Estúdios fotográficos distribuíam cupons que davam direito a um pôster grátis, depois tiravam uma dúzia de fotos e acabavam convencendo os pais corujas a comprarem todos os pôsteres, mais um monte de fotos três por quatro. Toda mãe que se prezasse tinha que ter quadrinhos com moldura de cerejeira e pôsteres dos filhos com chapeis, sombrinhas e todo um aparato de gosto duvidoso enfeitando-os em poses clássicas “que cute-cute”.

Eu fui mais uma que não escapei. Mesmo tendo perdido um dente incisivo, minha mãe me obrigou a colocar meu conjuntinho amarelo, pentear a franja pra frente e ir ao estúdio tirar as benditas fotos. Eu estava muito chateada, primeiro porque achava tudo aquilo uma besteira (filhos às vezes são bem insensíveis quanto aos caprichos maternais), e segundo porque não queria meu quarto enfeitado com um quadro me mostrando banguela para toda a minha família. Mas você sabe como é mãe: acha linda até a gengiva do filho. E a fotógrafa, propositadamente, tirou a foto de um ângulo que a falta do meu incisivo ficava bem evidente, num sorriso desconcertante do tipo “eu mato essa fotógrafa!”. A vergonha da banguelinha, junto com a chateação por estar me expondo àquele ritual ao meu ver ridículo, me deu uma expressão bem peculiar na foto. E foi justamente essa foto que eles ampliaram ao máximo e colocaram numa linda moldura, que foi parar no meu quarto.

Durante muito tempo esse quadro foi o tormento de minha existência. Não bastasse o contexto da fotografia, comecei a sentir medo da minha própria foto. Parecia que os olhos da fotografia me acompanhavam aonde quer que eu fosse. De qualquer ângulo aquele olhar meio maquiavélico me seguia, com um sorriso que parecia cada vez mais escarnecedor. E quanto mais eu olhava para a foto, mais assustadora ela ficava. À noite passei a dormir os pés virados para a cabeceira da cama, só para não ter que contemplar a expressão medonha da minha própria fotografia, me vigiando e ameaçando algo indescritível com o olhar. Jamais ficava sozinha no meu quarto, e quando passava pelo quadro podia jurar que a foto ia pular em cima de mim. Essa fixação chegou ao ponto em que tive de pedir para minha mãe retirar o quadro do meu quarto.

Outro dia reencontrei o tal quadro e curiosamente não consegui encontrar nenhum resquício daquela expressão que me parecia tão assustadora. O problema não era o olhar da fotografia, era o meu olhar. De tanto olhar para o quadro, as impressões que eu tinha cresceram e cresceram a ponto de ficarem irreais e distorcerem completamente a realidade. Você já se sentiu assim com relação a alguma coisa em sua vida?

Faça uma experiência. Vá ao dicionário e procure uma palavra que você desconheça. Depois perceba como, de uma hora pra outra, parece que todo mundo decidiu usar a palavra nova que você acabou de descobrir. Na verdade todo mundo já usava essa palavra antes, a questão é que só agora você presta atenção nela, por isso parece que ela está em todo lugar.

Esse princípio se aplica a várias faces da vida. Muitas vezes nos detemos a olhar tão fixamente para algum problema, que o que a princípio nos parecia apenas incômodo, vai crescendo, crescendo, tomando proporções gigantescas e ameaçando de forma terrível a nossa paz. Tudo que acontece ao nosso redor parece ter a ver ou dizer respeito a essa situação. Da mesma forma, quando percebemos algo de errado conosco, um pecado em particular, um defeito de caráter, ficar olhando detidamente para ele só vai nos fazer desesperar. Nem tudo aquilo que aos nossos olhos parece grande é, na realidade, tão grande assim. Aquilo para que olhamos é que se torna grande diante dos nossos olhos. As coisas têm a importância que lhes dedicamos: se passamos muito tempo dando atenção a algo, é lógico que esse algo irá ganhar uma importância cada vez maior, chegando a ter seu real valor distorcido ou superestimado.

Uma nova semana se inicia, e temos diante de nós muitos desafios. Se ficarmos olhando para nossos problemas, nossa incapacidade, nossas limitações, nossa situação desfavorável, a tendência será apenas tudo isso ficar grande e assustador diante dos nossos olhos. Mas podemos desviar os olhos dos problemas para a solução. E qualquer que seja o desafio, o melhor lugar para manter os olhos é em Jesus. Não há riscos em contemplá-lO, e Sua grandeza amorosa não cabe no limite de nosso olhar. Se em toda as situações da nossa vida olharmos “firmemente para o Autor e Consumado da fé, Jesus” (Hebreus 12:2), essa Presença animadora crescerá diante de nós e trará equilíbrio, acerto e paz em todas as nossas decisões. Se há algo que deve se tornar grande e importante aos nossos olhos, é a certeza que temos Cristo por nós e em nós.

Uma semana iluminada,

Luciana Dantas Teixeira

Ps.: este texto é carinhosamente dedicado à Aninha (http://abussola.weblogger.terra.com.br/ ), responsável pelo insight que gerou essa meditação.

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