domingo, 5 de novembro de 2000

Sei de um lugar de paz

“Sei de um lugar de paz, longe de toda dor,
Aonde vou a luz buscar.
Entre a vegetação, prostrado em oração,
A Deus entrego o meu pesar.
Bem cedo de manhã, ou no cair do sol,
Eu deixo lá o meu temor;
E deste bom lugar eu saio pra enfrentar
A vida com muito mais amor”
(Lugar de Paz – Hino 413 do Hinário Adventista)

Sempre encontrei paz nas coisas brandas. A felicidade não se me revela na explosão, no tumulto do êxtase nem na perda dos sentidos, como muitos a entendem. Felicidade, para mim, sempre teve ares de calmaria, plácida e segura, mãos dadas ao equilíbrio, irmã da paz.
E quando lembro dos momentos em que vivi o amor na sua mais profunda expressão, vejo-o suave e tépido, chamando por minha entrega com mansidão sobremaneira persuasiva, inquestionável. Vejo a mim recebendo-o com pureza; na confiança que sobrepuja o medo, na consciência que dá sentido às sensações, na escolha ética que substitui o impulso do instinto, na razão que corrobora o sentimento, na certeza que vence a defesa, no carinho em detrimento da carícia, na renúncia que toma o lugar da auto-satisfação, na liberdade que convence de um único caminho, e sempre, na paz de uma calma celestial.
Penso que Deus tem os mais preciosos sentimentos, tais como o amor e a felicidade, bem como a Sua própria presença , guardados para o ser humano que os procura na contemplação da paz, daquele que necessariamente aguça todos os sentidos, esquecendo-se de si mesmo para encontrar-se em seu verdadeiro lugar. Os tesouros são entregues aos que se entregam completa e confiantemente à missão de os buscar, e para os achar há que, necessariamente, ir até onde eles estão. Os tesouros que Deus reservou para serem sentidos por nós estão escondidos num lugar de paz, onde a verdade das coisas humanas se revelam.
Onde é esse lugar? Pode ser no templo de oração, pode ser o ônibus na volta do trabalho, pode ainda ser no quintal da sua da sua casa, na beira da praia, no alto da montanha, no leito da doença, no banco do seu carro, esperando a esfiha na lanchonete, num abraço carinhoso da pessoa amada, pode até mesmo ser exatamente aí no lugar em que você está. O lugar de paz é aquele em que você pára e se dá conta que pode ter tudo aquilo que Deus sempre sonhou para você. E mais: esse lugar é quase sempre confundido com o fim, porque é diante dele que chegamos quando sentimos já não haver nada em nós, que nossos planos falharam e o que construímos com nossas mãos não nos deu o que queríamos.
Certo dia, se aperceberam disso os seguidores de Jesus de Nazaré.
A tarde caía silenciosa e uma atmosfera deprimente enchia todos os espaços. Reunidos dentro de uma casa trancada à sete chaves, os discípulos sentiam que havia chegado o fim. Tantos planos para o Reino de que o Mestre falara! Tantos sonhos de um novo Israel sob o comando dEle! Tanto poder que Ele demonstrara, convencendo-os que seria capaz disso! E agora... ele jazia num sepulcro. Aconteceu tudo tão rápido! Pedro até que tentou evitar que aquilo acontecesse, se dispondo a enfrentar quem fosse para manter o Mestre junto de si. Mas Jesus o repreendera e partiu para nunca mais voltar... de que adiantara terem abandonado o lar e partido para o desconhecido para viverem com esforço, privação, perseguição e abnegação, com tanta coragem e sofrimento? Relembravam cada momento sem conseguir assimilar aquela perda não planejada. Os momentos bons passados ao lado de Cristo, os milagres, a autoridade dada para vencer o mundo, os ensinos preciosos que rememoravam com carinho e que levariam por toda a vida... mas agora... agora estava tudo terminado. O que fazer? Esquecer tudo aquilo e voltar à antiga vida? Impossível! Conviver com Jesus mudou todos os padrões daqueles homens, que já não viam a Deus, ao mundo e às pessoas com os mesmos olhos e anseios de antes. Tinham chegado muito perto da felicidade, e qualquer coisa abaixo disso lhes figuraria a mais tediosa frustração.
Mas “veio Jesus e pôs-se no meio deles” (João 20: 19), e aquele lugar mudou. Em Sua primeira aparição aos discípulos, depois de ressurgido, o Salvador a eles Se dirigiu com as palavras: “ Paz seja convosco”, então “abriu-lhes o entendimento para compreenderem” (Lucas 24:45) e os discípulos encontraram ali, onde antes habitava o medo, a ansiedade e a angústia, um lugar de paz. De repente tudo lhes pareceu claro aos seus olhos, porque simplesmente pararam de olhar para si mesmos e viram o que Deus tinha planejado para eles. Viram, e aguçaram os sentidos para tocar na condição que lhes estava reservada terem, se houvessem, desde o início, permitido o Espírito Santo falar mais alto aos seus corações. Desapontados consigo mesmos, identificaram seus próprios erros, reconheceram onde falharam, sentiram seus corações tão quebrantados que seus olhares eram um pedido de perdão. E o que parecia ser o fim tornou-se o início de uma nova e abençoada caminhada.
Jamais tornariam a ter aquele contato íntimo que o Salvador entreteve com eles por três anos, mas agora tinham descoberto o tesouro: entenderam o amor de Jesus, tomaram noção do Seu significado em suas vidas, e descobriram que, nesse período de convívio, fora lhes dado a perceber a grandeza da felicidade que lhes estava reservada, bem como concedidas graciosamente todas as chaves para chegar até ela. Uma transformação profunda ocorreu naquelas almas, e eles saíram daquele lugar de paz, prontos para enfrentarem a vida com muito mais amor, segurança, equilíbrio, maturidade, verdade, esperança e, é claro, a mais sublime e inexpugnável paz.
Não havia mais a ânsia apaixonada e cega dos próprios desejos, porque ela nunca deveria ter existido. Nem nunca mais existiria, depois da visão reveladora sobre a Pessoa do Amor, porque os discípulos encontraram a Verdade de Deus e de si mesmos na calma introspectiva e renovadora daquele bom lugar...
Deixe Jesus entrar agora e faça desse lugar, o seu lugar de paz. Olhe bem e perceberá que, no muro que lhe parece pôr fim ao caminho há uma porta. Ele diz: “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a Minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo.” Convide-o a ficar contigo. E prove, para nunca mais esquecer, seu ser existindo através dos sentidos de Deus.
Um sábado feliz e iluminado.

Lux Lunae

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