quinta-feira, 23 de abril de 2009

Adveniat - Ressureição

Mais uma reedição de um texto de 2002 (um ano literariamente falando). Esta foi a pedido de Mário Jorge Lima, pois ele achou que o texto tinha a ver com a páscoa. Não era o que tinha em mente quando escrevi mas de fato, o tema remete à reflexão própria do período. É tão fácil - e tão bom - escrever sobre música!
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Uma das mais belas sinfonias de Gustav Mahler é, sem dúvida, a Segunda, denominada "Ressureição". Mahler, músico dado a composições grandiosas, conseguiu dar a essa sinfonia um tamanho descomunal, tanto em se tratando da mensagem como da execução da música. Para ter noção dessa grandeza, junte aí um conjunto enorme de instrumentos de cordas, com mais 70 instrumentos diversos, alguns deles fora do palco, incluindo dois sinos, e um coro de vozes imenso – a idéia era essa!

Os três primeiros movimentos da Segunda Sinfonia são instrumentais, e de acordo com indicação do próprio Mahler, o primeiro deles lança uma pergunta: "Com que finalidade viveu você?", a qual será respondida somente ao fim. A dúvida alterna momentos de uma atmosfera dramática, tensa, com passagens singelas e suaves. Quem já não meditou sobre esse tema alguma vez?

No penúltimo movimento, aparece uma voz doce, um solo de contralto, cantando a "Luz Primordial", onde o tema da dúvida se desenvolve. Mahler deixa ver um ser humano em conflito, que vem de uma vida de sofrimentos e necessidades, querendo se manter no caminho da Luz, mas, sendo constantemente tentado a se desviar dele. Seria tão melhor estar no Céu ao invés de viver as amarguras da vida terrena... é tão cansativo travar essa luta constante contra a carne e contra anjos maus. Sua convicção, porém, não vacila, e repete contrito: "Eu sou de Deus e para Deus devo retornar.”

Essa é a primeira faceta de uma ressurreição que por vezes passa despercebida: a morte do velho homem, e a ressurreição de uma nova criatura em Cristo Jesus . Estar longe do caminho que conduz a Deus é estar, de certo modo, morto, posto que perece qualquer esperança para além desta vida fugaz. Quando nascemos de novo já não nos conformamos em viver aqui só para comer, beber, apaixonar-se e morrer. É para isso, sofrimentos, futilidades e desilusões que vivemos nesta terra? Depois de satisfazer esta carne, o que nos resta? Não. Descobrimos um sentido maior, mais elevado, para o qual caminhamos ainda que em luta constante contra nossa natureza, que teima em se apegar às coisas vãs desta vida. A pergunta permanece suspensa: Qual a razão de estarmos aqui? O lindíssimo solo de contralto, que começou apontando para Cristo, a Rosa de Saron, termina com uma única certeza: Deus iluminará o caminho daqueles que decidirem seguí-lO.

Então começa o último movimento, o mais longo de uma sinfonia até então. Aqui, Mahler explora a força de todos os elementos musicais para expressar as passagens bíblicas que vão da Volta de Jesus à Ressurreição. E o faz com maestria, colocando aquele imenso coral de que falei para cantar uma das mais poéticas visões da Ressurreição através dos versos de Friedich Klopstock. A ressurreição dos justos é representada como está em Apocalipse 14:14-16; a ceifa, onde os que morreram justificados em Cristo ressurgirão, assim como a semente que depois de um curto sono torna à vida no mesmo lugar em que foi semeada, agora em aparência de glória.

E o homem angustiado, chega ao fim de suas dúvidas: “Você não nasceu em vão. Você não viveu e sofreu em vão.” A Ressurreição é a resposta a todos os sofrimentos que foram suportados e vencidos. “Oh, sofrimento todo-poderoso, agora eu escapei de você, Oh, morte sempre vitoriosa, agora você foi vencida!”. De repente tudo parece claro como a própria luz que emana do trono de Deus. Todas as renúncias que foram feitas, todas as dolorosas decisões em favor do bem, todos os pecados a que se resistiu, mesmo que atormentassem a carne, toda fidelidade guardada a Deus a despeito de nossa dor, agora parecem tão pouco. O crente repete a si mesmo em júbilo: “Acredite, meu coração, acredite! Você não perdeu nada! Você receberá tudo que amou e desejou”. Os que amaram os pecados e desejaram só as coisas deste mundo terão aqui seus prazeres e também sua destruição. Mas – não é lindo isso? - os que passaram suas vidas amando e desejando estar junto de Jesus receberão no final a recompensa suprema: o próprio Cristo. “Com as asas que eu ganhei, no ardor do amor, eu voarei para a luz que nenhum olho jamais viu.” E por fim, o próprio Mahler conclui: “A dor que você levou, levará você a Deus.”

Que a contemplação de uma Nova Terra onde veremos Jesus face a face, onde “não haverá nem luto, nem pranto, nem dor”, onde “nunca mais haverá qualquer maldição”, (Apocalipse 21: 4, 22: 3,4), possa nos impressionar uma vez mais no início desta semana. E que a “Luz Primordial” dê força à nossa fé, e sentido a nossa breve existência neste mundo.

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