domingo, 10 de maio de 2009

Adveniat - Sobre a vida

O teólogo Agostinho escreveu há alguns séculos: "Usamos mal da imortalidade e isso nos fez morrer. Cristo usou bem da mortalidade e isso nos faz viver." E hoje? Lidamos bem com a idéia da imortalidade? E da mortalidade?

Eu pensava sobre isso enquanto observava os jambos se acumulando no chão do meu jardim. Nosso pé de jambo foi plantado por minha sogra quando ela ainda era viva. Ela o fez para amenizar o calor, uma vez que a copa dessa árvore é realmente um abrigo refrescante nos dias quentes de Recife. O que talvez ela não imaginasse é que eu e meu marido não iríamos desfrutar de mais que a sombra dessa árvore, uma vez que não gostamos de jambo, e toda vez que os vemos assim, às centenas, no chão do jardim, gostamos menos ainda.

Alguns amigos e familiares que nos visitam ficam com dó. Tantos jambos e tão vermelhos, tão grandes e suculentos, mas que apodrecem até serem recolhidos por uma vassoura impiedosa que os manda todos para um enorme saco de lixo. Como a árvore já está muito alta, os que caem se partem de maduros, e os de cima estão muito altos para serem pegos com facilidade. Só os meninos da rua que às vezes entram para roubá-los – com meu total assentimento – é que conseguem tirá-los inteirinhos depois da deliciosa trabalheira de escalar quase até o topo.

E o que isso tem a ver com Agostinho, além dele também ter roubado algumas frutas na infância? É que o desperdício dos jambos me fez pensar em como desperdiçamos também a imortalidade que Deus oferta da frondosa árvore da vida. Não só isso: nem mesmo a nossa volátil mortalidade escapa de ser mal aproveitada, muitas vezes.

O fato é que se não amamos a Vida, que é a Pessoa de Jesus Cristo (João 14:6), não poderemos saboreá-la. Não teremos ânimo de enfrentar a escalada íngreme até o topo dos princípios cristãos, para nos apoderarmos de algo que nos é na boca tão insípido e sem graça quanto um jambo o é para mim – é também Cristo que dá sabor ao Fruto do Espírito (Gálatas 5:22). Ele é o maior argumento contra aqueles que vivem como se a vida fosse algo que pertence ao além, pois a forma como Ele viveu nos lembra que vida é agora, porque agora é chegado o Reino de Deus (Mateus 10:7). E a despeito da morte que nos espreita, cada cristão tem aqui um dever, que é mostrar o amor de Deus àqueles que precisam de Vida em abundância. Se não nos dermos conta de que precisamos morrer um pouco a cada dia em abnegação e conversão (João 17:3), pereceremos como fruta que não encontrou seu propósito: ser alimento para a vida (João 12: 24; 15:8). Fruta que não alimenta, seca e morre.

Por outro lado, a imortalidade também precisa ser um anseio do cristão. Mas essa imortalidade almejada não é simplesmente a vitória sobre a morte. Ela representa a vitória sobre o pecado, sobre a pequenez, sobre a amargura, sobre a mesquinhez, representa a vontade de transcender a carne e chegar até a perfeição que Deus pode nos prover (Romanos 6:22). Significa também esperança, segurança, coisas que não se encontram facilmente num mundo em crise de confiança (II Cor. 5:1). Se não cremos no imperecível e não buscamos aqui, dentre todas as coisas, aquilo que pode nos remeter ao Eterno (João 6:27), seremos como a semente que apodrece antes de descobrir nas mãos do Semeador o germe de uma nova vida. O fruto da árvore da Vida que nos acena da copa frondosa não cairá ao chão. Quanto a nós, é nossa escolha viver para a Eternidade – e os altos ideais que ela representa - ou voltar ao pó, como fruta que podendo ser transformada para a Vida, prefere o cimento lapidar do chão do jardim.

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