Lucas pôs em mim aqueles olhinhos ternos e segredou-me:
- Tô com medo...
Eu me inclinei para ele, segurei suas mãos pequeninas e disse que eu entendia que ele estivesse com medo, mas que ele agüentasse firme pois eu estava ali e não ia deixar ninguém lhe fazer mal. Ele sorriu e aconchegou-se junto a mim. Quando eu pensei que estava tudo bem ele tornou a me encarar:
- E você, tem medo?
- Eu tenho. Um monte deles: tenho medo de escuro, de lugares pequenos fechados, de lugares grandes cheios de gente, tenho medo de bonecas de porcelana...
-Ha ha!
- É! Quando eu era do seu tamanho – eu já fui do seu tamanzinho – eu achava que as bonecas de porcelana iriam me pegar quando eu dormisse e dar nós nos meus cabelos.
- Que medo bobo!
- Ah, quase todo medo é bobo para quem não sente aquele medo. Por exemplo, você gosta de galinhas, né? Eu tenho medo de galinhas. Minha irmã mais nova corria com a cabeça de uma galinha morta atrás de mim e eu quase fazia xixi de tanto medo. Mas você deve achar isso muito bobo! Tem outros medos que não são tão bobos. Como o seu agora. Fazer uma cirurgia não é um medo bobo, é mede de gente grande!
- É? Falou estufando o peito.
- É! Mas como eu te disse, estou aqui e não vou deixar que te façam nenhum mal.
- E você não está com medo?
- Hmm... é.... bem, Lucas, eu também estou.
- Então como sabe que não vão me fazer nenhum mal?
- É que seu pai está ali, está vendo? E ele me disse que te ama muito, e me ama muito, e não vai deixar que ninguém faça mal pra nós dois. Porque se fizerem mal pra você, estarão fazendo mal pra mim também.
- E o papai não está com medo?
-...
- Está?
- Está, Luquinhas.
- E como ele sabe que não vão fazer mal pra mim e para você?
- É que... Você viu quando o seu papai estava de olhos fechados? Ele estava orando para o Papai do Céu, dizendo a ele que tem muito medo de ver seu filhinho numa operação delicada, que não quer que nada dê errado com você, e Deus garantiu que vai ficar tudo bem, que ele não precisa ter medo, porque Deus ama muito o papai, você e eu, e não vai deixar que nada aconteça para o nosso mal, pois seria como se fizessem mal para Ele.
- E Deus...
- Não, Lucas, Deus não sente medo.
- Eu acho que Ele sente sim! Acho que Deus tem medo que a gente tenha medo.
- É mesmo, né?
- É “óbivo”! Se o papai ficar com medo, você também vai ficar com medo e eu também vou ficar com medo, daí eu não vou fazer a cirurgia e Deus não vai poder curar meu olhinho doente, né? E Ele tem medo de que a gente não deixe Ele me curar...
- (nó na garganta) – é...
- Mas... e quando Deus fica com medo quem é que diz para Ele que vai ficar tudo bem?
- Ora, é você, Luquinhas! E não acabou de dizer? Quando você acredita que não precisa mais sentir medo, porque tem muita gente que te ama protegendo e cuidando de você, aí Deus não fica mais com medo e pode fazer o trabalho dele sossegado porque Ele sabe que a gente acredita que vai ficar tudo bem, então não vamos atrapalhá-lO. Vou contar um segredo. Eu e o papai não queremos que você se machuque, não queremos que nada de mal lhe aconteça, mas só temos uma vaga idéia do que é realmente bom ou ruim para você. O papai por exemplo não gosta da idéia do médico cortar seu olhinho, mas o médico vai fazer isso apenas para te fazer um bem maior, e você ficar curado. Se o papai pudesse não te largaria nunca, porque ele acha que bom pra você é você ficar sempre perto dele, ele acha que sabe tudo sobre te proteger. E eu então? Você acha que uma pessoa que tem medo de galinha sabe o que é bom para Luquinhas? Mas a gente não sabe, só pode acreditar para deixar Deus fazer o trabalho dEle em você. Se Ele te trouxe até aqui para você ter o que precisa para ser feliz, eu e o papai vamos ter que deixar você ir e sem medo, pra que dÊ tudo certo como a gente quer.
Os médicos vieram, e começaram a levar Lucas para fora da sala numa maca. Seu pai ainda o segurou um instante (como assusta o desconhecido!), mas Lucas sorriu para o pai e disse:
- Papai, deixa eu ir! Pode acreditar em Deus que já falei para Ele que vai ficar tudo bem...
Uma semana iluminada, amigos!
Luciana Dantas Teixeira
ps.: Dedico este texto a Anderson. Meu amado amigo, siga tranqüilo. Nada de mal vai acontecer com você. E a essa altura você já sabe porquê...
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