sexta-feira, 24 de setembro de 2004

"Mas uns mais iguais que os outros..."

Sábado está chegando e já começamos a nos preparar. Muitos de nós irão vestir sua melhor roupa, calçar sapatos bonitos, colocar perfume e caprichar no sorriso quando chegar na igreja. “Feliz Sábado!”, diremos com o semblante alegre. E nos sentaremos ao lado de pessoas que vestiram suas melhores roupas, calçaram sapatos bonitos, colocaram perfumes e nos sorriem desejando feliz sábado. Durante a escola sabatina iremos para as nossas classes: adultos, jovens, adolescentes, crianças, cada qual no seu grupo semelhante. Estudaremos doutrinas que professamos crer como igreja, que nos une num mesmo pensamento, objetivo e comportamento. Cantaremos em uníssono nossa fé igual e ao final do culto iremos para casa, ainda sorrindo na despedida.

No sábado, mais que em outros dias de culto, parecemos mesmo todos iguais. Isso é maravilhoso! Ainda mais se além de iguais, estivermos unidos. Se a nossa semelhança implicar também na sensibilidade para as diferenças. Pois eu posso facilmente ter ao meu lado um irmão muito parecido comigo religiosamente, mas com uma vida emocional, financeira, familiar ou espiritual bem diferente da minha. Pode ser que eu tenha que ir além do sorriso no rosto dele para perceber que ele precisa de bem mais que o meu cumprimento sorridente.

Você já deve ter lido na Bíblia a passagem de Mateus 25: 34 – 40 em que Jesus fala de um grupo de pessoas que perguntará por ocasião de Sua vinda: “Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?”, e Jesus responderá: “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes”. A fome, a sede, a necessidade de acolhimento, cuidado, proteção e esperança não estão somente “lá fora”. Entre nossos irmãos, mesmo aqueles que nos parecem estar vestindo tão bem a capa da semelhança, existem muitos precisando que alguém se importe em ajudar, em pelo menos chegar junto.

Eu fico muito triste observando como por vezes sentamos ao lado de alguém na igreja, e nem olhamos para o lado para ver quem é o nosso irmão que está ali. Mesmo que você não o conheça, não se trata de um desconhecido, é seu irmão! E enquanto você abre sua Bíblia indiferente pode ser que ele esteja precisando de uma manifestação de amor sincero. Eu fui batizada e freqüentei durante muito tempo igrejas pequenas, onde normalmente as pessoas vivem um sentimento familiar mais forte, e por vezes, em igrejas maiores, fui olhada com espanto pelo simples gesto de cumprimentar alguém do meu lado a quem eu não conhecia. Confesso que às vezes fico com medo de invadir o papel religioso-individual de alguém: chegar, sentar e olhar para o pregador, saudar os conhecidos com um cumprimento ir para casa. Mas isso me incomoda! E meu marido, que tem o hábito de cumprimentar todo mundo que vê pelas ruas (não, não é candidato a vereador), tem me ensinado mais do prazer de se importar com as pessoas.

É triste que numa comunidade religiosa que professa crer num Deus uno, aconteçam episódios como o que nos contou certo amigo. Num determinado congresso de jovens, o pregador pediu que todos virassem para o lado e cumprimentassem seus irmãos. Como nosso amigo era de outro estado, ele disse que ficou olhando para os lados, vendo os grupos de amigos e conhecidos se abraçarem enquanto ele permanecia esquecido no meio do auditório, sem que ninguém ali lhe estendesse a mão. “Eu nunca senti um senso de deslocamento tão forte”, desabafou. Então ele não era um irmão também só porque era desconhecido?

E isso não é o mais triste. Há mesmo muitos irmãos que nos são conhecidos por um sorriso de feliz sábado, mas cujas necessidades nos são totalmente ignoradas. Não creio que devamos catalogar a vida pessoal das pessoas da nossa igreja, mas podemos nos aproximar com gestos de amor sincero e desinteressado, nos mostrarmos dispostos a compreender, ajudar, ouvir, praticarmos a sensibilidade de Cristo para as necessidades do espírito humano, ou ao menos orarmos fervorosamente para alcançarmos esse dom. Para que no meio de iguais consigamos ser também unidos. Para que, iguais a Cristo, enxerguemos o caminho especial para cada alma, tenhamos algo de Cristo a dar àqueles a que chamamos de irmãos.

Então, feliz sábado!

Luciana

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Doce ignorancia (Ana Karenina)

Tia Maria tem um pequeno sítio que foi cenário de muitas aventuras em minha infância. Lá minha família se juntava de vez em quando, e era aquele mundaréu de tios, tias e primos se espalhando por todos os lados. Quando criança eu achava aquele lugar enorme, cheio de possibilidades e surpresas. Tinha uma mangueira secular repleta de frutas, um fosso com jacaré dentro, tartarugas perto do rio, uma pequena e misteriosa casa abandonada, uma carroça que nos levava pelo pomar e um caminhão que nos botava o maior medo. Mas nada foi mais mágico que encontrar o forno à lenha perto do pomar, com um caldeirão enorme de barro que era onde se fazia doce. O forno ainda estava quente pois minha tia o tinha usado há pouco. A colher de pau gigante nos tentava, e nós, aproveitando que as mães debulhavam feijão verde mais adiante, resolvemos fazer nosso próprio doce. Mas de que? As goiabas já haviam sido colhidas e as outras frutas ficavam longe. Alguém disse: “mamãe não vai gostar de saber que brincamos com fogo”, mas ninguém o ouviu. Sem frutas, resolvemos pegar as folhas da goiaba e colocar no caldeirão, o que rendeu uma calda transparente muito bonita. Alguém conseguiu pegar açúcar na cozinha e em breve tínhamos nosso próprio doce de folha de goiaba em calda. O gosto era o que menos importava frente à proeza, mas nós comemos. O que não conhecíamos na época eram as magníficas propriedades laxativas da folha da goiaba, o que ocasionou um congestionamento memorável nos banheiros da minha tia.

Eu lembrei desse episódio enquanto lia um trecho de Ana Karenine, de Tolstoi, onde o personagem Levine compreende a extensão da fé em Deus ao lembrar de uma cena semelhante, em que crianças brincavam de fazer doce e jogavam comida fora, ficando zangadas ao serem interrompidas por sua mãe, a qual tentava explicar-lhes porque não deviam fazer aquilo. As crianças permaneciam chateadas e céticas porque não entendiam que estavam destruindo a própria subsistência. “Tudo isso é muito bonito e bom, mas o que nos dão é assim tão precioso? É sempre o mesmo, hoje, como ontem, enquanto que é divertido fazer doces à vela e atirar leite na cara; é uma brincadeira nova e de nossa invenção”. E ele conclui:

“Não foi assim que nós fizemos, que eu também por meu turno fiz, querendo penetrar pelo raciocínio os segredos da natureza e da vida humana? Não é o que fazem os filósofos com suas teorias? Que se deixe as crianças procurarem por si próprias o seu sustento, e em lugar de fazerem brincadeiras morreriam de fome... que nos deixem, a nós, entregues às nossas idéias e às nossas paixões, sem o conhecimento do nosso Criador, sem o sentimento do bem e do mal moral!... Que resultados se obterão?Eu, cristão, educado na fé, cumulado de benefícios do cristianismo, vivendo desses benefícios sem ter consciência disso, e, como essas crianças, procurei destruir a essência da minha própria vida... Sim, a razão nada me ensinou; o que eu sei, foi-me dado, revelado...”

Comparo o pensamento de Levine, para quem o ensino da razão só pode levar a deduções lógicas, mas não ao sentido da vida, ao pensamento de muitos cristãos que tentam espremer Deus dentro de uma lógica. Alguns desses desenvolveram teorias que lhes satisfazem o intelecto enquanto os obriga a ignorar um ingrediente vital para o espírito: o conhecimento de Deus (Filipenses 3:8 – 11). Não o conhecimento que se adquire pela mera reflexão lógica, pois que lógica pode haver no amor? Como achar razão em viver para Deus ao invés de viver para a satisfação das próprias necessidades? Que Deus razoável é esse que entrega um Filho para morrer por pecadores que, em seu natural, ocupam-se de destruir aquilo que lhes é dado? E principalmente, que felicidade é essa que se acha em se submeter à Lei dEsse Deus?

Como percebeu o personagem de Tolstoi, a compreensão da fé e da felicidade em Deus não é para quem raciocina em busca de uma resposta, mas é para quem procura a paz. A partir disso, pode-se compreender a necessidade que temos dEsse Deus e de viver o cristianismo tal como Ele requer. Se assim não for, caímos inevitavelmente na tentação de raciocinar Deus com nossa mente finita em busca de uma espécie de glória própria: “mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor...” (Jeremias 9:24). Uma das teorias que resultam desse esforço vão é o antinomismo, que nega a necessidade da Lei de Deus na vida dos cristãos. É uma teoria já antiga, surgida com o gnosticismo na igreja cristã primitiva, e combatida pelos apóstolos, mas que perdura até hoje. prega que a “intenção” de amor basta para salvar o espírito, e que a salvação prescinde regras de conduta. Assumindo outras ramificações, como o dispensacionalismo, negam a necessidade da Lei de Deus.

Mas quanto mais eu ouço teorias de uma liberdade sem a Vontade expressa de Deus, mais eu lembro do meu doce de folhas de goiaba em calda. A Bíblia em diversas passagens nos apresenta a Lei de Deus como reflexo de seu caráter, e demonstração prática da tal “intenção” de amor (Mateus 5:17; Romanos 3:8-10; Romanos 3:31; I Jo 6:9-11; I Jo 1:8; Salmo 119). Mas além do conhecimento intelectual e moral de Deus, é preciso um conhecimento volitivo, que vem somente pela fé em Jesus Cristo. E é conhecendo-o que compreenderemos na totalidade a alegria de obedecer a Lei de Deus. Veremos o modo maravilhoso como a Lei “desmascara a falsidade do amor que não aceita suas responsabilidades para com Deus e o próximo”¹. Nos descobriremos dEle, tal como Ele nos sabe Seus. E só então deixaremos de querer ter razão para querer mais do melhor conhecimento.

Durante esta semana desejo que compreendamos a amplitude da graça, da paz e do bem que há na Lei de Deus e no conhecimento de Cristo Jesus. Não é maravilhoso? O Gnosticismo (do grego, gnosis = conhecimento) pregava um conhecimento reservado a poucos, alcançado somente por senhas místicas, pelo ascetismo, por um caminho de esforço humano. O Cristianismo são prega um conhecimento que nos é dado a todos de Graça, que transforma-nos para a felicidade e para o amor em sua plenitude. Oremos, pois, como Moisés: “Rogo-te para que me faças saber neste momento o Teu caminho, para que eu Te conheça e ache graça aos Teus olhos” (Êxodo 33: 13)
Uma semana iluminada,
Luciana

¹Comentário da Bíblia de Genebra. Ver. Antinomismo. I João 3:7

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

Duas palavrinhas

Todos o viam como um rapaz solícito e dedicado, mas ele simplesmente não gostava de dizer “não”. Essa palavrinha o fazia temer. Temer o que mesmo? Ele não sabia ao certo: ser considerado chato, desagradar às pessoas talvez. Intimamente, porém, o que ele mais temia era o poder da palavra “não” de machucar a si próprio. Por isso sorriu amarelo e disse sim quando vieram às pressas chamá-lo para substituir alguém na peça de natal que seria apresentada na igreja. “Você pode ir? Só vai ter que se vestir de anjo e ficar lá na frente”. Tudo bem, ele diria sim mesmo que tivesse que recitar o salmo 119 de cor. E no dia, lá estava ele com umas asinhas de isopor muito esquisitas insistindo em lhe cair nos ombros, e o que é pior: uma bata mínima que deixava à mostra suas pernas por inteiro, porque não houve tempo de arranjar uma que fosse do seu tamanho. Enquanto esperava a programação acabar, ele, de cabeça baixa, ouvia risos abafados, puxava a bata para baixo e prometia a si mesmo nunca mais aceitar nada que lhe propusessem. Muita gente ficaria magoada, mas o que fazer? “Um sim inconseqüente pode doer infinitamente mais que um não.”, pensava ele mexendo nervosamente os ombros tentando equilibrar as asas de isopor, até que uma delas partiu-se e caiu solenemente no chão.

E sua história tragicômica (que me salvou de contar uma das minhas) me fez lembrar a parábola dos dois filhos, que está em Mateus 21: 28 – 32. Jesus estava ensinando no Templo quando alguns sacerdotes e religiosos de altos cargos achegaram-se para questionar com que autoridade ele ousava desafiar o sistema religioso de então com idéias, palavras e atitudes que mudavam completamente a noção de Deus que vigorava naquela época. Jesus não respondeu de pronto a pergunta deles, mas contou antes uma parábola, que o livraria de uma vazia discussão teológica e ensinaria aos mais humildes que o escutavam uma lição superior sobre o amor – sempre a ênfase da pregação de Cristo.

A parábola conta que um pai chamou seus dois filhos para trabalharem na vinha. Aqui, Cristo nos remete ao capítulo cinco de Isaías – quem sabe não era sobre o profeta que Jesus falava ao ser interrompido pelos sacerdotes? A vinha representa o próprio povo de Deus, separado, escolhido e cuidado para dar bons frutos, mas que acabou por se afastar bruscamente dos propósitos divinos, até tornar-se deserto. Pois bem, um dos filhos disse sim ao pai, no entanto não foi trabalhar. O outro filho disse que não queria ir. A Bíblia não diz que o Pai questionou os motivos do filho - um dia de sol que convidava a tomar banho no rio Jordão, um compromisso com os amigos, uma aula de técnica vocal –, diz somente que ele não queria ir à vinha, foi sincero e disse “não”. Até aí os dois filhos estavam em pé de igualdade, nenhum deles havia feito a vontade de seu pai. Mas aquele que disse não se arrependeu em seguida e foi trabalhar conforme seu pai havia pedido.

Numa pequena história, duas mensagens igualmente importantes. A primeira é que um “não” é insuficiente para afastar um filho da vontade de seu Pai. A maravilhosa graça de Deus espera que compreendamos a sua vontade e aguarda o nosso arrependimento sincero. Deus ama a sinceridade de coração. Não força, não questiona, não briga. Ele apenas pede e espera. Não quer um sim medroso, cheio de dúvidas ou contradições. Quanto mais O conhecemos, mais Seu amor nos impele a servi-lO com alegria, e é essa a resposta que Ele deseja de nós. Mas de vez em quando nossa natureza humana, maculada de egoísmo, vai negar-Lhe uma entrega. E Ele vai estar lá, esperando que o amor que nós conhecemos nEle nos leve a arrepender e voltar atrás.

Depois, a segunda mensagem: um “sim” hipócrita sempre afasta o filho da vontade do Pai. A Bíblia não diz qual motivo fez o filho voltar atrás no seu sim. Pode até ter sido um motivo que os sacerdotes do templo diriam “nobre” ou “aceitável”. Jesus queria dizer a esses homens é que o povo de Deus não é aquele que uma vez disse “sim” à religião para vivê-la de forma nominal e hipócrita; povo de Deus é todo aquele que faz a Sua vontade, e renova o seu “sim” continuamente perante Deus, e não perante ritos e formas vazios. A religião que, de fato, nos liga ao céu é aquela onde se entrevê o Caminho, a Verdade e a Vida, onde o amor não fica estagnado na palavra, mas se manifesta com a pureza do Verbo. Jesus afirmou que a crença aceitável é estar aberto para os caminhos da Justiça Divina, e não da justiça própria “Pois, tantas quantas forem as promessas de Deus, nele está o sim; portanto é por ele o amém, para glória de Deus por nosso intermédio” (II Coríntios 1:20)

Durante este sábado eu gostaria que ouvíssemos o que o Pai nos pede, e disséssemos sim. Ele sabe dos possíveis motivos que temos para lhe dar um “não” sincero, mas não há sentido em confiar em atalhos entre nós e Ele quando temos tão pouco domínio sobre nosso futuro: quem garante que o tempo nos permitirá retificar nossas respostas? Mas se for para dizer sim, que o façamos em sinceridade de coração, dispostos a levar adiante a fé que professamos, fazer eterno o breve instante afirmativo corroborando-o em cada detalhe da nossa religião. Lembre que um “não” pode vir a te entristecer, e que um “sim” falso pode entristecer o Ser que mais te ama no universo.

Feliz sábado,

Luciana

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Algo mais

Hoje passei algum tempo folheando a Bíblia em busca do que Deus desejava me falar. E percorri Davi, Sansão, Isaías, muitos outros “grandes” personagens, sem atinar com algo que me falasse em especial. Acabei me encontrando com Acsa, personagem que só aparece em cinco versículos bíblicos (Josué 15:18, 19 e Juízes 1:13-15) mas imprime uma mensagem de força indispensável a quem anda à busca de seu papel como cristão.

O pai de Acsa resolveu dá-la em casamento ao guerreiro que conseguisse conquistar uma certa região ao sul da Palestina chamada então Quiriate-Sefer. Embora esse tipo de arranjo matrimonial nos pareça esquisito à primeira vista, é preciso analisar o contexto histórico para observar que nessa época a conquista de terras era o maior interesse dos povos, pois da posse da terra dependia toda a estabilidade deles. Portanto o pai de Acsa estava preocupado em lhe dar um marido que demonstrasse ter vontade suficiente de conquistar uma terra que daria uma lar seguro e próspero para sua filha. Depois, na mente de seu pai, um marido guerreiro, corajoso, era o melhor que ele poderia dar a Acsa, que devia valer muito a ponto do pagamento do seu dote ser a vitória de uma importante batalha.

Otoniel, primo de Acsa, conseguiu essa proeza, e conseqüentemente a terra que conquistara. Se a história terminasse aqui todos os méritos pareceriam devidos a Otoniel, mas este fizera apenas a sua parte no trato, conseguiu apenas aquilo que lhe era por direito humanamente. Acsa foi mais além. Ela percebeu que as terras do seu marido eram boas, mas não seriam produtivas sem água, que existia franca nas nascentes próximas, em terras de seu pai . E embora seu quinhão já fosse muito bom, esse não era tudo de que precisava: o clã de seu marido, agora o seu, precisava de mais, do melhor. Não entendo sua atitude como ganância, mas como uma visão clara das vantagens a que tinha direito. Acsa daria uma boa advogada! Pois não se contentou em perceber suas necessidades, lembrou o marido que Deus havia prometido bênçãos completas a seu povo, e pediu ao pai aquilo que ele não poderia negar: um presente, como sinal de bênção sobre aquele casamento. Assim, os queneus conseguiram se estabelecer sobre ótimas terras – e abundantes águas, sem o que as terras e todo o esforço do valente guerreiro Otoniel pouco teriam valido.

O que Acsa tem a nos dizer? Acredito que as nossas melhores conquistas são o fruto de uma parceria entre nós e Deus. Ele nos aponta as oportunidades – e é preciso conseguirmos distingui-las daquelas empreitadas que são meramente nossa vontade – , nós nos lançamos na batalha com determinação até alcançar o alvo. Mas a história não deve parar por aqui, como a de Acsa não parou. Qualquer livro de auto-ajuda aconselharia a ter coragem de vencer as batalhas e se apossar do prêmio. Mas a Bíblia indica que os cristãos devemos reclamar a bênção completa que Deus tem para nós. E para isso é preciso perceber o que é que nos faz completos, depois ir até Ele, pedir que nos oriente a chegar até onde Ele quer que realmente cheguemos. Sem a água da vida que corre dos mananciais celestes (João 4:14), nossas conquistas serão tão efêmeras quanto o bocado deste mundo que conquistamos.

Uma vitória é sempre algo bom. Uma vitória com Deus é algo eterno. É preciso ter visão ampla para compreender aquilo de mais amplo que nós mais precisamos, e ir busca-lo humildemente, mas com segurança, nas mãos dAquele que nos pode dar (Mateus 7:7), dAquele que, como nosso Pai amável, não nos pode negar uma bênção completa e abundante. Qual deve ser o tamanho de sua bênção esta semana? O que Deus pode ajuntar aos seus esforços? O que Ele deseja fazer que pode suprir por completo suas necessidades? Deixe que Ele lhe fale agora mesmo!

Uma semana iluminada,

Luciana

sábado, 11 de setembro de 2004

Por outros olhos

Depois de mais de seis meses consegui colocar meu computador para funcionar, e passei algum tempo remexendo velhos arquivos para ter certeza que ainda estava tudo lá. Foi divertido me deparar com minha mania de querer registrar tudo, como se a vida tivesse que ficar escrita sob pena de não ter, de fato, existido. Encontrei, com delícia, vários escritos antigos, contos, cartas, poesias, coisas boas, emocionantes ou muito ruins, que me fizeram chorar de comoção ou riso. Considero meus textos como filhos (e há alguns que só saem a fórceps). Mas foram uns os olhos que os viram nascer, hoje são outros os mesmos olhos que os lêem.

As lembranças vieram em turbilhão: alguns destes textos nunca saíram do meu computador. Muitos ficaram incompletos, suspensos numa intenção que provavelmente eu nunca vou conseguir resgatar. Outros, mais ousados, freqüentaram concursos literários, e uns pouquinhos me deram a felicidade de ganhar dois livros de presente (eram os prêmios dos concursos), e um belo “certificado de honra ao mérito por conseguir a classificação entre os sessenta finalistas”. Nada que me mova a criar um novo movimento literário, mas o suficiente para eu mostrar aos meus netos enternecidos, que Deus há de querer bem generosos, a fim de se importarem com isso.

Todo esse reencontro comigo mesma me fez pensar que já tive muitos olhos, os quais tomei emprestado de muita gente especial que passou por meu caminho. Antes de todos, a minha mãe, que guardava com carinho os livros que eu escrevia e ilustrava lá pelos nove, dez anos. Mas os olhos dela eram ternos demais e se comoviam mesmo diante de títulos como “Flipinho, o peixinho”. Dada a benesse materna, eu me animei a começar a fazer poesias e mostrar para minhas professoras. Elas pareciam gostar também! Então lá pela quarta série eu me arrisquei a fazer algumas redações de cunho político-social que deixou em polvorosa a pacata Escola Vovó Libânia, e tia Roseane correu para mostra-las às outras tias, inclusive tia Graça, que colocou uma observação bem bonita e elogiosa no meu caderno. Um elogio de tia Graça, para mim, era toda a glória que qualquer escritor jamais poderia sonhar. E eu tomei os olhos de tia Graça para criar.

Um dia conheci Machado de Assis e tive meu encontro definitivo com a literatura. Mas que olhos assustadores! E à medida que eu procurava por mais autores, mais olhos assustadores me cercavam, todos muito grandes para caber em minhas órbitas oculares... por isso pedi emprestados olhos de amigos mais letrados, professores, até mesmo namorados, para quem dirigi boa parte de minha “produção”. Prestava bastante atenção na mágica que havia nos textos dos mestres, o que exatamente eles colocavam ali que me manipulava tão bem. Estudava embevecida causa e efeito, letra e sensação, tentava aplicar aquilo ao meu modo, e colhia o singelo resultado no semblante e na opinião de gente que, como eu, também gostava de ler ou escrever.

Ao longo do tempo essas pessoas foram mudando, e eu mesma mudei, me permitindo deixar-me um olho para analisar minhas crias, e tomar outro emprestado para garantir que não seria complacente demais comigo. Assim, por outros olhos, eu já tornei meus textos mais objetivos, mais impessoais, mais sentimentais, mais espirituais, mais humanos, mais sociais, dependendo sempre do olhar que eu escolhia como meu parâmetro. E não dava o texto por terminado enquanto não imaginasse como determinada pessoa (eu mesma, às vezes, por que não?) reagiria aqui e ali, e cortava, e emendava, e acrescentava, e o mais importante é que escrever continuou sendo um momento feliz.

Curioso, não? Mas algumas das coisas que mais gosto – música, escrita, pintura – aprendi por outros olhos. Maquiavel, certa vez, sentenciou: “O homem prudente deve seguir sempre as vias traçadas pelas grandes personagens e imitar aqueles que forem muito excelentes, para que, se o seu talento não lhe permitir igualá-los, consiga ao menos alguma semelhança”. E olhar por outros olhos nada mais é que se colocar no lugar de alguém e imitá-lo naquilo que você acha que ele tem de melhor.

Acredito que nossa amizade com Cristo exige muito dessa “técnica”, por assim dizer. Não se trata de anularmos nossa personalidade idealizando um ser abstrato, mas aprimorar nosso caráter segundo o que consideramos mais perfeito no exemplo concreto que está registrado em Sua Palavra e na memória do nosso relacionamento com Ele. Os meus olhos não conhecem de todo a bondade, a misericórdia, a paz, a sinceridade, o amor. Mas sei que pelos olhos de Cristo eu tenho o melhor parâmetro para trabalhar todos os meus atos, palavras e pensamentos, de modo a refletir “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor...” (Filipenses 4:8)

Perguntar-se “O que Jesus faria em meu lugar”, não é uma frase aplicável só às crianças da escola bíblica na igreja. Antes, ter a preocupação em olhar pelos olhos de Cristo serve “para que não mais sejamos meninos, inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação do erro, antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Efésios 4:14 e 15). Se há algo que aprendi olhando o desenrolar da minha mania de escrever, é que somos felizes fazendo aquilo para o que nos sentimos particularmente chamados, dando nisso nosso melhor, e nos descobrindo únicos e especiais pelos olhos de quem sabe o que é especial. Desejo que todos os dias, encontremos a felicidade de andarmos na nossa soberana vocação, “não segundo as nossas obras, mas segundo o Seu próprio propósito e a graça que nos foi dada em Cristo Jesus...” (II Timóteo 1:9)

Bom sábado!

Luciana

terça-feira, 7 de setembro de 2004

Pelo mundo

“- Me diga uma coisa. Você vai mesmo salvar a humanidade?
- É curioso como eu penso agora nestas coisas. Antigamente só pensava em mim mesmo. Vivia como cego. Foi Olívia quem me fez enxergar claro. Ela me fez ver que a felicidade não é sucesso, o conforto. Uma simples frase me deixou pensando: `Considerai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e no entanto nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como um deles.´”


O diálogo acima ocorre entre Seixas e Eugênio, dois personagens do livro “Olhai os Lírios do Campo”, de Érico Veríssimo. O primeiro contato que travei com este livro foi quando eu tinha por volta de onze anos, e folheava um livro antigo de Educação, Moral e Cívica, disciplina modorrenta que atormentou alunos da década de setenta e oitenta. O que eu gostava no livro eram uns quadrinhos enfeitados com flores e folhas, onde o autor colocava frases de efeitos, pequenas histórias bonitinhas, fábulas e anedotas de efeito moral. Algo correspondente aos modernos sites de mensagens enlatadas, aquelas cheias de figuras bonitinhas e efeitos audiovisuais que até nos fazem perdoar a mania deles atribuírem textos sofríveis a grandes poetas. Pois bem, eu recortava impiedosamente os quadrinhos enfeitados e colava-os em meu diário, escrevendo textos melancólicos ao seu lado. Por essa época eu achava que para escrever bem se tinha que ser melancólico. Por isso fiquei atônita quando li um quadrinho do citado livro. Ele não trazia nenhuma historinha ou frase, mas uma citação que dizia:

“Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.”

E continuava, me prendendo a cada palavra, até terminar com a referência enigmática: Olhai os Lírios do Campo – Érico Veríssimo. O texto me impressionou tanto que não tive coragem de cortá-lo. Intui pela primeira vez que isso seria uma forma de profanação, e sem saber exatamente o que sentia, guardei-o na mente por muito tempo, admirando-o e fugindo dele. Tanto que sempre que tinha oportunidade de ler o livro, adiava, e foi assim até algumas semanas atrás, quando amanheci pensando no Sermão do Monte, exatamente no versículo citado acima que dá nome ao livro. Escrevi a um amigo e não resisti: enviei-lhe o versículo em latim. Depois, escolhendo aleatoriamente algo para ler no fim de semana, tomei o livro sem perceber a associação e levei-o junto com um Fernando Sabino e uma Lygia Fagundes Telles. Li-o por último, em desespero: como pude adiar tanto tempo aquela leitura? O impacto que ele causou em mim foi parecido com o causado por Crime e Castigo, de Dostoiévsky, sendo que o de Veríssimo mostra mais que a transição ocorrida no espírito de um homem perturbado, e percorre também o desenrolar de sua nova vida, com um realismo tocante. Nenhuma promessa, nenhum cenário brusco: apenas uma vida e suas lutas em busca de paz.

Não vou além porque não quero fazer uma sinopse dele, nem ficar divagando ao seu redor, que serei tentada a fazer dezenas de citações, terminando por cansar absolutamente que já teve a paciência de ler esta exaustiva introdução. Não quero cometer o mesmo erro do livro de Educação, Moral e Cívica, e usar uma literatura tal para forjar lições e conselhos. Mas preciso – é-me visceral – dizer que Olhai os Lírios do Campo me pôs a olhar demoradamente o mundo. E amá-lo um pouco mais.

Pois é, amá-lo não obstante o mundo esteja entre os chavões preferidos das religiões cristãs. O mundo é sempre citado como um lugar perverso, cheio de enganos, de maldade, o lugar dominado pelo Príncipe do Mal. Um lugar de onde os cristãos precisam sair e se manter bem longe a fim de alcançarem a salvação. “Você está no mundo, mas não pertence a ele”, nos advertem, e não sei porque só se nos grava a segunda parte da frase.

O que Eugênio e Olívia me fizeram pensar enquanto eu lia “Olhais os Lírios do Campo”, é que deveríamos meditar mais sobre o fato de estarmos no mundo. E que existem muitos outros nessa condição. O mundo é um lugar ruim? É o que nos dizem todos os jornais. Um mundo escuro, cheio de problemas. Mas é neste mundinho ruim que se opera nossas mais preciosas oportunidades de salvação. Salvar o mundo? Não, esse discurso nós já conhecemos bem e creio ser o caminho mais difícil sem que antes se realize o milagre de sermos salvos... pelo mundo. Pode parecer estranho dizer isso, quando se foi tanto educado a começar pelo processo inverso. Mas basta aprofundar a visão do que foi o ministério de Cristo para vermos dissipada qualquer dúvida. O mundo é um dos pregadores mais eloqüentes que pode haver, um dos instrumentos mais eficazes para a salvação em Cristo Jesus.

A igreja não é apenas um lugar onde devemos nos abrigar dos problemas, fugir da escuridão, ficarmos enclausurados pensando “claro que Deus quer seus filhos seguros aqui, perto dEle”. Esse pensamento é agradável porque cômodo. Mas a verdade é que esse Deus, quando se fez Homem, levou tudo aquilo que ele conheceu junto do Pai para o mundo, mesmo em seus lugares mais obscuros, e é justo aí que se opera a salvação: no lugar onde mais se carece dela, onde mais se precisa de demonstrações concretas de amor.

Pode ser que ao me encontrar no meio do mundo, enfrentando-o ao invés de fugir dele, eu descubra que sou eu, muito mais do que o mundo, que necessita de salvação. Foi isso que aconteceu com Eugênio, por exemplo. Só em contato direto com um mundo real, com as pessoas reais desse mundo, seus problemas e necessidades, é que ele pôde alcançar a paz, conhecer Deus e sentir a necessidade de um mundo melhor, superior. No conforto entorpecente dos nossos lares, igrejas e demais instituições, nesse conforto que parece ser mesmo o alvo insano de muitas vidas, os nossos sentidos tendem a se embotar e desligar do Deus verdadeiro, do Deus que nos ensinou que não somos como o mundo, mas podemos amá-lo profundamente, e transforma-lo, e sermos transformados através ele, à medida que nos aproximamos mais do caráter de Jesus.

O mundo é um lugar perigoso apenas para aqueles cristãos incapazes de viver em coerência com aquilo que pregam. Não conheceríamos o poder da luz se não a levássemos à escuridão, não entregaríamos o nosso coração a Deus se não nos deparássemos com corações endurecidos, não teríamos esperança se não percebêssemos a descrença. Cristo ainda passeia por entre a multidão de famintos que segue errante fora das paredes da nossa igreja. E digo-lhes com sinceridade: se Cristo deu sua vida para salvar o mundo, eu quero estar no mundo quando ele voltar. Quero que me encontre fazendo aquilo para o que Ele me chamou: “assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5:16). Acho que só vou saber mesmo o que significa a tão sonhada nova Terra, se eu aprender a viver como cristã nesta Terra aqui.

No mundo vamos encontrar muitos erros, e muita gente dizendo que errar é humano, muita gente dizendo muita coisa – como eu. Mas temos a Bíblia, maior fonte de força e inspiração, nos fazendo um convite a sermos semelhante ao Verbo, e agirmos. “Porque”, como dizia Olívia, “só valem as experiências que fazemos com a nossa própria carne. Pode ser que tudo isso seja apenas um grande sonho. Mas sonhar também é humano.”

Uma semana iluminada,

Luciana