segunda-feira, 14 de julho de 2003

A pressa é inimiga da refeição

A pergunta aconteceu por volta das onze e quinze num contexto pouco favorável a respostas coerentes. O culto começara com vinte minutos de atraso por causa da leitura da ata de uma reunião onde se discutira a compra de novas cadeiras para a igreja, e depois de uma explicação pormenorizada dos modelos, quantidade e outros quesitos técnicos, as pessoas não conseguiam mais disfarçar o tédio. Um pai olhava com curiosidade seus filhos que desenhavam a arca de Noé, morrendo de vontade de pegar os lápis de cor deles. O calor fazia os mais inquietos se abanarem, levantando aquele incômodo barulhinho de papéis balançando. Dona Henriqueta, que já cochilava há algum tempo, abria agora a boca displicentemente, enquanto uma das crianças deixava os lápis de cor e colocava vagarosamente uma bolinha de papel dentro da boca da velhinha.

- Quantos aqui querem participar da ceia das aves que a Bíblia mencionam? – perguntou enfaticamente a pregadora.

Dois terços da igreja levantou o braço. Na pior das hipóteses era uma chance de alongar os músculos. Dona Henriqueta acordou assustada e disse, “Amém!”, cuspindo, confusa, a bolinha de papel.

- Todos vocês? - Sorriu a pregadora.

Os membros da igreja entreolharam-se confusos. Aquele sorriso denunciara que algo estava errado, e todos buscavam na memória o quê. Manhã quente de sábado, todos um pouco enfadados da leitura interminável da ata, o estômago já despedindo-se do café-da-manhã, e a atenção querendo despedir-se do culto, fez algumas pessoas interpretarem a ceia das aves, à primeira vista, como um banquete celestial cheio de frango assado para todo mundo. “Ih, mas no céu a gente vai comer frango?”, pensou consigo Dona Henriqueta.

A pregadora pediu que todos abrissem as Bíblias em Apocalipse 19: 17 e 18: “E vi um anjo em pé no sol; e clamou com grande voz, dizendo a todas as aves que voavam pelo meio do céu: Vinde, ajuntai-vos para a grande ceia de Deus, para comerdes carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos, carnes de cavalos e dos que neles montavam, sim, carnes de todos os homens, livres e escravos, pequenos e grandes.”

Nesse ponto, a pregadora, que já notara o constrangimento na face da igreja agora toda atenta, tornou a perguntar:

- E quantos querem participar da Ceia das Bodas do Cordeiro?

Agora todos levantaram o braço, compondo um curioso quadro de leques improvisados. O Cordeiro era Jesus, claro. E se era a Ceia de Jesus, devia ser algo bom... não era?

- Acho que alguns de nós precisa decidir em que ceia quer estar, concluiu a pregadora, abrindo a Bíblia em Apocalipse 19: 7 – 9: “Regozijemo-nos, e exultemos, e demos-lhe a glória; porque são chegadas as bodas do Cordeiro, e já a sua noiva se preparou, e foi-lhe permitido vestir-se de linho fino, resplandecente e puro; pois o linho fino são as obras justas dos santos. E disse-me: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro...”

Depois a pregadora explicou o que quase todos já havia desconfiado. A Ceia das aves era aquela destinada aos ímpios, assim julgados porque em sua vida decidiram não fazer a vontade de Deus, mas seguir apenas os próprios impulsos humanos, e experimentar alegrias tão passageiras quanto esse mundo, encontrando, com o mundo, a própria destruição. Os dois versículos bastam para compor um cenário digno de filme de terror. Embora as aves sejam o símbolo de uma destruição completa e definitiva, não é, por isso, nada animador de imaginar. Os ímpios da ceia das aves são pecadores como todos nós, mas pessoas que escolheram o erro, simplesmente porque não queriam fazer o que era certo, mesmo sabendo que isso era o que deveriam ter feito. No contexto de Apocalipse, essas pessoas são aquelas que não se arrependeram de sua maldade, e escolheram uma vez mais atentar contra tudo que é justo, bom e contra o próprio Deus. Digamos que é o tipo de jantar para o qual ninguém gostaria de ser convidado. Especialmente quando se está destinado a ser o prato principal.

A Ceia das bodas do Cordeiro é aquela destinada ao grupo exatamente oposto ao anterior: os justos. Entenda-se justos não como pessoas perfeitas, que seguem todos os mandamentos com maestria ou viviam num pedestal de santidade. Os justos que Apocalipse mostra na Ceia das Bodas do Cordeiro são pecadores também, como aqueles mencionados anteriormente. Pessoas com falhas, egoísmos, muitas vezes injustas e às vezes até maus. Mas antes de tudo, pessoas que escolheram fazer o que era certo, a vontade de Deus, e mesmo sem conseguir sempre, se esforçam por isso sinceramente. Nos versículos citados, eles estão exultantes por que o Cordeiro, Jesus Cristo, está vindo tomar sua esposa, que representa a Sua Igreja, que como o texto diz, já está preparada e ornada com atos de justiça, decorrentes do amor que sente pelo seu Marido.

A diferença entre ser convidado para uma dessas duas ceias, está na atenção que damos às pequeninas coisas que dizem respeito à nossa vida espiritual, todos os dias. A coisa é muito mais sutil do que possamos nos aperceber a princípio. Basta baixar a guarda e ficar desatento por alguns instantes, e você pode escolher estar na ceia na errada... Nem sempre o ambiente aqui será favorável para vivermos nosso cristianismo de maneira plena. Às vezes nos sentiremos cansados, entediados, incomodados pelo calor das pressões e provações, tentados a tirar um “cochilo”, caindo numa religião letárgica, mas é nesse exato instante que Deus pode estar chamando nossos nomes na lista de convidados para a Ceia das bodas do Cordeiro. Se não reconhecermos a voz do Pastor, como poderemos tomar parte com Ele? (João 10:27; Mateus 25:33-46)

Assim, antes de decidir sobre nosso futuro espiritual, não nos apressemos a responder segundo nossos impulsos. Que possamos parar, pensar, ponderar na vontade de Deus, e só então escolher o melhor lugar onde estar. E que Deus nos abençoe...

- Amém! - Se empolga a irmã Henriqueta, e conclui – Eu sabia que no céu não se come frango!

Uma semana iluminada,

Luciana Dantas Teixeira

segunda-feira, 7 de julho de 2003

Insígnias

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Outro dia alguém me perguntou porque costumo assinar "Luciana Teixeira", ao invés de "Luciana Dantas", já que é por esse último sobrenome que a maioria das pessoas me distingue das dezenas de Lucianas de que vivo cercada. A resposta é: "por pura vaidade". Certa vez fui a uma exposição de brasões, e lá estavam meus dois sobrenomes com significado e origem. Teixeira provinha de um nobre guerreiro que havia lutado na tomada da Bastilha. E Dantas... bem, Dantas vinha da Região das Antas, em Portugal. Nada contra as antas, mas isso me soou pouco vultoso.

O fato é que brasões de sobrenomes hoje ganharam um significado meramente estético, mas eles já foram o orgulho de uma família. Na Idade Média eles eram exibidos pelos cavaleiros em seus escudos para mostrar que os mesmos procediam de uma linhagem nobre, portanto, se alguém quisesse o matar teria que ser tão ou mais "importante" quanto ele. Não se concebia gastar o fio da espada com um plebeu metido a Jaspion (Pokemón par aos mais modernos); os cavaleiros nobres só se dignavam de derramar sangue aristocrático. Daí a importância de empunhar sua insígnia.

E hoje, qual é nosso brasão? Quem é nosso Inimigo? Nesses tempos onde a guerra diária ganha contornos muito mais sutis, as lutas são contra armadilhas cada vez mais capciosas e o Mal toma formas muitas vezes quase indistinguíveis, importante é discernimos de que lado nós estamos e erguer a bandeira do que professamos ser. Sun Tzu, o mais célebre dos estrategistas de guerra, escreveu em seu pequeno tratado "A Arte da Guerra": "Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas."

Para quem crê na Bíblia como Santa, Verdadeira e Inspirada Palavra de Deus, não é difícil saber quem é o Arqui-Inimigo, Aquele que anda rugindo ao redor, como um leão, procurando a quem devorar (I Pedro 5:8). Aquele que nem sempre é tão explícito, e não nos ataca com espadas, mas está pronto a nos atingir com dardos inflamados, e contra quem só a armadura feita nos moldes de Cristo pode resistir (Efésios 6:10-18).

E quem somos nós? Será que nas batalhas do cotidiano temos nos preocupado em empunhar o brasão de Filhos de Deus, mostrar que nossa linhagem procede do Senhor dos Exércitos, que o nosso sangue é do mesmo tipo daquele que foi derramado na cruz pelo Príncipe da Paz (Isaías 9:6)? Será que nosso Inimigo consegue ver que temos orgulho de pertencer a Deus? E a nossa vida é uma prova disso?

No Salmo 74, vemos uma preocupação que bem poderia ser transportada para os nossos dias: "Não vemos mais as nossas insígnias, não há mais profeta; nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará. (verso 9)". O salmista via, perplexo, os inimigos avançarem sobre a assembléia dos justos, derrubarem os seus estandartes e altearem em seus lugar as próprias insígnias. Profanavam o santuário dos hebreus e destruíam os lugares santos. E hoje não é diferente a preocupação dos cristãos, porque temos visto Satanás com o mesmo interesse em derrubar as verdades cristãs, profanar a santidade nos templos e nos lares, destruir os santuários com as mais sutis e perspicazes mentiras, de modo a erguer no meio do cristianismo, as bandeiras da mentira, do egoísmo, da nossa doente vontade própria, entre tantas outras que envergonham a procedência Real dos cristãos, e descaracterizam aquilo que deveria ser o acampamento dos justos.

Por isso o apelo do salmista ainda é válido para nós: "Os teus inimigos bramam no meio da tua assembléia; põem nela as suas insígnias por sinais." (Verso 4). Nas batalhas diárias por fazer o bem segundo a vontade dEle, que possamos lembrar de erguer sobre cada palavra, atitude ou pensamento, o brasão com a imagem do Cordeiro de Deus.

Uma semana iluminada,

Luciana D. Teixeira