segunda-feira, 19 de maio de 2003

O Caminho

Um dos passatempos preferidos de certo amigo meu é ver onde o caminho vai dar. Assim mesmo: ir andando, notar uma rua qualquer, lembrar que nunca entrou ali antes e então entrar, só para descobrir onde a rua acaba, por onde ela passa, que caminho é aquele ali. Certa vez enquanto eu o acompanhava num desses passatempos insólitos, ele me contava que já há muitos anos colocava a filha em sua moto e a levava para passeios cujo rumo era descobrir o rumo. Nunca lembrei de perguntá-lo se alguma vez entrou em algum lugar de que se arrependera, mas acredito que qualquer imprevisto valeria o seu prazer de desvendar o desconhecido.

Muitos hão de concordar que há uma graça muito sutil em sair por aí para lugar nenhum, só pelo prazer de descobrir onde se pode chegar. E hoje em dia, ele há de recomendar que sua filha não saia por aí fazendo o mesmo, porque, especialmente em certos lugares do nosso país tropical, caminhos desconhecidos podem levar a problemas funestos com o tráfego. E com o tráfico também.

Mas há na estranha mania do meu amigo, algo análogo a nossa própria vida. Agora mesmo eu e você estamos tomando rumos que não fazemos idéia de onde vão acabar. Mesmo tomando o cuidado de planejar, conhecer, estruturar, seguir os sinais de quem já passou por ali, nem sempre podemos ter certeza do lugar onde vamos chegar, muito menos se esse lugar é exatamente onde queremos estar no fim do caminho. Na nossa vida aqui temos poucas certezas quanto a isso. O máximo que podemos fazer é, como meu amigo, tentar abstrair algum prazer da novidade do caminho, e abstrair descobertas onde só vemos incertezas.

O que vai ser logo ali adiante? Para onde exatamente nossas escolhas estão nos levando? O que garante que não nos perderemos? Não há resposta muito precisas. Apenas uma é verdadeiramente certa: os caminhos desta vida são quase todos de mão única, e os retornos são quase tão impossíveis de se achar quanto os de São Paulo. Mesmo quando achamos que vamos voltar, o que estamos fazendo na verdade é seguir em frente. Nenhum caminho aqui é verdadeiramente seguro, e jamais permaneceremos nele o suficiente para o conhecermos totalmente. Que dirá prever o seu fim. E quando saber que chegamos ao fim?

Há apenas uma maneira de garantir que o rumo que escolhemos não vai nos decepcionar: seguindo Aquele que já andou pelos mesmos caminhos que nós. E o único que o fez sem tropeçar nem entrar por lugares errados foi Jesus Cristo. Mas alguém pode perguntar: "Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho?" (Jo. 14:5). Afinal, onde vai dar exatamente esse caminho para o qual Cristo aponta agora, olha para você e diz: "Siga"? Repare bem, se você tem certeza que esse é o caminho que Deus escolheu para você, simplesmente vá, sem medo. E se você não sabe ao certo que caminho tomar, olhe para Cristo uma vez mais. Na dúvida escolha sempre a direção que o levará para mais perto dEle. Porque Cristo é ao mesmo tempo o Caminho e o melhor Lugar onde podemos chegar.

Uma semana iluminada!

Luciana Dantas Teixeira

segunda-feira, 12 de maio de 2003

Morrendo de saudade

O problema era explicar a Daniela o porquê dos peixinhos terem morrido. Ela comprara um aquário novo, comidinha saborosa (devia ter gosto de minhoca, mas acho que ninguém sabia ao certo), enfeites lindos de plástico para tornar o aquário o mais agradável e bonito possível. Mas ela não queria qualquer peixe, tinha que ser os peixinhos da lagoa de Muriú. Então ela foi à lagoa, e junto com uma prima, pegou um lençol, colocou comida no meio e atraiu dezenas daqueles peixinhos brilhantes. Em segundos ela pegou cinco deles com a mão e os colocou dentro do lindo aquário que esperava do lado de fora da lagoa. Segurou-o firme entre as mãozinhas e esperou sentada até a hora de entrar no carro para ir embora. Feliz, acompanhava os movimentos daqueles peixinhos que ela agora escolhera por melhores amigos. Mas todos os cinco morreram antes que o carro chegasse na casa de Daniela. Por que?

Eu nunca soube ao certo. A água era a mesma da lagoa, e tinha oxigenação suficiente para os peixes sobreviverem alguns dias. O aquário não foi exposto ao sol, ou qualquer outra intempérie que justificasse a morte tão rápida dos peixinhos. Por isso a explicação mais convincente que encontrei para dar a Daniela foi: “Querida, seu aquário é lindo. Tenho certeza que você daria comida, cuidado e amor para eles, até eu gostaria de morar ali. Mas seu aquário não é a casa deles, e é bem provável que eles tenham morrido de saudade.”

Demorou até ela aceitar. Em sua mente, os peixinhos deveriam estar felizes com sua casa nova, aparentemente muito mais bonita e cheia de regalias que a antiga. Era apenas menor, mas eles não teriam mais que ir atrás de comida, ou se esconder de outros peixes predadores, e escapariam até à escola dos peixes para brincar o dia inteiro (Daniela sabia bem o que uma oportunidade dessa significava). Mesmo assim os peixinhos brilhantes não se adaptaram, e depois de pensar bem, Daniela concluiu que eles morreram chorando a falta da lagoa de Muriú.

Felizmente somos seres mais adaptáveis que os peixes da lagoa de Muriú. A maioria das mudanças físicas, psicológicas e materiais não são apenas possíveis, mas necessárias em nossa vida a fim de crescermos. Isso, no entanto, não as torna sempre fáceis, pelo menos para mim. Como os peixinhos de Daniela, eu também já mudei de casa, não só uma mas duas vezes. Para muitas pessoas essa mudança pode ser algo festivo, empolgante, estimulante. Para mim, que me apego profundamente à minha realidade, mudar é sempre um processo desgastante. Na primeira vez que mudei de casa, passava horas inconformada, olhando para tudo com tristeza e saudade, e só depois de muitos meses consegui me adaptar. Há porém uma saudade que teima em permanecer inexorável e reclama cada parte de minha alma com uma força irresistível: a saudade do lar celestial.

E faz só pouco tempo que reconheci em mim essa saudade, enquanto pensava na fidelidade dos peixinhos de Muriú à sua lagoa. Porque costumamos pensar na Nova Terra de que João fala em Apocalipse, como um lugar quase mágico, surreal, o que soa, por vezes, até fantasioso. Mas Jesus Cristo falou dele como um lugar bem real. E embora nos dirijamos a esse lugar, muitas vezes, como nosso “Novo Lar”, na verdade esse foi o primeiro Lar na humanidade, o lugar de onde saímos e para onde – mesmo que sem consciência disso – ansiamos voltar. É por ele que nossas almas clamam. Todo esse vazio que acompanha a existência humana, é causado por uma íntima inconformidade com nossa condição neste mundo.

Há quem passe a vida inteira enfeitando o “aquário” de sua vida, tentando torná-lo bonito, confortável, prazeroso, e quanto mais investem no aquário, mais sente que está faltando alguma coisa. Esquecem que Deus está preparando um lugar cuja beleza nenhuma pena humana seria capaz de descrever. Alguns acham que a satisfação virá de tornar o aquário um lugar mais justo, e tentam consertar tudo aquilo no que, segundo julgam, o criador do aquário falhou. E vão sempre encontrar novas falhas, descobrir que não têm poder para consertá-las todas. Esquecem que não faz sentido Deus consertar um aquário velho e corrompido, se Ele já providenciou um lugar infinitamente melhor para abrigar Sua criação. Outros simplesmente decidem “desencanar” e aproveitar a vida no aquário como se tudo que houvesse ali já fosse o suficiente: isso não significa que se adaptaram, mas que aprenderam a mentir bem para si mesmos. Esquecem que nenhuma mentira pode abafar a sede do espírito humano.

Uma nova semana se inicia, e não faço idéia das mudanças pelas quais teremos de passar. Sei que Deus nos concedeu sabedoria e inteligência para nos adaptarmos às condições mais difíceis, aos lugares mais inóspitos, às situações mais desgastantes. Podemos ultrapassar qualquer desafio com Sua força e nosso empenho, e vencer até mesmo a saudade lacerante de lugares e pessoas que já fazem parte de nós. O único fato com que não temos como vencer é que nossos espíritos não se saciarão da vontade de voltar para seu verdadeiro lugar. E para que eles não morram de saudade, o ideal é respirarmos já a atmosfera do Lar celestial. Considere que nosso tempo aqui é curto, e investí-lo só no aquário é uma atitude pequena. Permaneça fiel à sua origem e viva como alguém que sabe que sua verdadeira casa é onde Jesus está (João 17:24).

Uma semana iluminada,

Luciana Dantas Teixeira