domingo, 30 de junho de 2002

Ladrões de Luz

“Na primeira noite
Eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem
Pisam nossas flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que, um dia,
O mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz, e , conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta!
E já não podemos dizer mais nada.”

(`No caminho com Maiakóvski´, de Eduardo Alves da Costa)

A boa notícia veio por telefone, quando eu ainda estava morando em São Paulo. Minha mãe, numa de suas intermináveis reformas e construções, decidiu fazer uma suíte para mim no primeiro andar, e guarnecê-la com uma ampla varanda voltada para o nascente. Antes que eu decidisse, ela já planejava minha volta e alardeava a recepção. As mães sempre sabem convencer: pouco tempo depois eu estava de volta à Natal, entre outras causas, por ceder ao apelo de quem soube expressar uma saudade convicta.

A varanda passou logo a ser o melhor lugar da casa. A visão de um horizonte entrecortado de colinas verdes, e uma rede balançando na brisa formidável eram os maiores atrativos para passar horas ali, na mais diligente intenção de fazer nada. O que não nos apercebemos é que toda aquela amplitude estava aberta a outros visitantes que não fossem gatos, pássaros e borboletas. E foi assim que, certa noite, um ladrão entrou em nossa varanda. Como o quarto possui grades nas janelas, e um portão com dois cadeados veda o acesso ao mesmo, não restaram muitos objetos ao alcance dele. Só percebi essa insigne visita quando, dois dias depois, fui acender a luz da varanda e a lâmpada não estava mais lá! Constatei também que a rede não mais balançava ao vento.

Depois disso providenciamos todo um aparato de segurança para prevenir futuras visitas de tal natureza. Não que a rede fosse exatamente um primor do nosso artesanato, nem que a lâmpada fosse mais especial que qualquer lâmpada econômica de 15W. Mas aquele furto nos mostrou que estávamos vulneráveis, e que se acaso o ladrão voltasse, certamente viria preparado para tentar ir além e levar muito mais.

Esse fato me lembrou o ladrão de luz mencionado no poema de Eduardo Alves da Costa. Perceba que, nesse poema, o roubo foi feito “pelo mais frágil deles”, o que se aproveitou da negligência e descaso da vítima frente a outros pequenos atos prejudiciais. Começou colhendo uma flor, e que mal poderia haver nisso? Depois prosseguiu avançando de maneira cada vez mais destrutiva, até que sua vítima estivesse completamente imobilizada, sem condições de dizer nada.

Com o pecado não é diferente. Alguns deles nos parecem tão inofensivos quanto ladrões de luz. Cedemos a eles achando que nenhum grande mal pode haver em fazê-lo, e vamos ficando vulneráveis a ataques maiores e mais profundos, que acabarão por levar o bem mais precioso: nossa salvação.

Começam colhendo uma flor: uma pequena exceção aos princípios divinos, que pode acontecer debaixo daquelas frases típicas: “é só uma vez”, “errar é humano”, “não seja tão rígido consigo mesmo, você merece!”. Mas o pecado que colhe uma flor, em breve irá pisar muitas outras, esmagar sob os pés cada um de nossos valores, e por fim desfigurar o jardim, que é o nosso caráter.

E depois? Matam nosso cão. Sem valores firmes não há vigilância, nem tampouco fidelidade: nossa alma fica aberta, incapaz de discernir entre certo e errado, sendo invadida pelo mal sem reconhecê-lo. Nesse ponto já é bem difícil reagir, mas ainda podemos fazê-lo até que ele roube nossa luz. Aquele pecado “inofensivo” que colheu a primeira flor, vai se esgueirar até a fonte de luz de nossa alma para apagá-la. E isso significa apagar nossa comunhão com Deus, roubar a nossa vontade de estar em contato com a Sua Palavra. A Bíblia, lâmpada do nosso caminho, passa a ser rejeitada reiteradamente como o mais insalubre dos alimentos, no máximo, procurada por obrigação.

É então que as trevas dominam o espírito. Satanás conhecerá nossos medos, e usará deles para limitar nosso arbítrio: isso é estar debaixo do jugo do pecado. Preso. E se não buscarmos a misericórdia divina enquanto ela se deixa achar, chegará o tempo em que não adiantará mais clamar por ela: a voz nos terá sido arrancada da garganta, fechada a porta da graça, tomada a salvação. “E já não podemos dizer nada”.

Felizmente o Espírito Santo insiste com amor em nosso favor, onde quer que estejamos. Mas não é prudente esperar a morte ou o juízo para ouvir a Sua voz (Hebreus 4:7). Melhor é manter guarda constante sobre a propriedade espiritual que, como cristãos, nos propusemos a construir (e não raro construímos com tanto esforço). Segurança efetiva é um esforço conjunto da proteção de Deus, e de olhos vigilantes sobre pecados que colhem nossas flores e roubam nossa luz.

Uma semana feliz e iluminada,

Luciana Dantas Teixeira