domingo, 28 de maio de 2000

importante x essencial

"Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais que o mantimento, e o corpo mais do que o vestido? ... Olhai para as aves do céu... olhai para os lírios do campo..." Mateus 6: 25, 26,28

Tem coisas que a mãe sempre faz mais gostoso. Comida de mãe é sempre a mais gostosa, abraço de mãe é sempre o mais caloroso, e da minha em particular, eu acrescentaria que a ela pertence o cheiro e a voz mais gostosos. Ontem à noite, sorvendo a calma segura da voz dela, eu me emocionei com uma historia que ela contou sobre a distinção entre coisas essenciais e coisas importantes. Ela contou que certa mulher procurou um padre (histórias de mãe católica sempre têm um padre) a fim de obter a solução para ajudar seu marido a recuperar a felicidade na vida. Acontece que ele, o marido, ao chegar a sexta-feira, chegava em casa cansado de todos os afazeres semanais e só queria saber de dormir. No sábado, após longas horas de sono que se estendiam até mais do meio-dia a fim de recuperar-lhe as forças físicas, ele começava a pensar em como faria para resolver os problemas pendentes que houvera deixado no trabalho. E se punha a arquitetar e planejar e buscar soluções, enquanto, angustiado por concluí-lo, se isolava da família a fim de obter maior concentração. Em vão eram as tentativas da esposa para fazê-lo sair e desfrutar da companhia dela e dos filhos. As preocupações dele se estendiam pelo domingo inteiro até que, na segunda-feira, sentada sozinha na sala de estar meia hora após o marido ter saído, ela ouvia o telefone tocar. Era ele: "querida... que saudade de você! Como te amo, como gostaria de estar com você agora..."
Difícil para esta esposa tentar explicar o porquê de seu marido ter a certeza que a amava e apreciava sua presença, mas não saber priorizar essa presença quando tinha a oportunidade de tê-la.
Minha mãe, que nada tem com Freud, explica: "É que às vezes trocamos as coisas essenciais pelas coisas importantes". As coisas essenciais, que tem a ver com a vida, o amor e Deus, não podem ser adiadas, esquecidas ou suplantadas pela coisa mais importante que não seja essencial. Acho que deveríamos parar de vez em quando para reavaliar nossa escala de valores, pensar sobre o que é realmente essencial e até que ponto estamos priorizando isto em nossas vidas.
Comentei há pouco tempo com certo amigo, de uma oportunidade em que pude perceber essa distinção fortemente. Eu trouxe apenas 2 malas para SP, mas as arrumei cerca de dez vezes até decidir o conteúdo que veio a chegar aqui... Fiz questão que fossem apenas duas para que eu trouxesse apenas o essencial (e isso é mais que filosofia prática, é economia com excesso de bagagem...). E cada vez que eu as arrumava, descobria a quantidade desproporcionalmente menor de coisas essenciais comparadas às que me eram apenas muito importantes. Descobri que poderia viver sem meus ursinhos de pelúcia, sem meus CDs, sem um monte de roupas, sem meu computador (poucos criam nisso) e até - supremo sacrifício - sem meus livros (nisto nem eu mesma cria). Por outro lado, reparei que ainda que eu esvaziasse as malas, não conseguiria colocar dentro delas as amizades verdadeiras e profundas que levei anos para conquistar, os lugares da minha cidade por onde passei, vivi, amei, o amor nas briguinhas e carinhos diários da minha família, nem coisas simples e gostosas como o abraço, a comida e o cheiro da minha mãe. Descobri que não precisava de malas; eu as trago dentro de mim .
Hoje, cada dia meu me pede para reconhecer e valorizar a nova essência que há para ser incorporada à minha vida. E eu agradeço ao Pai por esta consciência que me faz vivê-la de forma intensa. Não é bom perder algo essencial para reconhecer quantas coisas importantes você poderia ter deixado para depois, a fim de viver o que realmente importa... agora mesmo, olhando o pôr-do-sol aqui da praça da Bíblia no IAE, chego a conclusão que este cenário é um espetáculo muito mais essencial que os concertos da Sinfônica do RN que eu julgava tão importantes; foi sentando aqui para apreciá-lo que pensei na minha mãe e assimilei que o importante nem sempre é o que importa.
Sei de algo essencial que podemos fazer neste momento. Há uma voz mansa e suave nos chamando, que consegue ser mais gostosa e reconfortante que a da minha mãe. A começar por ouvir esta voz, descubramos e vivamos agora, tudo que for essência, e todo o resto pode esperar. No meio desta sociedade superficial, escutemos a nota encoberta pelo burburinho de coisas importantes.... escutemos a nota suave mas cálida, que toca profundamente a alma enquanto soa aos que permitem-se ouvi-la: "Vinde, e vede..."Jo 1:39
Lutemos por ser, prioritariamente, o que vier de Deus, da vida e do amor.

Uma semana feliz e iluminada!!

Lux Lunae

domingo, 21 de maio de 2000

Uma publicidade divina...

"Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós,e escrita, não com tinta, mas, com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas d epedra, nas tábuas d ecarne do coração." II Cor 3:3

Para mim que tenho um prazer imensurável em descobrir e conhecer, a vida está sendo uma festa constante... Andando pelas ruas desta cidade, onde "grande" é adjetivo ordinário e ainda assim incapaz de mensurar, vou me detendo nos detalhes das ruas, pessoas, casas, cores e sons, que me invadem os sentidos. É difícil não estampar no rosto a expressão entusiasmada dessa alegria sinestésica de novas sensações, estados, paisagens.
Hoje, enquanto voltava do supermercado, reparei num casebre ainda meio informe num terreno aqui no Parque Fernanda. A casinha cor-de-cimento tinha sua tonalidade triste cortada por uma pitoresca faixa com letras graúdas escritas em azul: "Agradeço a São Expedito pela graça alcançada". O riso foi imediato, não de crítica ou soberba teológica, mas um riso satisfeito de admiração. Que idéia genial, que maneira mais inteligente de mostrar gratidão! O estudante distraído que por ali passar, a dona-de-casa atarefada, o senhor de idade entediado, o operário cansado ou desanimado, o motorista nervoso, a criança agitada, o jovem sem expectativa ou num devaneio de expectativas perigosas, o advogado, o poeta ou o traficante, o ser humano feliz, desesperado, desumanizado, confuso ou convicto de suas certezas e incertezas, não podem passar por ali sem pensar que outro ser humano proclama abertamente a felicidade de ter uma graça alcançada. Impossível passar por ali sem de, alguma forma, por mais sui generis que seja, pensar em Deus.
Pensei em Jesus caminhando numa manhã de segunda-feira pelas ruas de Jerusalém... pensei em seus olhos profundos passeando por essas ruas, e casas, pessoas, cores e sons. Imaginei esses olhos entrando na essência de cada pequena coisa que formava a realidade ao seu redor, prescrutando o que havia escrito nela. A natureza usava seu esplendor para falar-Lhe: "Agradeço-te, Ó Cristo, pela graça alcançada de estares entre nós". E cada pequena criança Lhe falava num sorriso: "Agradeço-te Cristo, pela graça de em Ti estar o motivo de eu poder ter vida". Os olhos do ancião sussurravam com gravidade: "Agradeço-te, Ó Cristo, pela graça da esperança de em Ti ter vida eterna e em abundância". E mesmo na alma mais corroída pelo pecado, Cristo conseguia ver uma oração falando da graça salvadora ou clamando por Seu poder transformador. Posso imaginar o sorriso iluminado do Deus que nunca perdeu a fé no ser humano, do momento que abnegou Seu lar celestial e Sua realidade divina, até o momento em que, entre escárnios dos seres a quem amou, agonizava a morrer na cruz.
Um bom-dia de um velhinho de cor, muito sorridente, mas que eu nunca houvera visto, me faz voltar ao Parque Fernanda. Lembro de quantas histórias sobre violência, assalto, estupro, atropelamento e todo tipo de comportamento anti-social eu ouvi desde desde que decidi vir para São Paulo. E embora saiba que esta realidade é o que desfila caótica e cotidianamente na frente de nossos olhos, de maneira que ao nosso modo de viver, cabe seguir à risca o fado (e fardo) de sermos homens desalentados de temor, ainda acho que há mais felicidade em ver pelos olhos de Cristo.
Talvez sua rotina já não tenha tantas coisas para descobrir como a minha, mas é certo haver um mundo imenso para redescobrir, nessa mesma rotina, olhando através dos olhos de Jesus. E é fantástico aprender a ler as coisas, fatos e pessoas, mais a fundo, vendo o que há de bom escrito em sua essência. "o mundo embora caído não é só tristeza e dor. Há rosas sobre os espinhos e os cardos estão cobertos de flores" (Ellen White, Caminho a Cristo, pág. 9, citação de memória e sujeita a pequenas falhas :-))).
Os próprios seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, carregam em si, não obstante séculos de corrupção pecaminosa, traços dEsse Deus. E ainda que nunca venhamos a ter aqui um vislumbre fiel do espírito dos seres que nos cercam, pudemos ao menos buscar transformar nosso nervo óptico à Semelhança do dAquele Verbo feito carne. Sabe o que é curioso? Quanto mais perto chegarmos dessa visão, mais conseguiremos expressar nós mesmo, em tudo que somos, uma prece de agradecimento e louvor, como se letras escritas pela Graça, crescessem se tornando mais e mais visíveis aos olhos de todos os passantes... seremos então a mais eficaz propaganda divina: cartas, faixas, outdoors de Deus...
Uma semana feliz e iluminada!

Lux Lunae

domingo, 14 de maio de 2000

Dicas Agrícolas do Espírito Santo

"Pois fostes regenerado, não de semente corruptível mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente" I Pe 1:23

Ontem à tarde vi pela primeira vez um pé de mexerica, lá na casa da Miriam. Aliás, nunca vi tanta mexerica junta, nem qdo ía 'a feira com mãe (neste caso, para comprar " laranja cravo" , como nós chamamos lá). Depois de passar horas e horas cortando e cortando e cortando mexericas para fazer suco, olhando aquelas sementinhas, fiquei pensando em algo que eu já havia reparado há algum tempo... Cada novo fruto que nasce já traz dentro de si uma ou mais sementes. É impossível que, em sua formação, juntamente com a polpa não se forme tb a semente.
Também é impossível que o cristão não nasça no reino de Deus como missionário. A semente da verdade "nasce" com ele no batismo. E lugar de semente é o vento, nas mãos de Deus, sendo levada para onde Ele quer semear. É assim que saímos pelo meio do mundo espalhando as sementes das Boas-Novas do Evangelho. Não importa se a(s) semente(s) que tenho nas mãos são poucas ou muitas, se é uma só, como a do abacate (será que chamam assim aqui tb??). Se são pequenininhas como a do tomate, se são delicadas como as da maçã, ou qse imperceptíveis como as da mostarda. Todas são sementes, todas têm o potencial de fazer nascer, todas devem ser lançadas.
Nosso Deus é um artista que ama a diversidade, em cores, formas, texturas e tb talentos... Lançadas as sementes, deve-se confiar em Deus. Primeiro a semente finge-se de morta, mas isso é apenas sinal que ela está germinando. Minha palavra ou testemunho expresso das mais diversas formas, ao atingir um coração fértil (e isso já não é preocupação ou responsabilidade da semente, mas do de um phd em engenharia agrícola espiritual chamado Dr. Espírito Santo), vai ser só a semente que logo vai morrer para dar lugar a uma nova planta: a fé nova desse coração tocado por Deus. E aí caberá ao Dr. Espírito Santo cuidar de tudo o que precisa alimentar esta plantinha. Inclusive me usar para isso tb.
Hoje é tempo de semear, embora saibamos que a colheita ainda não se fez pq adiamos a cada dia esta atitude. O pé de laranja-cravo, aliás, de mexerica, da Miriam tem uma história interessante. Ele não foi plantado no quintal dela através de muda ou enxerto. O pai dela plantou a sementinha e agora, mesmo depois de ter falecido, ela sente que ele deixou algo de muito bom dele com ela (e eu concordo!) e já disse que no sítio que eles compraram há pouco, vai ter muitos pés de mexerica plantados com as sementes daquela árvore, que ela já sabe ser uma ótima produtora de frutos saborosos.
Que nesta semana que se inicia, lembremos de jogar nossas sementes ao vento com a ajuda do nosso Mestre Agricultor. E que esta semente germine e se perpetue em muitas almas que haverão de conhecer a glória da Eternidade. Assim, será muito comum esta pequena cena no céu:
- Ei! Psiiu!
- Oi!!! É comigo? (nos primeiros dias da eternidade não vai dar para conhecer todo mundo, raciocinando humanamente heheheh)
- Tá lembrado de mim? Foi você que apertou minha mão e me deu um sorriso muito carinhoso naquele sábado de manhã lá naquela igrejinha, lembra? Por sentir amor ali, comecei a frequentar a igreja e conheci Jesus, de forma que hoje estou aqui! Obrigada!
Uma semana feliz e iluminada!

Lux Lunae

domingo, 7 de maio de 2000

Êxodo: conversão mental

"Então, naquela mesma noite, [o Faraó] chamou a Moisés e a Arão e lhes disse: Levantai-vos, saí do meio do meu povo, assim vós como os filhos de Israel; ide, servi ao Senhor, como tendes dito." Êxodo 12:31

Merari acordou ouvindo aquela doce voz familiar:
-Merari! Acorde... você tem que partir agora...
De um salto ele se ergueu da cama e olhou para o rosto de Nefert onde escorriam algumas lágrimas num semblante cheio de dor. Ela pegou as mãos do garoto e, tentando controlar o pranto, lhe explicou o que ocorrera enquanto ele dormia. Todo o Egito estava assustado e pasmo, o próprio Faraó, conhecido por sua dureza e inflexibilidade, estava angustiado a tal ponto que cedera aos apelos de Moisés. Agora todos os primogênitos egípcios estavam mortos, e o povo se apressava em expulsar os hebreus dali, pois já não suportavam mais tantas pragas divinas subsequentes. Todos estavam com medo e aflitos, ansiosos por ver aquele povo que trouxera tanta maldição aos egípcios, longe o quanto antes. E terminou seu relato com a voz mais doce, dizendo:
- Vá meu menino... você e seu povo estão livres!
Merari estava atônito com tantas coisas ao mesmo tempo. Ele sabia que Moisés estava tentando convencer o Faraó a libertar o povo hebreu, e todos tinham esperança que Javé conseguisse vencer o Faraó, mas ele não estava preparado para acontecimentos tão rápidos assim. Merari nascera no Egito e sua mãe, uma hebréia consumida pelas adversidades daqueles dias de opressão, morrera de parto, deixando o menino órfão e o pai sem ter como cuidar dele. Foi quando apareceu Nefert, uma viúva egípcia sem filhos que convenceu ao pai a comprar o menino como servo mas tratar-lhe dignamente. E assim o fez. Durante todo o tempo que esteve na casa de Nefert, Merari cumpria suas obrigações de servo mas era tratado com carinho por ela, que lhe dava condições de vida muito superiores a da maioria dos meninos hebreus. Ele fez algumas amizades com meninos egípcios e Nefert tinha planos de que ele aprendesse a escrita egípcia. Mas apesar de todos os privilégios, o sangue de Merari era de um hebreu... e ele nunca se sentira completamente a vontade no meio dos egípcios, que não compreendiam suas crenças, seu Deus, suas metas. Nefert o respeitava nesse sentido, nunca tentou impôr sua religião ao menino, mas também não se permitia crer na religião monoteísta professada pelo povo dele. A muito custo ele conseguiu convencê-la a colocar o sangue do cordeiro na porta da casa dela no dia anterior, como Moisés ordenara. Merari sentia falta de conviver com seu povo, de vê-lo livre e ser livre para servirem ao Deus em que criam. Sentia falta da compreensão, da partilha, de unidade e integração que preenchessem sua vida espiritual. Queria poder ser livre para realizar seus sonhos como um hebreu, sem sentir que estava sendo desagradável ou incompreendido por sua senhora amiga Nefert e pelos egípcios que conviviam com ele. Orara muito a Deus pedindo uma oportunidade para isso, e quando soube que Moisés viera ao Egito com a missão de libertar o povo hebreu, não conseguia mais controlar a ansiedade por ir com ele e começar uma nova vida, sentindo a presença real de Deus e vivendo pelos cuidados e providência de Javé.
E agora Merari olhava Nefert com carinho ali, sentindo que ela estava sofrendo em ficar sozinha. Que ela não poderia ir com ele, mesmo que ele insistisse muito para que ela o acompanhasse... apesar dela ter um amor maternal pelo garoto, jamais conseguira entender e aceitar o sonho dele. O jovem hebreu se levantou ainda atordoado, e com a ajuda dela começou a pegar as suas coisas para a partida. Enquanto ía, rapidamente arrumando o que podia, olhava os objetos da casa com nostalgia: a mesa onde tantas vezes, depois de um longo dia trabalhando, Nefert havia lhe feito sentar para saborear as comidas que ela preparara com ternura, alguns brinquedos que ganhara dela ainda em sua infância e que conservava guardados carinhosamente, o jarro com flores que ainda ontem ele colhera para ela, em cada coisa havia uma lembrança de anos partilhados. Mas o tempo urgia e lá fora já se ouvia uma confusão de vozes humanas e barulho de animais em marcha. Não, ele não imaginara que seria assim tão rápido, que Deus agiria de forma tão maravilhosamente breve, e que não daria tempo nem de se despedir de todos os seus amigos egípcios e de enxugar as lágrimas de Nefert.
Merari se deu conta do que estava deixando para trás.. de todo o conforto, amizade, carinho, possibilidades que haviam para ele ali no Egito. Se deu conta que estava indo para o deserto sob a orientação de um homem que ele não conhecia, numa situação completamente imprevisível! O deserto não era apenas um lugar inóspito, mas com perigos imprevisíveis à espreita, ameaçando os viajantes inexperientes como ele, atraiçoando até
mesmo os que julgavam conhecê-lo mais. Além disso, os hebreus eram seu povo, mas Nefert era a sua família... e o Egito foi onde ele cresceu. Mesmo sabendo que , como hebreu, ele não poderia ser muita coisa ali, sua vida não era ruim, ele tinha tudo que precisava. Se ao menos Deus lhe tivesse dado mais tempo para se acomodar àquela situação, para assimilar tudo que estava acontecendo, as consequências que aquilo traria para a sua vida! No entanto, tempo era o que ele menos tinha... e agora era hora de deixar tudo para trás, tudo que construíra, que sonhara para realizar no Egito, os laços emocionais que o prendiam ali, e seguir confiando tão somente na promessa da liberdade e prosperidade que Deus prometera ao seu povo caso este confiasse nEle e fizesse a Sua vontade. "Que seja feita a vontade de Deus e não a minha!" foi o que pensou enquanto abraçava Nefert sem saber se algum dia tornaria a vê-la ou quanto tempo isso demoraria. Sem saber mais nada, a não ser que estava sendo guiado pela misericórdia divina.
Sabe amigos, eu sei exatamente como Merari se sentiu quando virou-se de costas para o lar onde cresceu e foi embora. Claro que ele tinha seu próprio contexto subjetivo, mas há sentimentos que os seres humanos sempre sentem num dado momento na vida. Há sempre uma hora em que precisamos recomeçar, mudar radicalmente, voltar à estaca zero. Isso no nosso lado afetivo, profissional , material ou espiritual, ou tudo ao mesmo tempo como foi o caso do nosso amigo hebreu. Perder a estabilidade, seja por um recomeço, mudança ou perda, é sempre uma experiência que envolve insegurança, receios e dúvidas, mesmo considerando a capacidade de cada um, individualmente, para lidar com isso.
No caso de nosso amiguinho aqui, tínhamos um jovem de fé e temente a Deus, que vivenciou a atuação deste Deus através do vários sinais dos quais Moisés foi canal naqueles dias. Seria o que hoje chamaríamos de um cristão convicto e verdadeiro, zeloso e fiel. Mas foi somente na experiência do Êxodo que Merari sentiu a totalidade da sua conversão, vindo a conhecer a conversão mental. O tipo de conversão a que Jesus se referia ao dizer: "Amarás o Senhor teu Deus... de todo o teu entendimento" Mateus 22:37.
Uma mente convertida é aquela que reconhece a necessidade de Deus acima do próprio Eu, e da fé acima da autosuficiência. Sabe, antes de qualquer coisa, raciocinar segundo uma confiança que provém da certeza que Deus está a controlar, e a partir disso permite que sua vida seja estruturada nos moldes divinos e não sob as próprias perspectivas. Isso influenciará de forma decisiva a maneira de encarar a vida e a si mesmo, de uma forma macro, micro ou laptop hehehe. Um cristão que passa pela conversão mental tem uma visão diferenciada do seu papel e do papel de Deus, consegue ver a atuação divina e descansar nessa visão, mesmo que ela seja a de uma pessoa querida chorando, da porta do seu lar ficando cada vez mais distante, do seu filho entrando numa sala de cirurgia, ou não saindo com vida dela, de uma marcha do deserto do desconhecido, de uma campo de batalha desolado onde você vê em tudo sinais de derrota, de um exército inimigo vindo em sua direção enquanto você canta, ou até mesmo dos soldados do seu exército abandonando o campo de batalha.
Merari, naquele dia, libertou-se não apenas da escravidão egípcia, mas de uma escravidão ainda mais algoz: a escravidão de si mesmo e de todas as coisas que o prendiam à impossibilidade de se entregar completamente a Deus. Livrou-se da tensão, ocupação e preocupação de depender de si mesmo, do desgaste enorme de força emocional e mental que vem da necessidade de achar garantias para si mesmo em coisas e pessoas, o tempo todo, para poder se sentir seguro (enquanto se julga estar sendo independente). Percebeu a liberdade no fato de não ter que se sentir "útil" e "importante", um "cara legal" em que Deus poderia confiar, pois o amor a Deus se perfaz justamente na capacidade de reconhecer as incapacidades, e permanecer tranquilo e sereno , coberto por Suas penas, seguro sob Suas asas, escudado por Sua Verdade (Salmo 91: 4).
Livre como na música da Sandy Patty: "You set me free, to fly, to soar to places I've not been before.. the boundaries of humanity cannot contain what You set free!"¹. Sentir a hora de estar sob as asas do Pai e a hora em que as próprias penas já cresceram, que o sangue de águia pulsa forte pedindo para alçar as alturas, cada músculo expressa a ânsia de quem nasceu para voar, e num frêmito se lança em vôo, enfrentando o risco das alturas, mas indo além das montanhas guiado pelo vôo do seu Pai.
Pode parecer poético, mas nem tente fazer com que a conversão mental seja racional... a entrega e o relacionamento com Deus a partir desta experiência assume um nível bem superior de racionalidade: a racionalidade divina, aquela, que a nossa visão não alcança e quando vislumbra, parece ver uma grande loucura ( I cor. 1:18, 2:14). Amar ao Senhor de toda a mente: buscá-lo através da doação de si mesmo, não se conformar com a mediocridade e a incompletude; ir além, até onde ele te fez capaz de ir, sentindo que você é um Filho de Deus em toda a sua totalidade.
Lançar fora a pretensão de querer saber tudo e o medo de não entender nada. Não se conformar com o que Deus fez por nós, mas fazer disso um motivo a mais para anelar absolutamente tudo que Ele ainda quer fazer. E a partir disso, experimentar, lembrar, compreender, fazer hipóteses e discernir como homem espiritual... "e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus." Filipenses 4:7
E sabem? Apesar deste frio na barriga, eu quero alçar vôo...literalmente!;-)
Uma semana feliz e iluminada!!!

Lux Lunae